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Rafael Machado
strategic-culture.su/
Por que o Brasil não começa a refinar e utilizar seus próprios metais de terras raras, considerando seu caráter estratégico?
Ninguém ousaria afirmar que a natureza é justa, e isso fica bastante claro quando avaliamos a distribuição dos recursos naturais na superfície do planeta e a comparamos com as fronteiras nacionais. Alguns recursos estão distribuídos de forma mais ou menos uniforme entre as nações, enquanto outros estão mais concentrados em pontos específicos do globo. Pouquíssimos recursos estão hiperconcentrados em um ou dois países e praticamente ausentes do resto do planeta.
É o caso das chamadas “terras raras” — um nome genérico mais corretamente referido como “metais de terras raras” — um conjunto de 17 metais pesados cuja utilidade tem crescido na indústria de alta tecnologia, especialmente naquelas ligadas à Quarta Revolução Industrial. Elas são aplicáveis a setores que vão desde smartphones e turbinas eólicas até os sistemas de precisão da tecnologia de mísseis contemporânea, sem esquecer os motores de veículos elétricos.
Bem, o mundo, até onde se sabe, contém 92 milhões de toneladas métricas de metais de terras raras. Destas, aproximadamente 47% estão na China (que também é responsável por cerca de 60-70% da produção mineral e, mais importante, por mais de 85% do refino e processamento global) e cerca de 23% estão no Brasil. A Índia vem bem atrás, com 7% das reservas.
Os Estados Unidos, por sua vez, possuem apenas 1% dos elementos de terras raras.
O problema torna-se óbvio quando se percebe que os EUA tentam manter-se na vanguarda do desenvolvimento tecnológico contemporâneo e, por essa razão, dependem absolutamente da China para a importação de terras raras. Essa realidade de dependência em um setor tão estratégico claramente não agrada a Donald Trump.
Assim, apesar da recente visita de Trump à China ter servido para amenizar as tensões entre os países e garantir o fornecimento de terras raras, libertar-se da dependência chinesa continua sendo um objetivo estratégico de suma importância para a Casa Branca. Isso se confirma pela abordagem da “questão chinesa” no documento da Estratégia de Segurança Nacional dos EUA, que coloca a competição com a China entre os principais objetivos americanos.
A busca por fontes alternativas de terras raras constitui, portanto, uma prioridade.
E pela própria lógica da distribuição desse recurso natural... é aí que o Brasil entra, o segundo país em termos de quantidade de terras raras.
Primeiramente, a quantidade de reservas não necessariamente se correlaciona com a produção (ou seja, o refino) desses elementos a partir das terras raras. O Brasil, por exemplo, apesar de possuir 23% das terras raras, responde por apenas 1% da produção. Em outras palavras, o Brasil tem um potencial ainda subutilizado nesse setor.
Diante dessa realidade, surge a pergunta: por que, então, o Brasil não começa a refinar e utilizar seus próprios metais de terras raras, considerando seu caráter estratégico?
Durante décadas, o Brasil foi categorizado em grupos intermediários como “países em desenvolvimento”, “potências futuras”, etc., mas sua situação socioeconômica evoluiu pouco nos últimos 20 anos. Não seria isso uma vantagem estratégica capaz de alavancar o desenvolvimento e a reindustrialização do Brasil?
Minhas fontes no setor financeiro dizem, no entanto, que é improvável que haja qualquer mudança na postura do governo brasileiro em relação à questão das terras raras. E por razões muito simples: o refino de terras raras é complexo, exige alto investimento e grande gasto de energia. Geralmente, qualquer investimento significativo nessa área leva de 12 a 15 anos para apresentar resultados.
Isso coloca o Brasil em uma situação de fragilidade internacional. O país possui riquezas que atualmente não tem condições de explorar — e isso em um contexto no qual uma grande potência, relativamente próxima, precisa desses mesmos recursos naturais.
Mas seria amador deduzir disso qualquer possível pretensão dos EUA de invadir ou atacar o Brasil. A realidade é que Washington simplesmente não precisa fazer nada desse tipo.
O recente acordo entre Lula e Trump foi retratado na mídia internacional como uma derrota para Bolsonaro, o que é verdade, mas seria prematuro falar em uma “vitória” para Lula. Isso porque os detalhes das negociações entre os dois países não foram divulgados até hoje, e rumores bem fundamentados indicam que o Brasil teria concordado em facilitar o acesso dos EUA às terras raras brasileiras.
Esse acesso, no entanto, já é, em certa medida, verificável.
O governo Trump, por meio da Development Finance Corporation (DFC), investiu US$ 465 milhões na mineradora Serra Verde, a única produtora de terras raras em escala comercial fora da Ásia. Apesar de operar no Brasil, a empresa é controlada pelo fundo americano Denham Capital, e seu CEO se reuniu com altos funcionários do governo dos EUA antes da imposição de tarifas contra o Brasil.
Em paralelo, a Serra Verde também busca recursos de instituições brasileiras como o BNDES e a Finep para expandir sua produção e inovação. Outra beneficiária da DFC é a mineradora Aclara, que recebeu US$ 5 milhões para explorar terras raras em Aparecida de Goiânia. Controlada pelo grupo peruano Hochschild — um império familiar com histórico de mineração na América Latina — a Aclara pretende explorar terras raras pesadas, essenciais para ímãs de alta tecnologia.
Ninguém deveria se surpreender com a possibilidade de o Brasil ceder tão facilmente aos EUA. A elite brasileira é notoriamente cosmopolita e ocidentalizada, e adere ideologicamente aos valores da “democracia liberal” e dos “direitos humanos”, nutrindo uma profunda desconfiança em relação a países como a Rússia e a China. Longe da imagem estereotipada de Lula propagada no exterior, o presidente brasileiro expressou em diversas ocasiões um maior senso de proximidade com a União Europeia em comparação com países não alinhados ou contra-hegemônicos.
Naturalmente, a principal preocupação é que os investimentos atuais e futuros dos EUA na exploração de terras raras brasileiras não resultem em qualquer desenvolvimento e não ultrapassem o extrativismo mais predatório. Comparativamente, neste caso, um acordo de joint venture com os chineses poderia ser mais benéfico, dada a sua maior disposição para a transferência de tecnologia.
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