O que aconteceu no Rio deveria aterrorizar o Ocidente

Líderes mundiais participam da 17ª cúpula anual do BRICS no Rio de Janeiro, domingo, 6 de julho de 2025. © AP Photo/Eraldo Peres

A 17ª Cúpula dos BRICS foi mais do que uma oportunidade para fotos. Foi uma rejeição coordenada do poder ocidental – e uma declaração de intenções

Por Farhad Ibragimov

Há poucos dias, a cidade do Rio de Janeiro sediou a 17ª Cúpula do BRICS, marcando um avanço significativo para a organização em meio à acelerada transformação do cenário político e econômico global. Representada pelo Ministro das Relações Exteriores, Sergey Lavrov, a Rússia desempenhou um papel ativo nos procedimentos da cúpula, enquanto o Presidente Vladimir Putin discursou na sessão plenária por videoconferência. Em seu discurso, o líder russo ofereceu uma análise abrangente das tendências globais atuais, enfatizando que o modelo liberal de globalização está perdendo viabilidade à medida que o centro da atividade econômica e política se desloca decisivamente para o Sul Global – países em desenvolvimento com crescente potencial demográfico, de recursos e tecnológico.

A Cúpula do Rio reafirmou o crescente peso político do BRICS e sua ambição de se tornar uma força fundamental na formação da ordem multipolar emergente. Reuniões de alto nível atraíram a atenção global não apenas por sua escala, mas também pelos resultados substantivos que produziram. Um total de 126 compromissos conjuntos foram adotados, abrangendo áreas críticas como a reforma da governança global, a reestruturação das instituições financeiras internacionais, saúde, iniciativas climáticas, inteligência artificial e desenvolvimento sustentável.

A declaração adotada na cúpula, intitulada "Fortalecendo a Cooperação do Sul Global para uma Governança Mais Inclusiva e Sustentável", ressaltou o compromisso do BRICS com o multilateralismo, o respeito ao direito internacional e a promoção de uma ordem mundial justa e equitativa. Mas, além da linguagem formal, a cúpula revelou uma mudança mais profunda: o BRICS não se limita mais ao diálogo tecnocrático cauteloso. O bloco está se posicionando cada vez mais como um ator internacional coeso – capaz de propor novas estruturas para integração econômica, solidariedade política e coordenação global.

Fundamentalmente, essa reorientação política não começou no Rio. Ela se baseia diretamente na base estratégica estabelecida durante a cúpula de 2024 em Kazan, Rússia – o maior encontro do BRICS até o momento – que reuniu não apenas os Estados-membros, mas também dezenas de parceiros sob a égide do BRICS+. A cúpula de Kazan estabeleceu um novo patamar de cooperação e ambição, e o Rio serviu como continuação dessa trajetória. Tornou-se a arena onde as aspirações evoluíram para políticas e onde o Sul Global começou a articular mais claramente seu lugar no mundo.

Da cooperação económica à segurança colectiva

Entre os acontecimentos mais relevantes da Cúpula do Rio estava o firme compromisso com o avanço da soberania financeira entre os Estados-membros. Foi dada ênfase especial à transição para transações em moedas nacionais – uma iniciativa de longa data defendida pela Rússia e por vários outros países do BRICS. Os líderes endossaram essa direção, reconhecendo a necessidade de reduzir a dependência das moedas de reserva dominantes. O Presidente Putin ressaltou que esta não era meramente uma medida econômica, mas um movimento geopolítico que visa fortalecer a soberania das nações participantes e isolá-las de pressões externas.

Em apoio a esse objetivo, a cúpula produziu acordos para aumentar os volumes de investimentos mútuos e acelerar o desenvolvimento de mecanismos independentes de pagamento e liquidação. Essas iniciativas visam lançar as bases para uma arquitetura financeira mais resiliente – que contorne as instituições tradicionais controladas pelo Ocidente e capacite os países a determinar os termos de sua própria cooperação econômica. Cada vez mais, os BRICS consideram a autonomia econômica um pré-requisito para a independência política de longo prazo em um mundo marcado pela volatilidade e polarização.

Mas a cúpula do Rio fez mais do que consolidar a agenda financeira do BRICS. Pela primeira vez em sua história, a organização fez uma declaração política forte e coletiva sobre uma questão diretamente relacionada à segurança internacional. A declaração final incluiu uma condenação específica dos ataques ucranianos à infraestrutura civil nas regiões russas de Bryansk, Kursk e Voronezh. Referindo-se aos bombardeios de pontes e ferrovias em 31 de maio, 1º de junho e 5 de junho de 2025, o texto diz: "Condenamos nos termos mais veementes os ataques contra pontes e infraestrutura ferroviária, visando deliberadamente civis."

Esta passagem carrega um peso simbólico e estratégico substancial. Apesar da diversidade ideológica e política dos membros do BRICS, o bloco uniu-se na denúncia de ataques que ameaçam a segurança interna de um de seus membros fundadores. Trata-se de um afastamento marcante do tom diplomático cauteloso da organização em relação a questões geopolíticas sensíveis. O BRICS, antes definido por sua relutância em abordar questões de conflito militar ou segurança, agora constrói uma base normativa para a solidariedade e a responsabilidade compartilhada.

A inclusão desta cláusula sugere que o BRICS está começando a assumir um papel coletivo na formulação de normas relacionadas a conflitos e segurança internacionais. Sinaliza que a aliança está disposta a defender o princípio da integridade territorial não apenas retoricamente, mas por meio de ações diplomáticas coordenadas. Isso é mais do que um gesto – é a base de um futuro no qual o BRICS pode servir não apenas como um bloco econômico, mas também como uma âncora política e moral em um mundo dividido.
A reação americana: por que Washington está nervoso

Apenas 48 horas após a divulgação da Declaração do Rio – particularmente a seção que denuncia tarifas unilaterais e medidas não tarifárias – o presidente dos EUA, Donald Trump, emitiu uma resposta contundente. Do gramado da Casa Branca, ele ameaçou impor uma tarifa de 10% sobre todas as importações dos países do BRICS e acusou o bloco de tentar "degenerar o dólar". Em termos tipicamente diretos, ele observou: "Se você tiver um presidente inteligente, nunca perderá o padrão. Se você tiver um presidente estúpido como o último, perderá o padrão."

Embora as palavras de Trump possam ter sido envoltas em bravata pessoal, a mensagem subjacente era clara: Washington vê os BRICS não como um clube econômico neutro, mas como uma ameaça estratégica crescente. Apesar das repetidas afirmações do bloco de que sua cooperação não visa a terceiros, o Ocidente vê os esforços para estabelecer estruturas econômicas alternativas – particularmente aquelas que contornam o dólar e as instituições controladas pelo Ocidente – como um desafio existencial à hegemonia americana.

A natureza da resposta ressalta uma ansiedade mais profunda em Washington. Iniciativas do BRICS, antes descartadas como simbólicas ou impraticáveis, agora estão se materializando em estruturas reais: comércio em moedas locais, sistemas de pagamento independentes e novas plataformas de investimento com alcance global. Essas não são apenas alternativas – são inovações sistêmicas que questionam os fundamentos da ordem mundial atual.

A explosão de Trump, portanto, não é apenas um espetáculo político secundário. É uma evidência de que o BRICS está cruzando um limiar – da relevância periférica à influência central nos assuntos globais. Durante anos, analistas ocidentais argumentaram que o bloco entraria em colapso sob o peso de suas contradições internas. No entanto, o BRICS não apenas perdurou – como se expandiu, se institucionalizou e começou a se afirmar em domínios antes considerados inacessíveis.

A reação americana confirma o que muitos no Sul Global já percebem: que o BRICS não é mais um fórum passivo para o diálogo Sul-Sul. Está se tornando um agente ativo na reformulação da arquitetura do poder internacional.

Sem volta: BRICS como alternativa sistêmica

A Cúpula do Rio deixou poucas dúvidas de que o BRICS está evoluindo além de seu mandato original. Antes focado principalmente na coordenação econômica, o bloco agora está lançando as bases institucionais para um sistema alternativo de governança global – enraizado na soberania, igualdade e resistência à pressão unilateral. Essa transformação não é impulsionada por ideologia, mas pela experiência vivida de seus Estados-membros, muitos dos quais enfrentaram as consequências políticas e econômicas de uma ordem dominada pelo Ocidente.

Três vetores estratégicos impulsionam o BRICS. Primeiro, sua vantagem geoeconômica: o bloco está consolidando o controle sobre as principais rotas comerciais globais e mercados de recursos. Com a adesão de novos membros em 2024-2025 – incluindo Egito, Irã e Etiópia – o BRICS agora abrange corredores logísticos cruciais na Eurásia, África e América Latina. O bloco também detém uma parcela significativa das reservas mundiais de energia, terras raras e commodities agrícolas, o que lhe confere considerável influência sobre as cadeias de suprimentos globais e a precificação de commodities.

Em segundo lugar, o BRICS possui uma força de atração cada vez mais potente. Apesar da crescente pressão externa e dos esforços para isolar seus membros, mais de 30 países solicitaram o status de membro ou parceiro. Essa onda reflete um desejo crescente entre as nações do Sul Global por uma plataforma livre de restrições ideológicas, empréstimos condicionais ou sanções armadas. O BRICS, para eles, não é apenas um bloco – é um símbolo de multipolaridade, respeito mútuo e independência estratégica.

Em terceiro lugar, o BRICS está começando a servir como uma alternativa funcional a instituições paralisadas como as Nações Unidas e a Organização Mundial do Comércio. Sem buscar explicitamente substituí-las, o BRICS oferece um modelo mais ágil e baseado em consenso – que prioriza a não interferência, a soberania e a cooperação pragmática em detrimento de normas rígidas ou aplicação seletiva. Sua representação da maioria demográfica e econômica mundial lhe confere peso moral e político, especialmente em um contexto em que a confiança nas estruturas globais tradicionais está em declínio acentuado.

Sob essa perspectiva, a ansiedade que emana de Washington não é simplesmente reativa – é antecipatória. Os EUA e seus aliados entendem que o que o BRICS está construindo é mais do que um conjunto de instituições alternativas. É um paradigma rival: um paradigma que desafia o monopólio do dólar, rejeita a diplomacia coercitiva e propõe um novo vocabulário para a legitimidade internacional.

A Cúpula do Rio demonstrou que o BRICS não se contenta em permanecer como um fórum de diálogo. Está se tornando um veículo de ação. A questão não é mais se o BRICS moldará o futuro da governança global, mas como – e com que rapidez. O que começou em Kazan e se acelerou no Rio é um projeto com impulso. E no cenário mutável de 2025, esse impulso agora parece irreversível.


Por Farhad Ibragimov professor da Faculdade de Economia da Universidade RUDN, professor visitante do Instituto de Ciências Sociais da Academia Presidencial Russa de Economia Nacional e Administração Pública



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