Immanuel Wallerstein
Carta Maior
Houve uma vez um tempo em que o sol nunca se punha no
Império Britânico. Já não é assim! Em 1942, Winston Churchill saiu-se com uma
frase famosa: “Não aceitei ser o primeiro-ministro do Rei para presidir a
liquidação do Império Britânico.” Mas de fato foi exatamente o que fez.
Churchill conhecia a diferença entre estrondo e poder.
Desde 1945, a Grã-Bretanha tem vindo a tentar, com
considerável dificuldade, ajustar-se ao papel de antiga potência hegemônica.
Temos de avaliar como isto é difícil, tanto psicologicamente quanto
politicamente. Parece hoje que os dilemas da sua estratégia política finalmente
implodiram, forçando-a a enfrentar escolhas que são todas más.
A Grã-Bretanha emergiu da Segunda Guerra Mundial como um dos
Três Grandes – os Estados Unidos, a União Soviética e a Grã-Bretanha. Era,
porém, o mais fraco dos Três. A estratégia que escolheu foi tornar-se no sócio
menor dos Estados Unidos, a nova potência hegemônica. Isto chamou-se na
Grã-Bretanha, pelo menos, de “relação especial”, a qual afirmava ter com os
Estados Unidos.
O mais importante benefício que a Grã-Bretanha obteve desta
relação especial foi a transferência imediata da tecnologia nuclear, permitindo
que fosse, desde aquele momento, uma potência nuclear. Os Estados Unidos não
tiveram de forma alguma um gesto semelhante para com a União Soviética, muito
menos com a França. Os Estados Unidos procuravam um monopólio nuclear global
partilhado apenas pelo seu sócio menor. Claro que, como sabemos, este monopólio
foi desfeito primeiro pela União Soviética, depois pela França e pela China, e
depois mais tarde por um número de outros estados.
Na Europa ocidental continental, os primeiros passos para a
reconciliação começaram com a Comunidade do Aço e do Carvão. Esta incluía seis
nações – França, Alemanha, Itália, e o trio do Benelux, isto é, Bélgica,
Holanda, e Luxemburgo. Não incluía a Grã-Bretanha. Estes primeiros passos na
direção da União Europeia de hoje foram na altura encorajados pelos Estados
Unidos, como uma forma de tornar possível a incorporação das partes ocidentais
da Alemanha no que viria a ser a Organização do Tratado do Atlântico Norte
(Otan).
Não é certo que os líderes britânicos apreciassem esta nova
estrutura continental europeia. Uma das formas de reação da Grã-Bretanha foi aparentemente
tentar afirmar uma postura geopolítica independente dos Estados Unidos. Juntou
forças com a França e Israel para atacar o Egito de Nasser. Os Estados Unidos
seguiam nessa altura outra estratégia no Oriente Médio, e portanto não perderam
tempo a apertar a Grã-Bretanha e insistir que retirasse as tropas. Uma
humilhação para os britânicos, mas que também os lembrou dos limites da sua
capacidade de serem independentes dos Estados Unidos.
Depois disto, porém, os Estados Unidos começaram a encorajar
a Grã-Bretanha a entrar nas estruturas continentais. Em parte porque Washington
começava a preocupar-se com a posição relativamente independente destas
estruturas, inspirada pela França. Do ponto de vista dos EUA, a Grã-Bretanha
poderia ajudar a evitar que isto ocorresse. Esta posição tinha uma vantagem
particular do ponto de vista britânico. O último vestígio remanescente da sua
anterior hegemonia era o papel fundamental da City de Londres nas finanças
mundiais. A Grã-Bretanha precisava de acesso aos mercados europeus para
garantir este papel.
Assim, a Grã-Bretanha entrou nas estruturas, para grande
desgosto de Charles De Gaulle, que percebeu muito claramente as motivações dos
EUA nesta questão. Nos anos 70, foi a hegemonia dos EUA que começou a ser
contestada. Tanto França quanto Alemanha iniciaram aberturas diplomáticas à
União Soviética, que culminariam muito mais tarde em 2003 com a vitoriosa
resistência franco-germano-russa ao desejo dos EUA de que o Conselho de
Segurança apoiasse a invasão militar ao Iraque.
Neste contexto de caos geopolítico, o governo britânico
alinhou-se totalmente com os Estados Unidos. A completa subordinação de Tony
Blair à política dos EUA começou a embaraçar até mesmo a opinião pública
britânica, que passou a dar muito menos valor a uma relação especial que era
unilateral. Mais e mais pessoas na Grã-Bretanha defendem a retirada tanto da
ligação com os EUA quanto com os europeus. A força crescente do Partido da
Independência do Reino Unido (UKIP, da sigla em inglês) é uma grande expressão
desta mudança de opinião.
A Grã-Bretanha tinha-se recusado a entrar na zona euro. No
turbilhão econômico que se tornou tão evidente depois de 2008, o desejo de sair
da própria União Europeia cresceu firmemente, em especial no interior do Partido
Conservador, o que evidentemente alarmou os grupos financeiros da City de
Londres, que viu corretamente que uma consequência disso poderia ser que
Frankfurt superasse Londres como o centro financeiro europeu.
A Grã-Bretanha tem outros problemas – a sempre crescente
força do regionalismo (e mesmo a perspetiva de independência) de Gales, Escócia
e da Irlanda do Norte. A Grã-Bretanha resiste, o melhor que pode, à sua redução
à Inglaterra. E o faz num momento em que os Estados Unidos não parecem estar
grandemente comprometidos com sequer uma aparência de relação especial.
O problema para a Grã-Bretanha de hoje é que todas as
escolhas que tem pela frente são más. A Grã-Bretanha deseja insistir que ainda
é uma das principais potências militares. Mas o mesmo governo que o afirma é
também o que reduz o orçamento e o tamanho das suas forças armadas, como parte
do seu programa de austeridade. O maior problema da Grã-Bretanha de hoje é que
o resto do planeta vai simplesmente deixar de considerá-la um muito importante
ator geopolítico e financeiro. Ser ignorado não é o destino mais feliz para uma
antiga potência hegemônica.
Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o
Esquerda.net.
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