Em busca da paz dos cemitérios

© Foto: Domínio público

José Goulão

Há muito tempo que está claro que nenhum líder mundial – nenhum – pretende tomar medidas eficazes contra o expansionismo sionista.

O mundo observa, em grande parte impassível e silencioso, cultivando omissões enquanto propaga falsas esperanças, o desenrolar da farsa em torno do chamado "plano de 20 pontos" de Donald Trump para a "paz em Gaza". Desde o início, o plano não passou de uma invenção midiática — um instrumento de propaganda que, quase dois meses após o anúncio de um cessar-fogo fraudulento, já rendeu diversas vitórias estratégicas para seus idealizadores. Esses ganhos fazem parte de uma campanha ocidental mais ampla, em conluio com Israel, para ocultar o genocídio em Gaza da vista do público, convencendo a opinião pública global de que um caminho para a "pacificação" foi de alguma forma aberto. Na realidade, quase nada mudou: não há sequer um cessar-fogo genuíno em vigor.

É, sem dúvida, a manobra mais eficaz até agora por parte daqueles que perpetram e apoiam o extermínio dos palestinos e que, após dois anos de destruição sistemática, perceberam que o caminho que estavam seguindo — especialmente depois de 7 de outubro de 2023 — havia desencadeado uma onda crescente de indignação mundial. Essa raiva ameaçava, ao menos hipoteticamente, voltar-se contra seus instigadores. O isolamento diplomático de Israel estava se tornando tão evidente que até mesmo Trump e as instituições cada vez mais desorientadas da União Europeia podiam vê-lo.

Mais uma vitória para essa elaborada farsa, arquitetada para garantir que os pontos essenciais permaneçam inalterados — ou, no mínimo, que as condições para a continuidade da destruição da vida palestina se mantenham — foi a aparente “credibilidade” adquirida pelo próprio “plano Trump”. Como se, por alguma conversão milagrosa, o suposto “laço inquebrável” entre os Estados Unidos e Israel tivesse sido subitamente atenuado por um despertar moral que jamais demonstrou; como se Washington tivesse sido movido pelo sofrimento palestino a ponto de conceber uma saída que pudesse salvar as aparências.

Os meios de comunicação globais cumpriram fielmente seu papel. Governos e instituições internacionais — incluindo, vergonhosamente, muitos no mundo árabe — fingiram se mobilizar em torno da iniciativa, ajudando a transformar um truque político em algo apresentado como humanitário. O Conselho de Segurança da ONU, agora reduzido a um mero guardião da ordem imperial, acabou adotando o plano como seu — apesar da UNCTAD ter concluído que as condições em Gaza são as mais catastróficas já registradas.

A posição do Conselho simplesmente confirma — desnecessariamente — que a Rússia e a China, por meio de suas abstenções oportunistas, não conseguiram demonstrar sequer a mais leve solidariedade humanitária com uma população ainda condenada à morte. Nenhum funcionário em Pequim ou Moscou pode alegar plausivelmente desconhecer o fato de que o “plano Trump” não tem qualquer relação com o Direito Internacional aplicado à Palestina; ele inclusive desconsidera, ostensivamente, o direito de estabelecer um Estado palestino. Portanto, quando qualquer governo — sobretudo dentro da UE — proclama apoio a uma “solução de dois Estados” enquanto se alinha simultaneamente ao plano Trump, está, mais do que nunca, praticando um engano flagrante.

Outro grande beneficiário da suposta credibilidade do plano é o primeiro-ministro de Israel, Benjamin Netanyahu. O documento carrega sua marca registrada por toda parte — não apenas no flagrante desrespeito ao Direito Internacional, mas também na tábua de salvação política que proporciona. Ele ajuda a prolongar sua permanência no cargo, apesar das acusações criminais que enfrenta dentro das instituições judiciais israelenses, cada vez mais comprometidas.

Netanyahu não conseguiu atingir o objetivo que proclamou quando intensificou a violência em outubro de 2023: a eliminação do Hamas — em outras palavras, a destruição da resistência armada palestina. Apesar do enorme desequilíbrio de poder de fogo e de mais de 70.000 civis mortos, o Hamas e a frente de resistência mais ampla permanecem ativos.

Um dos principais objetivos de Netanyahu ao aderir à iniciativa de Trump era garantir a libertação dos reféns ainda mantidos por grupos palestinos, aliviando a crescente pressão política e o descontentamento público decorrentes de sua recusa em devolver todos os cativos — vivos ou mortos — a Israel. Isso exigiu a construção da ilusão de um cessar-fogo para facilitar uma troca: reféns em troca da libertação de inúmeros prisioneiros políticos palestinos. Mas, na verdade, nenhum cessar-fogo jamais existiu. Todo o processo é uma ilusão — uma ficção endossada por líderes políticos, pela mídia global e agora pelo Conselho de Segurança — permitindo que o público acredite que o massacre foi interrompido e que um caminho para a paz pode estar surgindo.

Segundo o plano, Gaza seria administrada por uma autoridade tecnocrática supervisionada por um chamado “Conselho da Paz”, presidido pelo próprio Trump, ladeado pelo oportunista de longa data Tony Blair e, à espreita nos bastidores, por Netanyahu. Essa estrutura dificilmente é favorável à proteção dos direitos palestinos. Ela também prevê o destacamento de uma “força de estabilização” internacional — na prática, uma nova forma de ocupação — atuando ao lado das forças armadas israelenses dentro de Gaza, posicionada em uma zona delimitada pela “linha amarela”, cuja expansão seria sempre possível.

Tais medidas não impedirão o genocídio, ao contrário das garantias oferecidas ao mundo. Na melhor das hipóteses, poderão diminuir o ritmo do extermínio por razões puramente meramente meramente figurativas. Mais cedo ou mais tarde, porém — uma vez que Israel se reagrupe militarmente, talvez instigado por alguma “provocação do Hamas” oportuna — o ataque recomeçará com renovada intensidade, em busca do objetivo final do sionismo: uma terra chamada Palestina sem o povo palestino.

Quem irá detê-lo? Somente a resistência palestina e os milhões que se manifestam em solidariedade em todo o mundo. Há muito tempo está claro que nenhum líder mundial — nenhum — pretende tomar medidas eficazes contra o expansionismo sionista. Assim, as leis terrenas e o Direito Internacional são deixados de lado, suplantados por uma suposta “lei divina” invocada por fanáticos a serviço de interesses coloniais frios e calculistas, extraídos das páginas mais sombrias do Antigo Testamento. Este é o verdadeiro significado da vassalagem política global demonstrada em relação a Israel.

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