terça-feira, 28 de abril de 2015

Migração, ajuda humanitária e capital

Billtacular / Flickr
Quanto mais o capital financeiro (improdutivo) rende maiores taxas para inversão, mais o capital industrial deixa de lançar novos empreendimentos.

José Carlos Peliano* - http://cartamaior.com.br/

Recentes episódios trágicos nas águas do Mediterrâneo reacenderam os alertas de movimentos humanitários na Europa. Vociferam com indignação, apelam por justiça, lutam por humanidade e bradam por dignidade

Enquanto isso a maioria dos governos não se pronuncia, finge que não é com eles, fecham os olhos e os ouvidos a uma realidade cruel, desumana, pavorosa. Poucas foram as autoridades que fizeram alguma coisa.

Segundo a Agência da ONU para os Refugiados morreram, em 2014, 3.419 migrantes que tentaram chegar à Europa. O último naufrágio se deu com um barco nas águas territoriais da Itália com 700 pessoas a bordo.

Itália e Malta têm sido os únicos países que têm colocado ao mar suas embarcações nas operações de salvamento. Neste último, um navio português foi chamado a ajudar por estar perto do barco que naufragou. O desespero das pessoas, ao virem se aproximar o navio, levou-as a se concentrarem na beirada do barco, desequilibrando-o e naufragando-o.

Tragédias humanitárias infelizmente apenas mudam de lugar, estopins e motivos. No fundo são semelhantes. Os governos negam providências duradouras e concertadas para preservar as vidas humanas.

A grande e devastadora hipocrisia é que países invadem outros por indícios frágeis, duvidosos ou mentirosos de ameaça a paz mundial, destruindo-os parcial ou maiormente, sem resolver os problemas alegados como causadores das intervenções. Inúmeros os exemplos a levantar na deprimente história dos povos.

Em contrapartida a mesma hipocrisia se traveste, mas permanece nesses países que mal se pronunciam nos incontáveis casos de imigrações forçadas por condições insuportáveis de vida em busca de países com melhores chances de sobrevivência.

O movimento de pessoas de um lugar a outro é fenômeno milenar, recorrente, variado. Obedece a fatores diversos que impedem permanecer nos locais de origem, levando à decisão sofrida de mudança de residência.

Condições naturais, como terremotos, furacões, tsunamis, secas; condições sanitárias e de saúde, como pestes, epidemias, inexistência de atendimento médico e saneamento básico; condições de vida, quais guerras, conflitos generalizados, terrorismo. Todas elas levam multidões a emigrarem em busca de sobrevivência, esperança, paz e trabalho.

Organizações humanitárias procuram amenizar de alguma forma os estragos dos movimentos migratórios. Os Médicos Sem Fronteira e a Agência da ONU para Refugiados estão entre elas. Suas ações, no entanto, servem tão somente para tratar as consequências, não as causas.

As causas de origens naturais, a grande maioria, se desdobram nas causas de origens sanitárias e de saúde. As primeiras reforçam as últimas. Nesses casos, a intervenção sobre as consequências deve ser imediata para salvar vidas e recuperar a saúde.

Já as causas de condições de vida, com predomínio e viés político, podem e devem ser combatidas na origem para estancar o conflito, evitar a reincidência e recuperar a convivência entre os povos. A ação nesses casos é duradoura, constante, multilateral.

Com exceção das causas naturais, política e economia andam juntas nos incidentes que levam à migração de pessoas e povos. Defesa de direitos reconhecidos ou não levam autoridades e dirigentes a entrarem em conflito, levando seus países e povos a sofrerem nefastas e profundas consequências.

Disputa por territórios, demarcação de fronteiras, terrorismo e tráfico de drogas, exploração predatória de recursos naturais, estratégias por competição de espaços de mercado, exploração da força-de-trabalho, entre outras, são as causas não naturais mais evidentes e predominantes.

Enquanto as migrações trágicas, como os afundamentos de embarcações, são visíveis de imediato, os movimentos de pessoas de um lugar a outro, de uma região a outra, dentro do mesmo país, por causas econômicas e políticas, são pouco ou nada visíveis. Mas com estragos emocionais, psicológicos e de saúde pronunciados e muitas vezes fatais.

Em termos gerais, os movimentos do capital pelos mercados atrás de negócios lucrativos, iguais ou superiores aos existentes, na maioria das vezes geram desequilíbrios transitórios ou permanentes nas condições objetivas de produção.

Nesses desequilíbrios estão as pessoas, os trabalhadores, afetados de uma forma ou de outra.

Os desequilíbrios aparecem na retirada dos negócios ou em sua chegada. Quando o capital se desmobiliza de uma localidade, trabalhadores e famílias são prejudicados pela falta consequente de trabalho e renda. Quando o capital se mobiliza noutra localidade, enquanto alguns trabalhadores e famílias se beneficiam por novos empregos e salários, outros são deslocados de suas atividades tradicionais juntamente com suas empresas, perdendo empregos e salários.

De fato, quem se movimenta é o capital; o trabalho apenas se acumula. O capital assenta suas bases técnicas, econômicas e organizacionais, e absorve a mão-de-obra necessária, acumulando, portanto, trabalho. O capital toma conta e administra os espaços geográficos e esquadrinha as possibilidade de trabalho, às quais correm atrás os trabalhadores.

No mundo moderno, afora as causas naturais, as migrações são provocadas pelos movimentos de expansão do capital. Quanto mais o capital desorganiza uma localidade pela desmobilização de sua produção original, quanto maior os efeitos sobre os trabalhadores e suas famílias. Quanto mais numerosa a migração para outra localidade em busca de oportunidades de trabalho.

Quanto mais o capital financeiro (improdutivo) rende maiores taxas para inversão, mais o capital industrial (produtivo) deixa de lançar novos empreendimentos para valorizar seus recursos excedentes no mercado financeiro. Quanto menos empregos potenciais criados, maior o desemprego e mais intensa a migração atrás do que restou de empregos ou atividades autônomas de trabalho.

Atrás do desemprego há sempre migração de uma empresa a outra, se houver vaga de trabalho. No mesmo bairro, de um bairro a outro, de uma cidade a outra, de uma região a outra, de um país a outro. O capital saindo na frente e o trabalho correndo atrás.

Quanto mais mecanizada a produção, seja na agricultura, indústria, comércio ou serviços, menos postos de trabalho. E maior o desemprego.

A saída do capital para reduzir o desemprego, se é que isto é de seu interesse, é continuar investindo em novos negócios e não no mercado financeiro. A saída do capital para aumentar sua lucratividade e evitar o confronto direto com os trabalhadores e seus sindicatos é a terceirização.

Mas a terceirização já existe também na migração. O capital terceiriza nela as causas da desmobilização de seus negócios e atividades. O fechamento de uma empresa, ou de algumas atividades, provocando o deslocamento de trabalhadores, é atribuído, entre justificativas possíveis, à crise econômica, à carga tributária, ao pesado valor da nova tecnologia de produção, à concorrência no mercado.

Naturais ou não naturais, as migrações até para alcançarem lugares para assentarem-se, conseguirem moradias, trabalho e renda, dependem diretamente do capital. Com a intermediação ou não da esfera política. Mas se o espaço econômico é capitalista, o capital é que dá as cartas. A ajuda humanitária cabe apenas aos abnegados.

*colaborador da Carta Maior


Créditos da foto: Billtacular / Flickr

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