
Moedas de reais (Foto: Reuters/Bruno Domingos)
Um país que combina força financeira e potência agroindustrial redefine seu papel na economia global
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Necessitamos, para o debate público no Brasil, incorporar uma visão não subalterna por meio de uma interpretação positiva da posição brasileira na economia global. Cabe distinguir a dialética existente entre a dependência tecnológica e a autonomia relativa funcional e financeira.
Nos anos 1990, marco inicial da Era do Neoliberalismo no Brasil, a economia passou à integração financeira global. Para tanto, foram tomadas decisões governamentais de abertura comercial e financeira irrestrita, liberalização cambial e de capitais, fixação de taxas de juros elevadas atraentes para capitais especulativos de curto prazo (carry trade), valorização cambial cíclica e vulnerabilidade a fluxos externos. O efeito estrutural resultou em pressões sobre a competitividade da indústria nacional e reversão parcial da política de substituição de importações.
Aconteceu a reversão da substituição de importações e a desnacionalização produtiva, com a desnacionalização de setores industriais estratégicos (automotivo, químico, eletroeletrônico, bens de capital) e reconfiguração da pauta de importações, com dependência estrutural de insumos e tecnologias estrangeiras. A integração funcional ocorreu quando a economia brasileira se inseriu nas cadeias produtivas globais como exportadora de bens primários e importadora de manufaturas sofisticadas — uma integração ativa e funcional, e não meramente subordinada.
Muitos analistas nacionalistas ficaram perplexos com a política monetária de juros disparatados, rentismo e redefinição do capital nacional. Os juros elevados e o câmbio apreciado levaram ao desestímulo do investimento industrial e à priorização da “confiança do mercado”, com base na austeridade fiscal, para evitar a tributação progressiva, estagnação do fluxo de renda e concentração do estoque da riqueza financeira, ou seja, “estagdesigualdade”.
Resultado: predomínio da lógica financeira sobre a lógica produtiva. No entanto, no Brasil, há capacidade estatal de regulação e compensação via bancos públicos, BNDES e mesmo o Banco Central do Brasil. A política monetária passa a funcionar como instrumento de inserção controlada na globalização financeira, permitindo acesso a capitais externos com relativa estabilidade macroeconômica.
A contratendência à subordinação passiva à nova divisão internacional do trabalho foi a modernização agroindustrial e o reforço exportador do setor primário. A Embrapa teve papel essencial na inovação e difusão tecnológica no campo. O BNDES, via Programa Moderfrota, concedeu crédito direcionado à renovação de máquinas e equipamentos agrícolas. O resultado foi o aumento expressivo da produtividade e competitividade agroindustrial, com a formação de um complexo primário-exportador altamente tecnológico.
Um quinto passo nesse processo foi a demanda chinesa e o boom de commodities. A entrada da China na OMC aconteceu em 2001. Desde então, houve expansão da demanda global por soja, minério de ferro e petróleo → elevação dos termos de troca e das receitas externas.
O efeito macroeconômico foi muito positivo, com geração de superávits comerciais recorrentes, acumulação histórica de reservas internacionais, autonomia cambial relativa e redução da vulnerabilidade externa típica do século XX.
Por tudo isso, é relevante o reconhecimento do papel-chave da financeirização dinâmica interna (não parasitária). Além dos haveres financeiros das pessoas físicas, o crescimento dos fundos de pensão e da previdência complementar permitiu a canalização da poupança dos trabalhadores para o financiamento de longo prazo, por exemplo, das novas hidrelétricas do Norte e da própria Vale, além do aumento do crédito interno e da capitalização das empresas nacionais.
O efeito sistêmico foi o fortalecimento do mercado de capitais doméstico, sem necessidade de endividamento externo. A financeirização dinâmica, nesse contexto, atua como vetor de modernização e internalização da intermediação financeira, não apenas como mecanismo de extração rentista.
A estrutura resultante, em uma visão sistêmica holista, emerge das interações entre os seguintes componentes:
- Complexo primário-exportador e tecnológico (agronegócio + mineração + petróleo) como base de superávits e reservas;
- Indústria de transformação parcialmente desnacionalizada, porém integrada às cadeias globais;
- Sistema financeiro nacional sofisticado e parcialmente autônomo;
- Estado com instrumentos próprios de política industrial, agrícola e financeira.
Em conclusão, a economia brasileira contemporânea caracteriza-se pelo hibridismo estrutural e uma posição estratégica global. O Brasil consolidou-se como potência intermediária sistêmica, situado entre as dez maiores economias do mundo, com capacidade autônoma de financiamento interno, resiliência cambial e integração funcional às redes globais de produção e finanças.
Essa estrutura — simultaneamente primário-exportadora e financeiramente sofisticada — constitui uma forma híbrida de desenvolvimento. Nela, dependência e autonomia se combinam dialeticamente.
Longe de refletir um “complexo de vira-lata”, esse arranjo revela:
- capacidade adaptativa e tecnológica (Embrapa, BNDES, Petrobras, Vale);
- robustez macroeconômica (reservas e fundos de pensão);
- relevância geoeconômica (parcerias com a China e o Sul Global).
O desafio histórico, portanto, não é superar a inserção global, mas reorientá-la estrategicamente ao combiná-la com soberania nacional geopolítica, inovação tecnológica e combate à pobreza absoluta. Com planejamento social-desenvolvimentista, isso é possível.
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