Há quinze anos, na Bolívia, atitudes semelhantes às adotadas
agora por Geraldo Alckmin provocaram levante popular. É isso que governador
deseja produzir?
Por Guilherme Boulos - http://outraspalavras.net/
Cochabamba, Bolívia. Entre janeiro e abril de 2000, milhares
de pessoas foram às ruas numa revolta popular que ficou conhecida como Guerra
da Água. No ano anterior, o serviço de abastecimento havia sido privatizado e
as tarifas aumentaram 100%. Os mais pobres ficaram sem água. O povo foi às ruas
com amplas mobilizações, que derrubaram o prefeito da cidade.
O presidente Hugo Banzer decretou estado de sítio e a
Bolívia se transformou num campo de batalha. Após 3 meses de revolta,
suspenderam a privatização e o reajuste abusivo.
São Paulo, Brasil. Outubro de 2014. 60% dos moradores da
maior cidade do país registram falta de água em suas casas. O canal de
abastecimento de mais de 20 milhões de pessoas está à beira do colapso
completo. Se não chover mais do que o previsto, São Paulo seca no primeiro
semestre de 2015.
A Região Metropolitana é abastecida por seis sistemas de
reservatórios, sendo três mais importantes.
O Cantareira – que tem a situação mais grave – está com 3,3%
da capacidade e perde em média 0,2% ao dia. Somando isso à segunda fase do
volume morto espera-se mais uns três meses. O Alto Tietê está com 9% e perde
também entorno de 0,2% ao dia. O Guarapiranga está com 43% e vem caindo entre
0,3% e 0,5% ao dia.
Até o primeiro turno das eleições a situação foi
vergonhosamente ocultada pelo governo estadual, responsável pelo abastecimento.
Apesar do racionamento noturno nos bairros da periferia, a Sabesp sustentava
normalidade e afirmava que o desabastecimento sistemático era ficção
eleitoreira. Três dias depois da reeleição de Geraldo Alckmin (PSDB), a
presidente da Sabesp, Dilma Pena, admitiu a falta de água. Alguns dias após,
pediu demissão, mas o governo estadual pediu que ela ficasse no cargo até o
final do ano, conforme informações publicadas no Painel da Folha.
A ordem parece ser – repetindo a dose – não tomar nenhuma
medida drástica até o segundo turno, na tentativa de eleger Aécio Neves (PSDB).
Mas a realidade transborda o discurso, ou melhor, seca. A falta de água se
generalizou na capital paulista, inclusive em bairros centrais. Na periferia,
evidentemente, o impacto é sempre maior. Semana passada, moradores de Itaquera
relataram que escolas públicas dispensaram os alunos por falta de água. Bairros
de Carapicuíba ficaram cinco dias seguidos com torneira seca. Um condomínio
popular da CDHU no Campo Limpo ficou 15 dias.
Imaginem depois de 26 de outubro! Racionamento oficial,
proibição de lavar carros e calçadas, limitação para a construção de novos
prédios e definição de prioridades no abastecimento são medidas que podem vir
por aí. Isso evidentemente terá impacto sobre a vida das pessoas, além da falta
de água para consumo. O fechamento de estabelecimentos comerciais e de
serviços, bem como o desaquecimento da construção civil, devem produzir grave
desemprego em São Paulo. A limitação no abastecimento aumentará ainda o preço
dos alimentos, já que a agricultura é potencial consumidora de água.
Cenário catastrófico? Invenção política? Há um mês, o
racionamento era ficção. Veremos o que os próximos meses nos reservam. Em Itu,
depois de mobilizações populares por dias seguidos sem água, os caminhões-pipa
circulam agora com escolta armada. Em Campinas, as manifestações também já
começaram a surgir.
O argumento para a contenção social de que estamos diante de
um fenômeno climático, sem responsabilidades políticas, torna-se cada vez mais
insustentável. A relatora da ONU para a questão da água se manifestou responsabilizando
o governo tucano de São Paulo por falta de investimentos e planejamento. E não
é só ela. Pesquisa Datafolha publicada nesta semana mostrou que 75% dos
paulistanos acreditam que a crise poderia ter sido evitada.
O Ministério Público, por meio do promotor Rodrigo Sanches
Garcia, denunciou também a lógica de subordinar o abastecimento da população ao
lucro dos acionistas da Sabesp. Diz ele: “A intenção da Sabesp era tirar água
enquanto pudesse, inclusive para não ter que decretar racionamento. Sempre com
a lógica, não da preservação do sistema, mas do quanto se pode retirar de água.
Porque água é dinheiro”.
E mais: “Neste período (2012 e 13), o Sistema Cantareira foi
responsável por 73,2% da receita bruta operacional da empresa, denotando a superexploração
daquele sistema produtor que não mais conseguiu se recuperar diante da
gravidade do atual evento climático de escassez”.
Portanto, deixem são Pedro em paz! O problema climático
apenas evidenciou a política privatizadora de jorrar lucros para acionistas em
detrimento dos investimentos necessários para que as torneiras jorrassem água.
Mas o preço agora pode sair alto.
Assim como a reeleição folgada de Alckmin pode vir a ter um
gosto amargo. O PSDB conseguiu evitar a batalha do segundo turno, mas não será
tão fácil evitar a batalha das ruas. Já começaram a aparecer os primeiros
sinais da Revolta da Água. Campinas, Itu e caminhões-pipa escoltados servem
para acordar os incrédulos. Se alguém quer conhecer os limites da paciência do
povo, deixe uma família sem água por dias a fio.
Emblemático será ver a PM de São Paulo tentar reprimir a
indignação popular com os quatro blindados com canhões de água adquiridos no
ano passado por R$ 1,8 milhão cada. Pode ser a gota d’água.

Comentários
Postar um comentário
12