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Confesso que adiei a composição deste texto o quanto pude. Passado o
choque inicial com a tragédia épica que se abateu sobre Santa Maria, ainda que
pouco confiante em que não acontecesse não quis considerar a hipótese de que
sobreviesse o espetáculo de selvageria que se seguiu neste país.
Lembro-me de que, no domingo, minutos após saber que serei avô pela
segunda vez, então ainda na mesa do almoço com os pais da criança (meu filho e
minha nora), ouço a emissora FM em que escutávamos música falar sobre a
tragédia, interrompendo o almoço em família e nos obrigando a ir à internet em
busca de maiores informações.
Naquele instante, senti vergonha do pensamento que me tomou. Um horror
humanitário como aquele e eu fui logo pensar em que arrumariam um jeito de
criticar Lula ou Dilma ou até o PT pelo que ocorrera. Senti-me fanático e insensível.
Não tive que esperar muito para me redimir, ainda que preferisse ter me
sentido mal comigo mesmo a ter que encarar a dura realidade de que há uma
infestação de desumanidade no país.
Jornalistas conhecidos, órgãos de imprensa e internautas anônimos das
redes sociais protagonizaram um show dos horrores. Frases e até imagens
repugnantes foram construídas a toque da mais absoluta insensibilidade e falta
de limites éticos.
Tudo em que o blogueiro e colunista da revista Veja Reinaldo Azevedo
conseguiu pensar, poucas horas após a tragédia vir a
público, foi em criticar o ex-presidente Lula por ter sido postado em seu
perfil no Facebook uma mensagem de solidariedade às famílias das vítimas de
Santa Maria (?!!).
No jornal O Globo e no site “Blog do Noblat”, hospedado no portal da
Globo na internet, uma charge de Chico Caruso espantou
multidões pelo mau-gosto, pelo oportunismo, pela insensibilidade e até pela burrice.
O que tem Dilma Rousseff a ver com a falta de fiscalização de uma casa
noturna em um dos mais de cinco mil municípios brasileiros? Nada? Pois o
cartunista que serve à família Marinho achou relevante colocá-la à frente de
uma jaula flamejante exclamando “Santa Maria!”.
Que mensagem o cartunista mandou? O que ele quis dizer? Por que Dilma
tinha que ser associada à tragédia? Não seria mais inteligente uma charge
crítica à falta de fiscalização das autoridades de Santa Maria ou ao descaso do
empresário inescrupuloso que dirigia aquela arapuca?
Por que não fazer uma charge poética sobre o sofrimento de toda uma
nação? Não havia idéia melhor para aquele cretino usar em uma charge, já que,
por alguma razão, julgou que tinha que fazer uma?
O envolvimento de Dilma no episódio via essa cretinice da charge se
conectava com os comentáristas dos blogs de Noblat e Azevedo, que se uniam para
acusá-la pela tragédia sob razões malucas, ininteligíveis, que nem seus
formuladores souberam explicar.
Mas, tragicamente, não foi só. O jornal O Estado de São Paulo começou a
espalhar, acriticamente, matéria insultuosa ao Brasil divulgada por um dos dois
jornais ingleses que abriu guerra contra o governo Dilma. O subtítulo da
matéria fez troça do lema de nossa bandeira.
O diário Financial Times trocou o lema Ordem e Progresso por “Idiotia e
Progresso”. Ou seja: 200 milhões de brasileiros se tornaram “idiotas” por um
tipo de tragédia que vem ocorrendo em várias partes do mundo, até nos Estados
Unidos (2003).
Pior que tudo isso têm sido perfis nas redes sociais Twitter e Facebook,
entre outras. Internautas anônimos estão se fartando de debochar do sofrimento
que se abateu sobre o país inteiro usando, sem piedade, o que há de mais
estupefaciente e repugnante no “humor negro”.
O que está acontecendo no país? Tenho 53 anos. Já vi muita coisa, mas
essas pessoas capazes de não sentir um pingo de comiseração em um momento de
tanta comoção não existiam. Ou, se existissem, ao menos tinham um mínimo de
pudor.
Explorar politicamente uma tragédia como essa, no entanto, talvez seja o
pior. Porque essa conduta asquerosa não veio de algum moleque cretino e mimado
ou revoltado com o mundo, mas de homens supostamente esclarecidos e maduros.
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