Interesses muito poderosos estão por trás de tudo o que diz
respeito ao petróleo. Os Estados Partes do Mercosul deveriam se precaver sobre
isso.
José Renato Vieira Martins (*) – Carta Maior
Nas encostas da Serra da Vaca Morta – cadeia de montanhas
andinas localizadas no Sul da Argentina – encontra-se uma formação de xisto
betuminoso de cerca de 30 mil km2, área superior a do Estado de Alagoas. O
xisto betuminoso é uma rocha sedimentar e porosa, rica em material orgânico,
cujas camadas contêm grandes quantidades de gás natural e petróleo. As maiores
reservas mundiais desse mineral estão localizadas na Rússia, seguidas dos EUA,
China e Argentina. Segundo a consultora internacional Wood Mackenzie, o óleo de
Vaca Morta está avaliado entre os melhores do mundo, sendo considerado de
qualidade "excelente".
O campo de Vaca Morta foi encontrado por um geólogo da
Standart Oil (atual Chevron) nos anos trinta do século passado. Na época da
descoberta o cartel das Sete Irmãs dispunha do monopólio mundial da exploração
do petróleo e reinava de forma inconteste. Atualmente, as reservas de Vaca
Morta estão estimadas em 22 bilhões de barris de petróleo, volume duas vezes
superior ao do Campo de Libra, encontrado no pré-sal, na bacia de Santos.
Mantido o atual padrão de produção e consumo, as duas reservas juntas
garantiriam o fornecimento de petróleo e gás natural para os países do Mercosul
durante os próximos150 anos.
O processo de exploração do xisto betuminoso é tecnicamente
complexo e economicamente caro, o que inviabilizou o seu aproveitamento
comercial por muitos anos. Há alguns anos, porém, os Estados Unidos, o maior
consumidor de energia do mundo, desenvolveram o método da fratura hídrica, ou
fracking, revolucionando a exploração do xisto e a geopolítica energética no
mundo. O método consiste na injeção de água sob altíssima pressão, misturada
com areia e produtos químicos, utilizados para quebrar a rocha e provocar a
liberação do gás e do óleo.
Os riscos que podem ser causados pelo fracking são altamente
temidos, o que levou alguns países europeus, como a França, a proibir o seu uso
em território nacional. Nos Estados Unidos e no Canadá os movimentos sociais
resistem bravamente ao seu emprego. Eles dizem que a contaminação do solo e dos
lençóis freáticos são alguns danos previsíveis que o método poderia acarretar.
Isso sem falar nos incêndios, doenças e abalos sísmicos.
No Brasil, onde a prática do fracking não foi banida, a ANP
leiloou blocos para mapeamento e extração do óleo e do gás de xisto em doze
Estados. Já se sabe que o Paraná é o Estado que possui as maiores reservas
entre eles. Mas há apenas um "pequeno" detalhe: elas se localizam em
cima do Aquífero Guarani, o maior reservatório subterrâneo de água doce da
América do Sul. Os riscos de contaminação de uma das grandes riquezas naturais
do planeta são imensos.
Sendo o Brasil e a Argentina os dois maiores sócios do
Mercosul, uma coisa é certa: ao mesmo tempo em que as novas descobertas
fortalecem o papel do bloco no cenário energético mundial, elas também trazem
sérios riscos para os países da região, e por isso precisam ser avaliados e
enfrentados conjuntamente.
Interesses muito poderosos estão por trás de tudo o que diz
respeito ao petróleo. Os Estados Partes do Mercosul deveriam se precaver e
adotar políticas públicas regionais para proteger este patrimônio comum. Nem
que seja apenas para impedir a sua exploração, dados os riscos da operação.
Independente da tímida institucionalidade do Mercosul, é necessário criar
mecanismos de gestão integrada de nossos recursos naturais, como é o caso da
bacia do Rio da Prata, do Aquífero Guarani, das reservas de xisto, entre
outros.
Também não se pode ser ingênuo. Os ataques recentes dos
fundos abutres contra a Argentina não são apenas uma forma de intimidar os
europeus, evitando que eles flertem com saídas heterodoxas da crise, como bem
apontou o colunista Emir Sader em seu blog neste portal. São também uma maneira
de puni-la pela renacionalização da YPF. A estatal argentina controla 12 mil
km2 das novas reservas de gás e petróleo. Os demais blocos já estão sob o
comando das multinacionais. Querem quebrar a soberania do país para melhor
explorar os seus recursos naturais.
Os abutres, por mal dos pecados, estão de olho na vaca
morta.
(*) José Renato Vieira Martins é professor de Sociologia da
Universidade Federal da Integração Latino-Americana – UNILA.
Créditos da foto: Arquivo
Comentários
Postar um comentário
12