Arábia Saudita está destruindo o
mercado de petróleo ao vender 11,8 milhões de barris (2 milhões a mais que sua
cota) a um preço de 50-60 dólares o barril.
Nazanín Armanian (*) - http://www.cartamaior.com.br/
A
Arábia Saudita está destruindo o mercado de petróleo ao vender 11,8 milhões de
barris (dois milhões a mais que sua cota) a um preço de 50-60 dólares o barril
(d/B), ou seja, até 40 dólares menos do que alguns meses atrás. Se a baixa vai
ser temporária, só Washington poderá saber, além de Riad, já que a fórmula
oferta demanda não explica a situação: a elevada tensão e as guerras que estão
esgotando o Oriente Próximo, junto das flutuações na oferta do Iraque, Líbia,
Irã, Nigéria e Síria deveriam ter empurrado os preços para cima.
O conjunto das explicações convencionais apontam para a necessidade de a Arábia
Saudita conseguir grandes quantidades de dinheiro para realizar seus mega
projetos de construção de infraestrutura; recompensar a redução de suas
exportações para os Estados Unidos, país que aumentou sua própria produção; a
desaceleração na China e o estancamento na zona do Euro; o fracasso da
Abenomics, o projeto de reformas econômicas no Japão, lançadas pelo premiê Shi
ao Abe; a queda da tensão entre Rússia e Ucrânia e inclusive a diminuição do
avanço do Estado Islâmico no Iraque.
Parece
que desta vez uma queda no preço do petróleo não impulsionará o crescimento
econômico de seus compradores. Por sua vez, os analistas "não
convencionais", divididos em dois principais apontam o seguinte:
(A)
Um complô arquitetado pelos Estados Unidos e pela Arábia Saudita para afundar
as economias da Rússia, principal produtor de petróleo no mundo, e do Irã.
Desse modo, também castiga Moscou pela Ucrânia e Crimeia e pelo apoio a Bashar
al Assad, forçando o Kremlin a reduzir seus gastos militares. No caso do Irã,
serve para tirar vantagem de Teerã nas negociações nucleares em curso e tirar
sua força na região. Lembra 1985, quando os sauditas quintuplicaram sua
produção de 2 a 10 milhões de barris por dia e os vendeu a 10 dólares em vez
dos 32, que era seu preço, obrigando a URSS a oferecer seu barril por 6
dólares, afundando a economia planificada.
(B)
Que se trata de outro caso de dumping lançado pelos sauditas: fixar preços
predatórios com a finalidade de atingir a Rússia e o Irã, mas também os EUA por
sua "revolução do xisto". Assim, pretende conseguir contratos
interessantes na Ásia e sabotar a petição das companhias norte-americanas ao
Congresso para levantar a proibição sobre as exportações de petróleo.
O
cenário, porém, é mais complexo: em um cartel como a Organização dos Países
Exportadores de Petróleo (OPEP), um aumento da produção não tem por que
acarretar uma queda nos preços.
O
Irã, apesar de ser uma das principais reservas mundiais de petróleo, envia
somente ao mercado 800 mil barris (comparados aos 4 milhões de 1977) e a
política dos sauditas não pode lhe prejudicar mais do que as sanções da ONU,
dos EUA e da União Europeia fazem.
Se
Riad quisesse prejudicar os EUA, teria desvinculado o petróleo do dólar. Em vez
disso, reduziu os preços para seu aliado estratégico, sendo consciente de seu
status de ser “Estado cliente” e que sua existência e segurança continuam
dependendo da proteção militar do Tio Sam, que controla os sauditas, entre
outros mecanismos, mediante a venda de armas.
Que
um preço abaixo de 75 dólares não é rentável para os EUA pelo alto custo da
produção de xisto betaminoso. Seria dar como um tiro no pé.
Objetivos:
desmantelar a OPEP e salvar o petrodólar
Em
1973, Henry Kissinger sugeriu que os EUA deveriam invadir o Oriente Próximo e
dissolver a OPEP. Acabar com o controle da OPEP sobre os preços do petróleo,
fazer com que cada sócio estabeleça de forma individual para reduzir as tarifas
e impedir que utilizem outra moeda que não seja o dólar, são dois objetivos da
guerra de preços. Dois líderes que tentaram substituir a moeda verde pelo Euro,
Saddam e Kadafi, foram assassinados. Em setembro de 2000, o presidente iraquiano
anunciou a venda de seu pretróleo em Euros e em 2002 transformou os 10 bilhões
de dólares do fundo de reserva do país na ONU na moeda europeia, desvalorizando
o dólar. Os EUA querem sancionar, encurralar ou atacar todos os produtores de
petróleo para obrigá-los a usar o dólar? E o capitalismo de livre mercado?
Meses
antes da invasão do Iraque, um barril custava 15,30 dólares. Meses depois,
40,42, preço que continuou subindo sem parar, enchendo a Reserva Federal de
petrodólares. Hoje, esta situação se inverteu; o valor do dólar aumentou e o
preço do óleo bruto reduziu. Assim, ressuscitaram um dólar martirizado – cuja
fortaleza depende dos petrodólares – mais forte desde junho de 2010.
O
petróleo saudita e o dólar são dois dos pilares do domínio de Washington sobre
o mundo. Que sua moeda seja o patrão do petróleo é tão vital para os EUA que o
país pode perder um punhado de dólares e a indústria de xisto, em troca da
desestabilização da Rússia, Irã, Venezuela e Equador. Derrotar Bashar al Assad
seria a cereja do bolo.
Em
2012, Barack Obama forçou a Europa a deixar de comprar petróleo iraniano,
impedindo, entre outros fatores, a transação petróleo/euro. Guerra financeira
entre as potências ocidentais que também se refletiu nas sanções aplicadas por
Washington contra o Irã, incluindo seu Banco Central – que em 2005 tinha
convertido a metade de suas reservas de dividas em Euros – e que em setembro de
2014 foram declaradas ilegais pelo Tribunal Geral da União Europeia.
Ganhadores
e perdedores imediatos
Entre
os beneficiários do petróleo barato está a China, que compra cinco milhões de
barris por dia e é o maior cliente da Arábia Saudita. Também está aumentando
suas compras da Rússia e, pela primeira vez, da Colômbia (30 mil toneladas).
Índia e Europa também estão aproveitando do petróleo barato.
Moscou,
que aumentou seu orçamento para o próximo ano pensando em um barril de 100
dólares, com 20 ou 40 dólares a menos, sofrerá um déficit orçamentário que se
somará aos efeitos das sanções e à queda do preço do rublo. Por isso, vai atuar
a partir dos BRICS para desbancar o petrodólar do sistema financeiro mundial,
enquanto a China trabalhará para estabilizar o rublo: pedem que seus sócios
comerciais usem euro e iene. O Irã, por sua vez, já está trocando o petróleo por
bens acordados, eludindo as sanções dos EUA, pois já anunciou a criação de um
banco de desenvolvimento com a Rússia, com a finalidade de elevar suas
transações comerciais, a construção de novas usinas nucleares e aumentar a
compra do petróleo iraniano para exportar para outros países.
Novos
movimentos no tabuleiro
Apesar
de a China ter diminuído a importação de petróleo iraniano até 30% para
“melhorar suas refinarias” - e talvez porque o Irã rompera em maio do ano
passado o contrato de 2.500 milhões de dólares com a Corporação Nacional de
Petróleo da China por descumprir o mesmo (em seis anos deveria ter perfurado
185 poços), pelo primeira vez na história – os exércitos dos dois países
realizaram em setembro uma manobra conjunta no Golfo Pérsico em que participaram
Changchun e Changzhou, um destrutor e uma fragata de mísseis. O Irã é a peça
fundamental na estratégia chinesa de Marcha para o Oeste” - Ásia central, Ásia
do Sul, Oriente Médio e Oceano Índico – e em ampliar o cinturão econômico
marítimo na velha Rota da Ceda.
Longe
de isolar a Rússia, o Ocidente conseguiu a formação de novas e temíveis
alianças: uma aproximação entre Pequim e Moscou sem precedentes após a morte de
Stálin, enquanto aumenta cada vez mais a aberta inimizade entre os mandatários
e xeques sauditas.
É
o final da era do petróleo: estão sendo utilizados os últimos 25% da reserva
aproveitável, cuja oferta, se prevê, se esgotará em 25-30 anos. Diante do auge
do petróleo e dos cenários que não são possível de se antecipar, a única garantia
são os novos conflitos nas regiões produtoras de petróleo.
(*)
Nazanín Armanian é iraniana residente em Barcelona desde 1983, data em que se
exilou de seu país. Leciona em cursos on-line da Universidade de Barcelona e é
colunista do jornal on-line Publico.es.
Tradução:
Daniella Cambaúva
Créditos
da foto: Arquivo
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