
Por ANDREW KORYBKO*
Quando os gasodutos se tornam veias geopolíticas, a ruptura da dependência energética pode transformar aliados pragmáticos em rivais perigosos
1.
Volodymyr Zelensky anunciou no mês passado que a Ucrânia importará GNL americano da Grécia através do gasoduto “Corredor Vertical de Gás“.[i] Este projeto complementa os planos conjuntos da Polônia com os EUA para o desenvolvimento de GNL e, em menor escala, os da Croácia, visando estabelecer as bases para que o GNL americano substitua completamente o gás russo na Europa Central e Oriental (ECO) no futuro.
Embora seja muito mais caro, os formuladores de políticas no continente estão concordando com isso sob o pretexto de segurança energética, mas a pressão dos EUA provavelmente desempenhou um papel importante em sua decisão.
A mais recente investida dos EUA no setor energético também pode pôr fim aos planos russos para o centro de distribuição de gás na Turquia. Esses planos foram anunciados no final de 2022, após negociações entre Vladimir Putin e Recep Erdogan, mas a agência Bloomberg noticiou em junho passado que haviam sido arquivados devido a dificuldades técnicas no fornecimento de gás para a Europa Central e Oriental a partir da Turquia, bem como ao desentendimento entre a Turquia e a Rússia.
Nenhuma das partes confirmou a reportagem, mas agora que os EUA conquistaram uma fatia maior do mercado da Europa Central e Oriental por meio do gasoduto “Corredor Vertical de Gás”, as chances de construção desse centro diminuíram.
Alex Christoforou, do Duran, escreveu um artigo perspicaz no X sobre o assunto, destacando que o “Mediterrâneo Oriental (Israel e Chipre) está acompanhando de perto o início da construção desse corredor vertical, pois ele pode ser utilizado para vender gás do EastMed para a Europa no futuro”. O “EastMed” se refere ao gasoduto submarino de mesmo nome proposto para exportar as enormes reservas de gás offshore de Israel para a União Europeia. Sua conclusão provavelmente eliminaria de vez a necessidade de gás russo na Europa Central e Oriental, quando combinado com o GNL americano.
Para agravar ainda mais a situação para a Rússia, a Reuters noticiou no mês passado que “a mudança no consumo de gás da Turquia ameaça o último grande mercado europeu da Rússia e do Irã”, chamando a atenção para como o aumento da produção doméstica e das importações de GNL poderia reduzir significativamente a futura necessidade da Turquia de gás russo via TurkStream.
2.
As ameaças de sanções de Donald Trump contra todos aqueles que continuarem importando energia russa sem comprovar uma redução drástica em suas dependências, que poderiam chegar a tarifas de até 500%, podem acelerar essa tendência.
A Rússia não perderia apenas dezenas de bilhões de dólares em receita anual se todos os planos americanos mencionados forem bem-sucedidos, mas as tensões com a Turquia poderiam se tornar incontroláveis caso a complexa interdependência energética que as uniu até agora seja rompida.
Já se espera que a Turquia injete influência ocidental na Ásia Central por meio do novo corredor TRIPP, representando assim desafios em toda a periferia sul da Rússia, o que complicará ainda mais as relações turco-russas.
Se a complexa interdependência energética entre os dois países enfraquecer até lá, por exemplo, se os planos para o seu centro de distribuição de gás permanecerem essencialmente congelados ou forem oficialmente cancelados e a Turquia começar a importar menos gás russo do TurkStream, então a Turquia poderá sentir-se encorajada a desafiar a Rússia de forma mais agressiva nesta frente.
Afinal, o cenário da Rússia cortar as exportações de gás para forçar concessões da Turquia durante uma crise seria menos eficaz, o que poderia resultar em posições turcas mais intransigentes, aumentando o risco de guerra.
A Rússia deveria, portanto, buscar reavivar seus planos para um centro de distribuição de gás e chegar a um acordo com os EUA, talvez como parte do grande acordo que estão tentando negociar agora, para garantir a participação russa no mercado de gás da Turquia e possivelmente restaurar parte dela na Europa Central e Oriental.
Isso quase certamente exigiria que a Rússia fizesse concessões em algumas de suas metas maximalistas na Ucrânia, e a palavra dos EUA não pode ser dada como certa, já que futuros presidentes poderiam rejeitar qualquer acordo, mas a Rússia ainda deveria considerar essa possibilidade em vez de descartá-la.
*Andrew Korybko é mestre em Relações Internacionais pelo Instituto Estadual de Relações Internacionais de Moscou. Autor do livro Guerras híbridas: das revoluções coloridas aos golpes (Expressão Popular). [https://amzn.to/46lAD1d]Tradução: Artur Scavone.Nota do tradutor[i] O Corredor Vertical de Gás (Vertical Gas Corridor) é uma iniciativa estratégica que visa reduzir a dependência da Europa do gás russo, diversificando as rotas e fontes de suprimento de gás, principalmente transportando Gás Natural Liquefeito (GNL) do sul (Grécia/Turquia) para o norte (Bulgária, Romênia, Hungria, Eslováquia, Moldávia e Ucrânia).
Chave: 61993185299
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