Roberto Brilhante – Carta Maior
Porto Alegre - Nesta sexta-feira,
24/01, ocorreu como parte do Conexões Globais o diálogo “Soberania Digital e
Vigilância na Era da Internet”, que reuniu figuras destacadas do debate sobre
os meios digitais como Sérgio Amadeu, professor da Universidade Federal do ABC;
Demi Getschko, considerado um dos “pais” da internet brasileira; Antonio
Martins, criador do Le Monde Diplomatique Brasil e do site Outras Palavras; e
David Miranda, estrategista de marketing que coordena a campanha que pressiona
o Brasil a conceder asilo a Edward Snowden, ex-agente da NSA que revelou informações
sobre as estratégias de espionagem do governo norte-americano e hoje se
encontra exilado na Rússia, onde ainda não pode esclarecer vários aspectos de
suas revelações.
David Miranda - detido em agosto
de 2013 pela polícia britânica por quase 9 horas quando fazia uma escala no
aeroporto de Londres - foi ovacionado pelo público em sua chegada. Reconhecido
como um dos grandes nomes da luta contra a espionagem dos Estados aos usuários
da internet, David tirou fotos com ativistas que gritavam palavras de ordem
favoráveis à concessão de asilo a Edward Snowden por parte do Brasil.
Formas de resistência
O debate foi muito bem servido de
referências técnicas para os ativistas presentes. Demi Getschko e Sérgio Amadeu
ofereceram um leque de explicações sobre o modus operandi das empresas e dos
impérios no mundo digital. Mas ao invés de apresentarem um cenário de trevas,
mostraram que há muitas alternativas aos usuários e aos estados para que a
privacidade na rede seja possível.
Amadeu afirmou que, se antes os
EUA espionavam indivíduos suspeitos, hoje usam outra estratégia: “hoje a
espionagem é massiva, é data mining, mineração de dados. É um conjunto de
palavras de busca, redes sociais, e-mails, que são investigados em toda a
internet. A partir disso, certos comportamentos são selecionados e investigados
mais a fundo. Então, todos nós somos espionados.” A privacidade na internet é
destruída com a justificativa de que isso é necessário para que se descubra
quem são as “ameaças”. Mas, ameaças a quem? E o que legitima tamanho poder dos
estados?
Outro ponto sob o qual Amadeu e
Getschko insistiram é o de que os grandes espiões hoje não são apenas os
estados, mas também as grandes corporações. O capitalismo na sua fase atual tem
na informação seu grande trunfo: conhecer os desejos dos consumidores é
fundamental para construir os produtos e as estratégias de marketing. As redes
sociais e sites de busca se tornaram corporações gigantescas graças a coleta de
informações que promovem: “se você procurou o preço de uma passagem para Porto
Alegre, logo te ofereceram hotéis em todos os anúncios da internet. Coletam
suas informações para oferecer o que você deve querer”, exemplificou Amadeu.
Como afirmou Sérgio, uma das
formas de protesto que temos é pressionar nossos governos por “tratados
internacionais contra vigilância massiva. Vocês dirão ‘nunca vão aprovar isso’,
mas essa pressão é uma pedra no sapato, isso coloca os espiões na defensiva.
Nós precisamos procurar os líderes dos partidos, colocar na pauta da política
nacional essa questão da espionagem.”
Outra maneira de protestar é a
criptografia. Amadeu falou aos presentes sobre a possibilidade de que qualquer
um de nós utilize chaves criptográficas para suas mensagens. Um usuário que não
usa criptografia custa aos espiões cerca de 16 centavos de dólar para que tenha
suas mensagens compreendidas, enquanto um que usa criptografia custa cerca de
dez mil dólares. O uso de criptografia por muitos usuários tornaria quase
impossível a mineração de dados por parte das agências de espionagem.
A privacidade é um dos pilares da
democracia. A inviolabilidade dos espaços privados é fundamental para que cada
um dos indivíduos possa elaborar suas ideias e se organizar em grupos
políticos. Uma sociedade onde não há o universo privado é um lugar onde não há
plena liberdade de pensamento e de associação: hoje, os inimigos são os
“terroristas”, e amanhã, quem será denominado “terrorista”? Quando o estado
detém um poder tão grande, ele deixa de ser legítimo e passa a ter um viés
totalitário, que não serve mais aos interesses dos cidadãos, mas sim àqueles
dos que detém o poder de sua máquina.
Os participantes do debate de
hoje deixaram claro que, se o Brasil quer ser uma referência de desenvolvimento
para os povos do mundo, este desenvolvimento não pode ser apenas econômico, mas
deve ser também político. E assegurar que as potências como os Estados Unidos,
Rússia e China não detenham o controle sobre todas as informações da internet é
um passo que precisar ser dado. Conceder asilo a Edward Snowden seria mandar às
potências internacionais a mensagem de que o Brasil não aceitará que um poder
despótico sobre o mundo digital esteja nas mãos de algumas poucas nações.
E se o governo federal não sinaliza
nenhum tipo de apoio a Snowden, o povo tem o feito seu papel. Uma petição
online no Avaaz já possui quase um milhão de assinaturas e será em breve levada
ao Congresso. O povo reconhece que a espionagem não é um voyeurismo: é uma
tática de controle. Trazer Edward Snowden é uma forma de mostrar de que lado do
jogo o Brasil quer estar.
Créditos da foto: Roberto
Brilhante
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