por Prabhat
Patnaik [*] / http://resistir.info/
Van Gogh,
1889. A economia capitalista mundial está atolada na estagnação e no
alto desemprego desde a crise financeira de 2008. Muitos previram que uma
viragem estava prestes a ocorrer, em parte devido ao facto de a economia dos
EUA no mês passado ter mostrado maior criação de emprego do que antes e também
porque cresceu 3,5 por cento no último trimestre, o que é uma taxa mais alta do
que nos últimos tempos. Mas, muito longe de uma recuperação, a economia
capitalista mundial parece agora estar a deslizar para uma nova retracção.
Uma recessão é definida como uma situação em que uma
economia deixa de crescer durante dois trimestres sucessivos e, de acordo com
esta definição, o Japão já está numa recessão. Uma vez que a economia japonesa
experimentou uma grande queda do PIB no trimestre Abril-Junho, era expectável
que mostrasse um grande crescimento no trimestre Julho-Setembro, pelo menos
como uma recuperação do fosso. Mas ela mais uma vez contraiu-se em até 1,6 por
cento no trimestre Julho-Setembro. Uma vez que o Japão é a terceira maior
economia do mundo, trata-se de um desenvolvimento grave. E considerado em
conjunto com o facto de que os países da Eurozona continuam a experimentar
estagnação virtual, isto anuncia danos para a economia capitalista mundial.
O número algo maior de criação de empregos nos EUA no mês
passado foi atribuído a um arranque na despesa militar. Isto não representa
necessariamente um avanço duradouro e portanto não pode ser sustentado. Além
disso, a recessão japonesa é provável que também tenha um impacto sobre a
economia estado-unidense, de modo que também é improvável que os EUA aguentem a
sua recuperação. Em suma, estão a reunir-se nuvens de recessão sobre a economia
mundial como um todo.
A queda do PIB japonês, decorrente de uma queda tanto nas
despesas de investimento como nas de consumo, tem sido atribuída nos media a
uma subida do imposto sobre vendas. Mas isto é enganoso pois sugere que uma
mera subida do imposto sobre vendas provoca recessão. Não é a subida do imposto
per se mas sim a subida combinada com nenhum aumento na despesa governamental,
isto é, a busca das chamadas medidas de "rectificação orçamental" que
resulta numa retirada líquida de poder de compra da economia que fundamentam a
recessão japonesa.
CONTRACÇÃO DA PROCURA AGREGADA
O Estados capitalistas, por outras palavras, ao invés de
injectarem procura na economia para combater a crise e estagnação actual, estão
ocupados a contraírem a procura agregada em nome da rectificação orçamental.
Isto é particularmente irónico no caso do Japão porque o seu primeiro-ministro
Shinzo Abe chegou ao poder a prometer uma política monetária e orçamental
expansionista – e a sua promessa atraiu o eleitorado porque o Japão já
experimentara duas décadas de virtual estagnação económica. Mas políticas
orçamentais expansionistas são sempre um anátema para o capital financeiro, uma
vez que qualquer forma de activismo do Estado que contorne o capital
financeiro, isto é, não assuma a forma de "incentivos" ao capital
financeiro como método de estimular a economia, mas procure ao invés aumentar
directamente o nível da actividade económica, mina a legitimidade social do
capital financeiro. Portanto, na era da finança globalizada quando os Estados
quer queiram quer não têm de obedecer às exigências do capital financeiro, uma
política orçamental expansionista para estimular directamente a procura fica
descartada. Uma política monetária expansionista, por outro lado, embora não
seja descartada de modo semelhante, é de pouca ajuda numa situação em que o
chamado "estado de confiança" dos capitalistas é baixo. Assim, as
propostas expansionistas do sr. Abe foram cortadas pela raiz.
Tradicionalmente o Japão tem sido um país com grandes
défices orçamentais e eles verificavam-se mesmo no tempo em que estava entre as
economias capitalistas de crescimento mais rápido do mundo, quando, por outras
palavras, toda a gente falava do "Milagre japonês". Ironicamente, a
"prudência" orçamental está a ser impulsionada como política correcta
sobre aquela que outrora era a economia capitalista de maior êxito do mundo e
que devia este êxito, em não pequena medida, à política orçamental
expansionista que aplicava.
O facto de o capitalismo mundial estar a deslizar para uma
recessão não deveria ser surpresa. O capitalismo na era da hegemonia do capital
financeiro internacional não pode, por razões já mencionadas (nomeadamente a
necessidade de o sistema actuar sempre de uma maneira que faça o capital
financeiro parecer ser socialmente necessário), confia na "gestão da procura"
keynesiana para estimular o seu nível de actividade; o único estímulo
disponível para isto é portanto a formação de "bolhas" em preços de
activos que possam dar algum impulso ao nível de procura agregada. Estas
"bolhas", contudo, só são formadas se houver "expectativas
exuberantes"; mas numa situação de crise tal como a de agora as
perspectivas de formação de tais expectativas exuberantes são remotas. Portanto
a economia capitalista mundial não tem alternativas senão permanecer na estagnação
e manter-se "estender-se no chão", com ocasionais pequenas melhorias
sendo seguidas por recessões.
Sempre que há uma das tais pequenas melhorias, sabichões
burgueses extasiadamente proclamam-nas como o fim da crise, até que a recessão
seguinte os traz de volta à terra. A recessão que assoma no presente é um
exemplo desta dinâmica, cuja característica essencial é que a hegemonia do
capital financeiro arrastou o sistema para uma crise prolongada.
CRISE PROLONGADA
O período da década de 1930 também assistiu a uma crise
prolongada, a qual terminou finalmente com a segunda guerra mundial. Aquela
crise tinha a ver com o facto de que os "benefícios" de avançar sobre
mercados coloniais (e de exportar capital para as "colónias de
povoamento" no "Novo Mundo") foram exauridos. John Maynard
Keynes, numa proposta para estabilizar o capitalismo, porque ele sabia que
"o mundo não tolerará muito mais o desemprego o qual... está associado...
com o individualismo capitalista actual", sugeriu que se deveria recorrer
à intervenção do Estado na "gestão" da procura. Esta ideia, que
originalmente se deparou com a decidida resistência de interesses financeiros,
finalmente obteve aceitação só no cenário do pós guerra quando a ameaça do
socialismo tornou-se ainda mais alarmante para o sistema. Com aquela ameaça
temporariamente a recuar no presente, a oposição do capital financeiro à
"gestão da procura" não só voltou à superfície como também adquiriu
uma eficácia esmagadora uma vez que o capital financeiro se tornou internacional
ao passo que o Estado permanece uma nação-Estado.
A nova escora para o sistema que Keynes havia sugerido
deixou portanto de operar e os Estados capitalistas na actualidade, mesmo no
meio da estagnação e da crise, estão ocupados em busca da "rectificação
orçamental" e da "austeridade" (uma vez que o défice orçamental
é considerado "demasiado elevado", ao invés de promover a procura. O
capitalismo em consequência não tem no presente qualquer outra escora senão
simplesmente esperar por uma nova "bolha" de preços de activos para
ultrapassar a sua crise, razão pela qual é provável que a crise seja
prolongada. E mesmo quando possivelmente é ultrapassada por algum tempo através
do surgimento de uma nova "bolha", o estouro daquela
"bolha" mais uma vez o mergulhará numa outra crise de duração prolongada.
Temos em suma um sistema que, em termos da sua operação económica, alcançou um
beco sem saída.
Isto não quer dizer que entrará em "colapso" por
si próprio; ele necessariamente terá de ser derrubado. Mas precisamente porque
é cauteloso quanto ao possível desafio político que enfrenta no contexto da
crise económica prolongada, o sistema torna-se particularmente brutal, malévolo
e agressivo para com a classe trabalhadora e para com a generalidade dos seus
opositores.
O impacto deste novo acentuar da crise económica em curso já
é visível sobre a economia indiana. As exportações da Índia em Outubro/2014
foram de US$26,08 mil milhões, mais baixas em 5,04 por cento em comparação com
Outubro/2013. Uma vez que as importações aumentaram de US$38,08 mil milhões em
Outubro/2013 para US$39,45 mil milhões em Outubro/2014, o défice comercial
ampliou-se entre as duas datas de US$10,59 para US$13,36 mil milhões. E isto
verificou-se apesar do facto de que a factura das importações de petróleo ter
descido entre as duas datas em aproximadamente US$3 mil milhões devido ao
declínio dos preços do barril. A crise mundial, por outras palavras, enquanto
reduz os preços do petróleo e dá assim algum alívio à balança de pagamentos
indiana (o qual entretanto não pode perdurar muito se a OPEP decidir cortar a
produção), afectou o défice comercial não petrolífero da Índia bastante
significativamente, aumentando-o em quase US$6 mil milhões entre Outubro/2013 e
Outubro/2014.
Sempre que o défice comercial da Índia começa a ampliar-se,
as importações de ouro para dentro do país aumentam, porque, na antecipação de
um declínio na rúpia, os especuladores movem-se para o ouro – e isto por sua
vez amplia o défice comercial ainda mais. Isto foi o que aconteceu em 2013 e
está a começar a acontecer outra vez. Juntamente com o facto de que a
"facilidade quantitativa" ("quantitative easing") do US
Federal Reserve, a qual até agora manteve a balança de pagamentos da Índia ao
tornar possível um grande influxo de dólares, é provável que termine em breve
(e já está a diminuir), o país está em vias de enfrentar graves problemas nos
próximos dias. Isto exerceria uma pressão baixista sobre a rúpia e portanto
daria ímpeto à inflação.
Entretanto, inteiramente à parte do problema da balança de
pagamentos, o declínio nas exportações em Outubro tem sido generalizado,
afectando a maior parte dos sectores exportadores tais como engineering (9 por
cento de declínio nas exportações entre os dois períodos), drogas e produto
farmacêuticos, pedras preciosas e joalharia, algodão, tecidos feitos à mão e
tapetes, terá um impacto recessivo sobre a economia.
AS GALINHAS NEOLIBERAIS VOLTAM AO POLEIRO
As galinhas neoliberais, em suma, estão a voltar ao poleiro.
Quando a economia mundial estava a expandir-se com base na bolha habitacional
dos EUA, a Índia atingiu uma elevada taxa de crescimento do PIB ao cavalgar
este boom e, sem dúvida, foi ajudada pela sua própria "bolha interna"
em mercados de activos. Agora que o mercado mundial entrou numa crise, não só a
taxa de crescimento veio abaixo como, com problemas de balança de pagamentos a
agigantarem-se, sua redução adicional está iminente. E esta redução continuará
no futuro, uma vez que, como sugerido acima, o capitalismo mundial, ao qual a
nossa economia está jungida sob o regime neoliberal, entrou num período de
crise prolongado.
Durante a década de 1930 vários países subdesenvolvidos,
nomeadamente na América Latina, desligaram-se da economia capitalista mundial,
através da imposição de medidas proteccionistas, e experimentaram uma impressionante
"industrialização por substituição de importações". Tal desligamento,
por sua vez, exigiu como seu requisito prévio, mudanças políticas
significativas, pelas quais a velha aliança da burguesia compradora, dos
latifundiários e do capital estrangeiro foi derrubada. Por outras palavras:
períodos de crise têm testemunhado grandes mudanças económicas e políticas
dentro da estrutura do capitalismo mundial. A crise actual é provável que
também seja um arauto de grandes mudanças.
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