Brasil 247 – No escritório do Instituto que leva seu nome,
Luiz Inácio Lula da Silva mantém uma agenda digna de presidente da República.
Ele trabalha quase 10 horas por dia com um objetivo maior em mente: reeleger a
presidente Dilma Rousseff. "Se houver alguém que se diz lulista e não
dilmista, eu o dispenso de ser lulista", diz o ex-presidente. Em
entrevista aos repórteres Tereza Cruvinel e Leonardo Cavalcanti, do Correio
Braziliense, ele confessa com certa melancolia que sente falta de Brasília:
"O nascer e o pôr do sol no Alvorada são inesquecíveis"; e que, para
evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que decidiu
visitar 32 países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o câncer
foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Leia a íntegra da entrevista, que acaba de ser postada no
blog da jornalista Tereza Cruvinel:
Lula pronto para entrar no ringue
São Paulo - A casa discreta no tradicional bairro do
Ipiranga em nada lembra os palácios de Brasília mas seu principal inquilino ali
trabalha cerca de 10 horas por dia, com a mesma disposição que, nos oito anos
em que governou o Brasil, extenuava auxiliares - hoje reduzidos a uma pequena
equipe.
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva levanta-se em São
Bernardo do Campo às seis horas da manhã, faz duas horas de exercícios físicos,
toma café e chega ao instituto que leva seu nome por volta das 9h, raramente
saindo antes das 20h. Ali recebe políticos, empresários, sindicalistas,
intelectuais, agentes sociais e personalidades em busca de seu apoio a uma
causa ou projeto. Quase três anos após deixar a Presidência e depois da vitória
contra o câncer, Lula declara-se completamente "desencarnado" do
cargo e com a saúde restaurada, o que a voz, agora limpa das sequelas do
tratamento, confirma.
Por telefone, ele é alcançado também por interlocutores de
diferentes países, por convites para viagens e palestras no Brasil e no
exterior. No ano que vem, o ritmo vai cair, pois ele vai ajudar, "como
puder", na campanha da sucessora Dilma pela reeleição. "Se ela não
puder ir para o comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for
para o Sul, eu vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste",
disse o ex-presidente.
Nas instalações simples da casa no Ipiranga, o que denuncia
o inquilino são as fotografias nas paredes, de momentos especiais da
Presidência, selecionadas pelo fotógrafo Ricardo Stuckert, que continua a seu
lado, assim como os assessores Clara Ant, Luiz Dulci e Paulo Okamoto. Na sala
de trabalho, em vez das cigarrilhas, chicletes sabor canela. Foi lá que, na
quinta, 26, Lula recebeu o Correio para uma entrevista de duas horas em que não
parou de falar. Da vida no poder e fora dele, da disputa eleitoral do ano que
vem, passando por espionagem, Mais Médicos, mensalão e novos partidos.
Lula também falou, pela primeira vez, sobre a Operação Porto
Seguro, a investigação da Polícia Federal, que revelou um esquema de
favorecimentos em altos cargos do governo federal e provocou a demissão de
Rosemary Noronha, a ex-chefe do gabinete da Presidência da República em São
Paulo. E disse ter saudades de Brasília: "O nascer e o pôr do sol no
Alvorada são inesquecíveis".
Considerado um eleitor de 58 milhões de votos por conta do
total de apoios conquistados na última eleição que disputou, em 2006, Lula
confessou, sem dissimulação, que deixar o poder foi "como se me tivessem
desligado da tomada". E que não foi fácil aprender a ser ex-presidente.
Para evitar a tentação de dar palpites sobre o novo governo, disse que decidiu
visitar 32 países nos primeiros 10 primeiros meses de 2011, até que o câncer
foi descoberto, no dia de seu aniversário, 27 de outubro.
Vencido o calvário do tratamento, ele voltou à rotina no
Instituto, vacinou-se contra o "Volta Lula", antecipando o lançamento
da candidatura Dilma, e agora se prepara para mais uma campanha eleitoral. Ele
acha que a presidente será reeleita, lamenta o desenlace da aliança com Eduardo
Campos, embora reconheça as qualidades do governador para a disputa, evita
especular sobre o destino dos votos de Marina Silva, caso ela saia da corrida,
e parece revelar preferência por José Serra como adversário tucano, ao dizer
que o PSDB terá mais trabalho para tornar Aécio Neves conhecido. Uma
contradição com o que ele mesmo fez, ao lançar uma também desconhecida Dilma
como candidata em 2010. Uma coisa é certa. "Desencarnado" e em plena
forma, Lula será um "grande eleitor" em 2014.
Deixar de ser presidente trouxe alívio ou pesar?
Não é fácil falar sobre isso. Eu achava que seria simples
deixar a Presidência. O (João) Figueiredo, que saiu pela porta dos fundos, até
pediu para ser esquecido. Quando a pessoa não sai bem, quer esquecer mesmo. Mas
eu saí no momento mais auspicioso da vida de um governante. Eu brincava com o
Franklin (Martins): se eu ficar mais alguns meses, vou ultrapassar os 100% de
aprovação. Foi como se me desligassem de uma tomada. Num dia você é rei, no
outro dia não é nada. Depois de entregar o cargo, cheguei a São Bernardo e
havia um comício, organizado por amigos e pessoas do sindicato. O Sarney me
acompanhou. Antes, visitei o Zé Alencar, choramos juntos. Eu fiquei danado da
vida porque achava que ele devia ter ido à posse e subido a rampa de maca, mas
os médicos não deixaram. Participei do comício e quando deu 11 horas da noite
eu subi para o apartamento. Ao me despedir dos que trabalharam comigo na
segurança e voltariam a Brasília, o general me disse: "Olha presidente, daqui
a três dias os celulares da Presidência serão desligados e os carros serão
recolhidos". Mas levaram apenas três minutos para me desconectarem. Este é
o lado hilário da coisa. Mas ser ex-presidente é um aprendizado sobre como se
comportar, evitando interferir no novo governo. Quem sai precisa limpar a
cabeça, assimilar que não é mais presidente. Mas é difícil sair de um dia a dia
alucinante, acordar de manhã e perguntar: e agora?
Mas como conseguiu resolver o "desligamento"?
Entre março de 2011 e a descoberta do meu câncer, em
outubro, eu fiz 36 viagens internacionais, visitei dezenas de países africanos
e latino-americanos. Eu queria ficar fora do Brasil para vencer a tentação de
ficar dando palpites. Decidi voltar para o Instituto, que eu já tinha, e
comecei a trabalhar aqui. No dia do meu aniversario fui levar a Marisa para
fazer um exame mas acabaram descobrindo o câncer em mim. E aí foi um ano de
tortura. Nunca pensei que fosse tão difícil fazer quimioterapia e radioterapia.
A doença, a internação, o fato de não poder falar ajudaram no desligamento. Fui
desencarnando e hoje isso está bem resolvido na minha cabeça. Este ano, no
evento dos 10 anos de governos do PT, quando eu disse que a Dilma era minha
candidata, eu queria tirar de vez da minha cabeça a história de voltar a ser
candidato. Antes que os outros insistissem, antes que o PT viesse com
gracinhas, antes que os adversários da Dilma viessem para o meu lado, eu
resolvi dar um basta e fim de papo.
Mesmo com eventuais "Volta Lula", com manifestações,
crises?
Mesmo. Hoje há pessoas defendendo o fim da reeleição. Eu
sempre fui contra a reeleição mas hoje posso dizer que ela é um beneficio, uma
das poucas coisas boas que copiamos dos americanos. Em quatro anos, você não
consegue realizar uma única obra estruturante no pais. Depois, o eleitor pode
julgar o governante no meio do período. Bush pai não se reelegeu, Carter não se
reelegeu. Mas foi bom para os Estados Unidos o Clinton ter governado oito anos.
O senhor não ficou tentado a buscar o terceiro mandato,
quando o deputado Devanir apresentou aquela emenda?
Eu fui contra. Chamei o partido e disse: não quero brincar
com a democracia. Se eu conseguir o terceiro, amanhã virá alguém querendo o
quarto, o quinto. Sou amplamente favorável à alternância no poder, de pessoas e
de segmentos sociais. Comigo, pela primeira vez um operário chegou à
presidência. Com a Dilma, a primeira mulher. Quer mais mudança do que isso?
Quero que o povo continue mudando. Para errar ou acertar, não importa.
Deixar o poder traz mais liberdade?
Eu nunca tive liberdade, nem antes nem depois. Fiquei oito
anos em Brasília sem ir a um restaurante, a um aniversario, a um casamento,
porque tinha medo daquele mundo futriqueiro de Brasília. Mesmo hoje, prefiro
passar o final de semana em casa, de bermudas.
Mas afora os problemas do poder, alguma saudade de Brasília?
Olha, o nascer e o pôr do sol no Alvorada são para mim
inesquecíveis. Todos os domingos de manhã, eu e Marisa pescávamos. Há um lago
no Torto, outro no Alvorada, e há o Lago Paranoá. Houve um dia em que a Marisa
pegou 26 tucunarés, ali no píer onde fica o barco da Presidência. Disso eu
tenho saudade. Não pude conviver, por precaução minha. Mas o céu de Brasília é
muito bonito. O clima é extraordinário, o padrão de vida do Plano Piloto é
invejável. Não é mais aquela cidade criticada porque não tinha esquinas. O povo
soube fazer suas esquinas.
O que considera como mudanças importantes deixadas por seu
governo?
As coisas que foram feitas, se em algum momento foram
negadas, a verdade foi mais forte que a versão. A ONU acaba de reconhecer, com
dados irrefutáveis, que o Brasil foi o pais que mais combateu e reduziu a
pobreza nos últimos 10 anos. Eu queria provar que quando o Estado assume a
responsabilidade de cuidar dos pobres, isso tem efeitos. Tenho muito orgulho de
ter sido um presidente que, sem ter diploma universitário, foi o que mais criou
universidades no Brasil, o que mais fez escolas técnicas, o que colocou mais
pobres na universidade... Já houve presidentes da República que tinham diplomas
e mais diplomas, fizeram muito pouco pela educação. Nós provamos que era
possível fazer porque decidimos que educação não era gasto, era investimento. A
outra coisa de que muito orgulho é de ter sido o primeiro presidente que fez
com que o povo se sentisse na Presidência.
E o quê o senhor considera o maior erro de seu governo?
Certamente cometi muitos erros. Os adversários devem se
lembrar mais deles do que eu. Mas fiz as coisas que achava que poderia fazer.
Há quem me pergunte se não me arrependo de ter indicado tais pessoas para a
Suprema Corte. Eu não me arrependo de nada. Se eu tivesse que indicar hoje, com
as informações que eu tinha na época, indicaria novamente.
E com as informações atuais?
Eu teria mais critério. Um presidente recebe listas e mais
listas com nomes, indicados por governadores, deputados, senadores, advogados,
ministros de tribunais. E é preciso ter quem ajude a pesquisar e avaliar as
pessoas indicadas. Eu tinha o Márcio Tomas Bastos no Ministério da Justiça, o
(Dias) Toffoli na Casa Civil... Uma coisa que lamento é não ter aprovado a
reforma tributaria, e tentei duas vezes. Hoje estou convencido de que não
poderá ser feita como pacote, mas fatiada, tema por tema. Eu mandava um projeto
com apoio de todo mundo mas as forças ocultas de que falava o Jânio se
apresentavam nas comissões do Congresso e paravam tudo. Eu receava também que
segundo mandato fosse repetitivo, com ministros não querendo trabalhar. Foi aí
que tivemos a ideia do PAC. Mas acho que poucos conseguirão repetir o que
fizemos entre 2007 e 2010. Era o time do Barcelona jogando. Tudo fluiu bem.
Posso ter errado mas não tenho arrependimentos. Tenho frustração de não ter
feito mais.
Voltando à indicação dos ministros do STF. Hoje, se o senhor
pudesse voltar no tempo...
Nem podemos pensar nisso. Eu não sou mais presidente, eles
já estão indicados e irão se aposentar lá.
O senhor continua fazendo palestras?
Tenho feito mas vou reduzir. No ano que vem vou me dedicar
um pouco à campanha. Vocês sabem que um ex-presidente da Republica não tem
aposentadoria. Não tendo aposentadoria de outra origem, terá que ser mantido
pelo partido dele ou terá que se virar. Mas você só é convidado para fazer palestras
se tiver sido exitoso no governo. O Fernando Henrique inovou e passou a fazer
palestras. O PT ofereceu-me um salário e eu agradeci. Eu mesmo ia tratar da
minha sobrevivência.
O que acha das criticas de que existiria conflito de
interesses quando as empresas têm contratos com o governo?
Acho uma cretinice. Primeiro porque não faço nada além do
que eu fazia como presidente. Eu tinha orgulho de chegar a qualquer pais e
falar da soja, do etanol, da carne, da fruta, da engenharia, dos aviões da
Embraer... Eu vendia isso com o maior prazer do mundo. Com orgulho. Eu achava
que isso era papel do presidente da Republica. Quando Bush veio aqui, fomos a
um posto que vendia etanol. E havia lá um carro da Ford e outro da GM. Chamei o
Bush para tirarmos uma foto e ele disse que não podia fazer merchandising de
carro americano. Só que ele estava com um capacete da Petrobras na cabeça. Eu
falei: "Então fica você aqui que eu vou lá". Se eu puder vender as
empresas brasileiras na Nigéria, no Catar, na Líbia, no Iraque, na África, eu
vou vender. Estas críticas também refletem o complexo de vira-lata. É não
compreender o sentido disso. Tenho orgulho de saber que quando cheguei à
Presidência não havia uma só fabrica brasileira na Colômbia e hoje existem 44.
Havia duas no Peru e hoje são 66. De termos ampliado nossa presença na
Argentina ou na África. Se não formos nós, serão os chineses, os ingleses, os
franceses. E não são apenas empresas de engenharia. Hoje temos fábrica de retro
virais em Moçambique, SENAI e escolinhas de futebol do Corinthians em mais de
13 países africanos. Agora mesmo me pediram para tentar levar o vôlei para a
África, onde o esporte não existe. E vou ajudar com o maior prazer. Só não vou
jogar porque tenho bursite. Mas veja a malandragem. Todas as empresas,
inclusive as de jornais e de televisão, têm lobistas em Brasília. Mas são
chamados de diretor corporativo ou institucional. Agora, se alguém faz pelo
pais, é lobista. Faz parte da pequenez brasileira. Veja o caso da Copa do
Mundo. Todo país quer sediar uma Copa do Mundo. O Brasil não pode. Ah, porque
temos problemas de saúde e moradia! Todos os países têm problemas, e por não
pode ter Copa do Mundo e Olimpíada? E o quanto uma nação ganha com isso, do
ponto de vista cultural, do ponto de vista do desenvolvimento? Qual é a
denúncia contra as obras?
Nos protestos, a crítica era ao custo das obras...
Ora, se em 1960 o Brasil pôde fazer um estádio para a Copa
do Mundo, em 2013 não podemos fazer outros? Pergunto qual é a denuncia? Eu
deixei dois decretos, um sobre a Copa outro sobre a Olimpíada, que estão no
site da CGU. Perguntem ao Jorge Hage onde tem corrupção na Copa. O TCU designou
um ministro, o Valmir Campelo, encarregado de fiscalizar especificamente os
gastos com a Copa. Perguntem a ele onde há corrupção. A Copa está marcada e tem
que ser feita com a maior grandeza. Se alguém praticar corrupção, que seja
posto na cadeia. Já conversei com os patrocinadores sobre a necessidade de uma
narrativa diferente para a Copa do Mundo. Vi na TV pessoas chorando no Japão,
que vai sediar uma Olimpíada. E vi um jornalista dizer que tudo bem, o Japão
está retomando o crescimento, diferentemente do Brasil, que ainda é pobre.
Então Olimpíada é só para países doG-8? E ainda que fosse, o Brasil está no
G-6. Não me conformo com o complexo de vira lata e com o denuncismo infundado.
Precisamos de uma lei que puna também o autor de denúncia falsa.
Falando nas manifestações, o que mudou com elas no Brasil?
Eu acho que fizeram muito bem ao Brasil. Com exceção dos
mascarados. Todas as reivindicações que apresentaram, um dia nós também
pedimos. Veja o discurso de (Fernando) Haddad na campanha de São Paulo:
"Da porta da casa para dentro a vida melhorou, mas da porta para fora
ainda precisa melhorar." Hoje muito mais gente anda de carro mas o
transporte público não melhorou. Eu andava de ônibus lotados como latas de
sardinha em 1959, e continua a mesma coisa. O Haddad agora me disse:
"Precisando de tanto dinheiro, conseguimos reduzir em 50 minutos o tempo
de viagem só com latas de tinta". As faixas exclusivas para ô ônibus
tiveram uma aprovação de 93% das pessoas. O povo nos disse o seguinte: "Já
conquistamos algumas coisas e queremos mais". As pessoas querem mais, mais
salário, mais transporte, melhorarias na rua, e isso é extraordinário. Nem dá
mais para ficar dividindo tarefa: isso é com o prefeito, isso com o governador,
aquilo com o presidente. Agora é tudo junto.
Haddad não errou, quando demorou a recuar na tarifa?
Houve muita gente ponderando para o Haddad que era preciso
recuar. Se ele tivesse dado o aumento em janeiro, não tinha acontecido o que
aconteceu. Ele e o prefeito do Rio foram convencidos de que, adiando o aumento,
ajudariam no controle da inflação. Eles concordaram e tudo caiu nas costas
deles. Meu primeiro movimento foi mostrar ao Haddad que aquilo não era contra
ele, que ainda estava muito novo no cargo: "Haddad, levante a cabeça, tira
proveito disso, que bom que o povo esta se manifestando". Acho que ele
demorou uns dois ou três dias mas foi correto. E o transporte é caro mesmo...
Enfim, as manifestações nos ensinaram que o desejo do povo de mudar as coisas é
infinito. Nós todos queremos sempre mais. Quem consegue um aumento de 10% nos
salários e logo depois quer outro. Quem consegue comprar carne de segunda passa
a querer carne de primeira. Tínhamos 48 milhões de pessoas que andavam de avião
em 2007. Em 2012, eram 103 milhões. Hoje tem gente que entra no avião e não
sabe nem guardar a mala. Alguns acham isso ruim. Eu acho ótimo. Tem mais gente
indo a restaurantes, a museus, a institutos de beleza, e isso é um bom sinal. A
única coisa que eu critico é a negação da política. Ela sempre resulta em algo
pior, como o fascismo, o nazismo. Tenho dito ao PT para enfrentar o debate.
Vamos perguntar aos tucanos por que eles derrotaram a CPMF, tirando 40 bilhões
da saúde por ano em meu governo, achando que iam me prejudicar. E eu disse:
quem vai pagar é o povo.
E o programa Mais médicos, é uma boa solução?
É uma coisa fantástica mas vai fazer com que o povo fique
ainda mais exigente com a saúde. O sujeito vai subir o primeiro degrau. Vai ter
um médico que vai lhe pedir os primeiros exames, e a saúde vai ser problema
outra vez. Discutir saúde sem discutir dinheiro, não acredito. E não adianta
dizer, como fazem os hipócritas, que o problema é só de gestão. Chamem os 10
melhores gestores do planeta e perguntem como oferecer tomografia, ressonância,
tratamento de câncer, sem dinheiro. O hipócrita diz: "Eu pago caro por um
plano de saúde, porque o SUS ao me entende". Mas quando ele vai fazer a
declaração de renda, desconta tudo do imposto a pagar. Então quem paga a alta
complexidade para ele é o povo brasileiro. E aí vem a FIESP fazer campanha para
acabar com a CPF. Não foi para reduzir custos mas para tirar do governo o
instrumento de combate à sonegação.
O Mais Médicos é uma marca de governo para Dilma?
Os médicos brasileiros que protestaram sabem que cometeram
um erro gravíssimo. O (Alexandre) Padilha tem dito, corretamente: "Não
queremos tirar o emprego de médico brasileiro. Queremos trazer médicos para
atender nos locais onde faltam médicos brasileiros". Em vez de protestar,
eles deveriam ter feito um comitê de recepção aos colegas estrangeiros. E Deus
queira que um dia o Brasil forme tantos médicos que possa mandar médicos os
para um pais africano. É admirável que um pais pequeno como Cuba, que sofre um
embargo comercial há 60 anos, tenha médicos para nos ceder. Hoje há maquinas
que descobrem o câncer com menos de um milímetro. Mas quantos têm acesso a
isso? Saúde boa e barata e não existe, alguém tem que pagar a conta. Num país
em construção, como o nosso, sempre haverá protestos. Temos de consolidar a
democracia, sabendo que ela não pode ser exercitada fora da política. Tem gente
que diz "eu não sou político" e começa a dar palpite na política.
Esse é o pior político. Como eu fui ignorante, dou meu exemplo. Em 1978, no
auge das greves do ABC, eu achava o máximo dizer: "Não gosto de política nem
de quem gosta de política". A imprensa paulista me tratava como herói. Eu
era "o metalúrgico". Dois meses depois, eu estava fazendo campanha
para Fernando Henrique, que disputava o Senado por uma sublegenda do MDB. Dois
anos depois, eu estava criando um partido político. Ninguém deve ser como o
analfabeto político do Bertolt Brecht. Não se muda o país sem política.
Segunda parte
São Paulo - Em segunda parte de entrevista exclusiva
concedida ao Correio , o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirma que
Marina Silva tem o direito de ser candidata à Presidência. Porém, o líder
histórico do PT afirma que, caso o projeto da ex-colega de partido dê errado, é
necessário brigar pelos votos que ela receberia.
Além disso, Lula também falou sobre temas sensíveis, como a
reforma política, a divisão interna do Partido dos Trabalhadores e sobre o
escândalo envolvendo a ex-chefe do Gabinete da Presidência em São Paulo,
Rosemary Noronha.
Na semana passada, foram criados dois novos partidos
políticos, houve um grande troca-troca de deputados, para lá e para cá. Como
você vê isso?
O fato de você legalizar um partido é o menos importante.
Levar 10, 15 deputados, também. Eu quero saber é se na próxima eleição estes
partidos passarão pelo teste das urnas.
Marina Silva talvez não consiga registrar o partido dela.. .
Quando nós fomos construir o PT, as exigências legais eram
até maiores. Na primeira eleição, eu achava que seria eleito governador de São
Paulo. Eu era uma figura estranha, um metalúrgico, levava muita gente aos
comícios. Fiquei em quarto lugar. O Estadão fez uma pesquisa, dizendo que eu
tinha 10%. Eu logo xinguei a imprensa burguesa (risos). E eu tive exatamente
10% (risos). Então, essas pessoas que estão criando partidos vão ter de
trabalhar muito. E precisamos evitar as legendas de aluguel. Não serei contra,
depois de tudo que fiz pela criação do PT. Eu não sei se a Marina vai cumprir
as exigências legais. Ela é uma personalidade política do país, tem todo
direito de criar um partido. Agora, tem de ter coragem de dizer que é partido,
não tem que inventar outro nome, dizer que não é partido, é uma rede. É partido
e vai ter deputado, como todo partido. Mas o que vai contar nas eleições de
2014 são os partido existentes, o PT, o PMDB, o PSB, o PSDB e outros mais.
Agora, sem a candidatura de Marina, a disputa presidencial
se alteraria, não?
Ela ainda tem tempo. Ela tem de assistir o dia final do
julgamento com a ficha de um outro partido do lado. Eu acho que a Marina tem o
direito de ser candidata. Marina é um quadro político importante para o país.
Caso ela não consiga o partido e não seja candidata, será importante saber para
onde irão os votos dela. Ninguém pode perder o pé da realidade do país,
achar-se melhor que o Congresso, que lá só tem corrupto, como vejo alguns
dizerem.
O senhor mesmo já falou, quando disse que no Congresso havia
300 picaretas...
O Congresso é a cara da sociedade brasileira. Ulysses
Guimarães dizia: "Toda vez que a sociedade começa a falar em muita mudança
no Congresso, o Congresso piora".
Quase 300, na realidade 280 deputados, foram responsáveis de
alguma forma pela absolvição do deputado Natan Donadon em plenário...
Veja que eu não errei. O que acontece no Congresso acontece
num clube de futebol, acontece no condomínio que a gente mora, na sauna... Você
tem gente de qualidade, você tem gente de menos qualidade, gente comprometida
com os setores mais à esquerda, gente comprometida com os setores mais à
direita. Se as pessoas fossem de direita ou de esquerda era melhor do que serem
simplesmente fisiológicas. O que eu acho que mata na política é o fisiologismo.
E você não vai acabar com isso. É uma cultura política que está estabelecida no
mundo, não é só no Brasil. E não é uma questão nacional, senão a Itália não
tinha o Berlusconi.
Mas o senhor defende a reforma política, não é buscando
superar estes problemas?
Eu defendo a reforma política mas acho que ela só virá
quando tivermos Constituinte própria para fazê-la. O Congresso não vai aprovar.
Pode fazer uma mudança aqui, outra ali, mas não uma reforma profunda. Defendo o
financiamento público porque eu acho que é a forma mais barata e mais honesta
de fazer campanha. Por que os empresários não defendem o financiamento público?
Não seria melhor para eles, não ter que dar dinheiro para candidato? Mas eles
preferem que os políticos dependam deles. Eu li a biografia do Juscelino, os
dois volumes do (Getúlio) Vargas, do Lira Neto (escritor cearense), estou lendo
a biografia de Napoleão Bonaparte e a do Padre Cícero. A política é sempre a
mesma. Nos Estados Unidos, Abraham Lincoln precisou vencer os mesmo obstáculos.
Penso que com partidos mais sérios e valorizados, com mais seriedade nas
campanhas, a política irá se qualificando e motivando mais. Eu sempre digo aos
jovens: mesmo que você não acredite em mais ninguém, e ache que todos são
corruptos, não desista. O político honesto que você procura pode estar dentro
de você. Ao invés de negar a política, entre na política.
O momento mais delicado da Dilma ocorreu durante as
manifestações. E naquele momento, o PMDB, o principal aliado do PT, tentou
emparedar a presidente no Congresso...
O ideal de um partido político é eleger um presidente da
República, eleger a maioria dos governadores, eleger a maioria dos senadores, a
maioria dos deputados federais. Isso é o ideal. Não parece maravilhoso? Pois
bem, em 1987, o PMDB teve isso. O PMDB elegeu 306 constituintes e 23
governadores. O (José) Sarney teve moleza? Não teve. O principal adversário do
Sarney era Ulysses Guimarães. Por isso eu prezo a democracia. Eu fico
imaginando se o PT tivesse 400 deputados, 79 senadores. Iria ser fácil? Temos
de aprender a lidar com a realidade. Angela Merkel acabou de ganhar as eleições
na Alemanha mas, para governar, terá que fazer aliança.
E a divisão interna dentro do PT, entre lulistas e
dilmistas?
Se houver alguém que se diz lulista e não dilmista, eu o
dispenso de ser lulista. A Dilma é a presidenta da República e ela representa o
PT. Eu não estou pedindo que as pessoas gostem de Dilma. Eu quero que as
pessoas a respeitem na função institucional e saibam que o PT está lá para
apoiá-la. O povo de Brasília votou no (José Roberto) Arruda porque acreditou
que o Arruda ia fazer as mudanças prometidas. Não deu certo. Você vai dizer que
o eleitor do Roriz era pior do que o eleitor do Agnelo? Não era. O eleitor vota
esperando que as coisas melhorem. Se tivermos agora como candidatos Dilma,
Aécio, Eduardo Campos e Marina, o Brasil está qualificado. Todos candidatos de
centro-esquerda para a esquerda.
O senhor tentou evitar o rompimento de Eduardo Campos com o
governo . Agora que aconteceu, como ficará este relacionamento. Ele pode sair
do campo de sua influência, o campo da esquerda?
Eu não tenho influência. Mas eu gostaria que não tivesse
acontecido o que aconteceu.
Quem errou?
Não sei, acho que todo mundo errou. E eu posso estar errado
também. Pode ser que o governo e o Eduardo estejam certos no rompimento, e eu
errado. Mas eu não dou de barato que o Eduardo é candidato. Ele tem potencial?
Ele tem estrutura, sabedoria política? Tem. Ele pode ser candidato, como o
Aécio, a Marina. Eu só acho que foi um prejuízo para a gente ter o PSB, e
sobretudo o Eduardo Campos, do outro lado. Isso aconteceu apenas quando o
Garotinho foi candidato contra mim, em 2002. Se ele vai ser candidato, nós
temos de ter uma regra de comportamento. Se a eleição não terminar no primeiro
turno, poderemos ter aliança no segundo turno. Ma eu não dou de barato que as
coisas estão definidas na eleição. Nem para o Eduardo Campos ser candidato, nem
para o Aécio ser candidato. Sabe-se lá o que o Serra vai tramar contra o Aécio?
Nem para a Marina. Eu acho que a gente tem de ver o seguinte: temos de esperar,
até março do próximo ano. São mais seis meses pela frente, até as pessoas
anunciarem de fato suas candidaturas. Sei apenas que, entre todos, a Dilma é a
que tem mais credenciais e é mais qualificada para governar o Brasil. Eu vou
percorrer o Brasil como se eu fosse candidato.
Qual será a diferença, na disputa com o PSDB, em ter o Aécio
como candidato, e não o Serra?
Eu acho que vai trazer mais dificuldades para o PSDB. O
Aécio vai ter que se tornar conhecido. O Serra já é conhecido, tem o recall de
outras disputas. Não é fácil criar um candidato novo num país do tamanho do
Brasil. Então eu não sei como o PSDB vai conseguir se livrar do Serra ou se o
Serra vai conseguir provar que tem mais qualidades para ser candidato. Mas o PT
não pode escolher adversário . Tem que enfrentar quem aparecer, e acho que pode
ganhar dos dois.
Sua participação na campanha da Dilma agora será diferente
da que teve em 2010?
Tem de ser diferente. Em 2010 a Dilma não era conhecida.
Fizemos uma campanha para que ela se tornasse conhecida, e para mostrar ao
eleitor o grau de confiança que eu tinha nela. Obviamente que depois de quatro
anos de governo a Dilma passou a ser muito conhecida e conseguiu construir a
sua própria personalidade. Então já tem muita gente que vai votar na Dilma
independentemente do Lula pedir. Naquilo que eu tiver influência, nas pessoas
que eu tiver influência, eu vou pedir para votar na Dilma. O que eu vou fazer
na campanha depende dela. Eu não quero estar na coordenação, eu quero ser a
metamorfose ambulante da Dilma. Estou disposto. Se ela não puder ir para o
comício num determinado dia, eu vou no lugar dela. Se ela for para o Sul, eu
vou para o Norte. Se ela for para o Nordeste, eu vou para o Sudeste. Isso quem
vai determinar é ela. Eu tenho vontade de falar, a garganta está boa. Eu estou
com mais disposição, mais jovem. Apesar da idade, eu estou fisicamente mais
preparado. Estou com muita saudade de falar. Faz tempo que eu não pego um
microfone na rua para falar. Conversar um pouco com o povo brasileiro. Vou
ajudar. Se for importante ficar quieto, eu vou ficar quieto. A única que coisa
que eu não vou fazer é cantar, porque eu sou desafinado, mas no resto, ela pode
contar comigo.
A prorrogação do julgamento do mensalão, levando as prisões
de petistas no próximo ano, em plena campanha, pode atrapalhar os candidatos do
PT e a própria Dilma?
Eu não acredito, não. As pessoas têm o hábito de menosprezar
a inteligência do povo. A história não é contada no dia seguinte, a história é
contata 50 anos depois. E eu acho que a história vai mostrar de que mais do que
um julgamento, o que nós tivemos foi um linchamento, por uma parte da imprensa
brasileira, no julgamento. Eu tenho me recusado a falar disso porque sou
ex-presidente, indiquei os ministros. Vou falar quando o julgamento terminar.
Uma coisa eu não posso deixar de criticar. Se pegar o ultimo julgamento agora
(dos embargos infringentes), o que a imprensa fez com o Celso de Mello foi uma
coisa desrespeitosa à instituição da Suprema Corte, que é o último voto. Ou
seja, depois dela, ninguém mais pode falar. Eu fiquei irritado certa vez,
quando eu era presidente, o (Sepúlveda) Pertence tomou uma decisão e alguém
escreveu que José Dirceu tinha ganho no tapetão, sem nenhum respeito a uma
figura como o Pertence. Veja a arrogância e a petulância de algumas pessoas.
Elas amanhã poderão ser julgadas e vão querer o direito de defesa. A sociedade
brasileira já aprendeu a separar o joio do trigo, inclusive pelo que tentaram
fazer comigo em 2006, na campanha. Ninguém poderia ter sido mais violento
comigo do que foi o (Geraldo) Alckmin. Todo mundo sabe o que aconteceu na
véspera da eleição, quando o delegado da Polícia Federal mentiu que tinham
roubado a fita (na realidade, um CD), sendo que ele mesmo fez a entrega para
quatro jornalistas. (Aqui, Lula se refere ao "Escândalo dos
aloprados" e ao vazamento das fotos de fotos do dinheiro usado para
comprar falsos dossiês contra José Serra e Geraldo Alckmin). Todo mundo sabe o
que houve na eleição do (Fernando) Haddad. Aquele julgamento (do mensalão) no
meio da eleição, qual era o objetivo? Tudo isso o povo percebe.
Então o senhor acha que não terá efeito?
O povo sabe separar as coisas. Agora, o que não se pode é
negar o direito das pessoas de exigirem provas. Eu sinceramente tenho muita
vontade de falar, mas eu preciso me calar. Alguns companheiros estão
condenados. Se amanhã a Justiça falar que absolveu, estarão condenados do mesmo
jeito. Ninguém se dá conta do que aconteceu com a família das pessoas, com os
filhos das pessoas. Esta substituição da informação pela versão que interessa
não pode ser adequada à construção de um país democrático.
Voltando à questão eleitoral, o senhor disse em determinado
momento que não podia trincar a relação com o PMDB, mas ela tem problemas. O
senhor está ajudando a montar essas alianças nos estados?
Não. Não sou eu. O PT vai ter as coordenações regionais, a
coordenação de campanha e a direção nacional. Aliás, o PT sozinho não pode
cuidar disso. Tem de ser cuidado junto com o PMDB. Não é a primeira vez que a
gente faz uma campanha com dois palanques. Houve estados a que não fui durante
determinada campanha porque tinha problemas entre os aliados. Em 2010, em
Pernambuco, por exemplo, construímos uma coisa sui generis, que foi colocar
dois candidatos no mesmo palanque. Eu ia lá e falava com os dois do meu lado.
Se fosse possível repetir isso sem tiroteio, seria ótimo. Mas eu acho que vamos
ter problemas em vários estados. Temos que dar tempo ao tempo, esperar as
divergências diminuírem para a gente poder construir a unidade. Em março, o
quadro estará mais claro.
No Rio de Janeiro inclusive?
Sim. Nós temos de saber quem são os nossos adversários e
construir a partir daí as nossas alianças regionais. Mas como é que você vai
convencer uma pessoa que quer ser candidato a governador a não ser candidato?
Isso vale para o senador Lindbergh Farias?
Não é só o Lindbergh. Vamos entrar na cabeça do Lindbergh.
Ele tem o mandato de oito anos e tem um intervalo agora no meio. Se concorrer,
ele não perde nada, ele só ganha. Como funciona a cabeça dele: se não for
candidato agora, em 2018 terá de disputar com o Eduardo Paes ou com o Sérgio
Cabral, sei lá. Ele acha então que o momento dele é agora. Como você vai tentar
convencê-lo? O cara tem oito anos de mandato, não tem nada a perder... Na pior
das hipóteses, se ele perder, estará fazendo campanha para ele mesmo ao Senado
em 2018. Isso vale para todos. Vai convencer no Pará que o cidadão não deve ser
candidato. Ele pode ter 1% nas pesquisas e fala (Lula bate no peito): "Eu
vou ganhar". Em janeiro do ano passo, eu estava em casa todo inchado,
quase sem poder falar, e implorei ao Humberto Costa não ser candidato a
prefeito em Recife. "Humberto, pelo amor de Deus, o povo te elegeu
senador. É um mandato de oito anos, você vai virar uma figura nacional. O PT
precisa de você. Você quer voltar para Recife para fazer o quê, Humberto?"
Ele então disse: "Se é assim que o senhor pensa, não serei
candidato". E quem foi o candidato? Humberto. Foi candidato na pior
situação (Humberto perdeu no primeiro turno para Geraldo Júlio, do PSB). Quando
a pessoa quer, é difícil evitar. Vocês acham que eu aprovei o Wellington (Dias)
ter sido candidato a prefeito de Teresina? Um cara que saiu com quase 80% de
aprovação, que o povo elegeu para senador, que desgraça ele tinha de ser
candidato a prefeito de Teresina? Mas ele foi. Aí, quando toma a porrada que tomou,
ele fala: "(Lula faz careta e imita voz chorona) É, você tinha
razão". Então vamos dar tempo ao tempo. A única certa é que a Dilma é uma
candidata com amplas condições de ganhar as eleições. Ela vai ter mais o que
mostrar. A economia vai estar numa situação melhor.
O tema econômico da hora são as concessões. Na eleição, a
oposição não irá explorá-las como uma forma de privatização feita pelo PT, que
combateu as privatizações tucanas?
Não é privatização. Deixa eu dizer uma coisa: é urgente
mudar a lei 8666/93,que regula as licitações nesse país, se quisermos que as
coisas aconteçam. Hoje, para fazer uma obra, são tantos os obstáculos, como eu
já disse...TCU, Ibama, CGU, Iphan...Uma verdadeira máquina de fiscalização que
emperra a máquina da execução. Então, é melhor passar pelo crivo uma só vez e
entregar o serviço para o serviço para a iniciativa privada explorar, com mais
facilidade e rapidez. A segunda coisa é que o Estado também não tem recursos.
As concessões são um convite à iniciativa privada, que pode suprir a
deficiência do Estado para investir. A Dilma estava na casa Civil, nós
reuníamos os ministros e órgãos envolvidos nos projetos. Eu falava todos os
palavrões que tinha de falar mas as coisas não andavam. Um problema aqui, outro
ali. Temos que encontrar uma solução. A Dilma anunciou as concessões em junho
do ano passado e os leilões só estão saindo agora. Se estivéssemos em 1955,
começando a construir Brasília, nem a picada para o avião do JK pousar tinha
saído.
Como o senhor avalia a decisão da CGU de pedir a destituição
do serviço público da ex-chefe do Gabinete da Presidência de São Paulo,
Rosemary Noronha, por 11 irregularidades, incluindo propina, tráfico de
influência e falsificação de documentos?
Ela já estava demitida. O que a CGU fez foi confirmar o que
todo mundo já sabia o que ia acontecer.
Mas tudo ocorreu dentro de um escritório da Presidência, em
São Paulo...
Deixa eu falar uma coisa. A CGU julgou um relatório feito
pela Casa Civil. E pelo o que eu vi do relatório, ele confirma as conclusões da
Casa Civil. Todo servidor que comete algum ilícito tem de ser exonerado. O que
valeu para o escritório vale para qualquer lugar no Brasil, no setor público.
Vale para banco, vale para a Receita Federal. Vejo isso com muita
tranquilidade. (Lula se vira para o assessor de imprensa e pergunta). "Não
foi exonerado esses dias um companheiro que trabalhava com a Ideli (Salvatti)?
(Lula se refere ao assessor da Subchefia de Assuntos Federativos, Idaílson
Vilas Boas Macedo, após notícias de que faria parte do esquema de lavagem de
dinheiro descoberto pela Polícia Federal na Operação Miqueias).
O que o senhor achou da reação do governo brasileiro em
relação à espionagem norte-americana?
Dilma agiu certo. O que não podia aceitar a ideia que o
(Barack) Obama tentou passar, de que não aconteceu nada. Com aquele jeitão
imperial do Obama falar.
Quase três anos depois de deixar a Presidência, como o
senhor gostaria de ser lembrado?
O que me importa é a forma como serei lembrado pelas
pessoas. Algo que me marcou foi meu ultimo encontro com os cantadores de
material reciclado e moradores de rua de São Paulo. Uma menina,
afro-descendente, pegou o microfone e perguntou: "presidente, você sabe o
que mudou na minha vida nestes oito anos?" Eu não sabia. E ela disse:
"Não foi o dinheiro que eu ganhei, nem as cooperativas que organizei. Foi
o direito de andar de cabeça erguida que o senhor me restituiu. Hoje, não tenho
vergonha de andar com o carrinho catando papelão na rua. Me sinto tão
importante quanto os que passam de carro ao meu lado". Nada é mais
gratificante que isso. Foi o que me inspirou a pedir ao Fernando Morais para
tentar fazer uma biografia do meu governo, conversando com quem ele quiser:
banqueiro, dono de jornal, metalúrgico, bancário, catador de papel. Ouvir o que
as pessoas pensam é mais importante, pois todo mundo tem tendência a falar bem
de si mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário