Quanto mais o capital financeiro (improdutivo) rende maiores
taxas para inversão, mais o capital industrial deixa de lançar novos
empreendimentos.
José Carlos Peliano*
- http://cartamaior.com.br/
Recentes episódios trágicos nas águas do Mediterrâneo reacenderam
os alertas de movimentos humanitários na Europa. Vociferam com indignação,
apelam por justiça, lutam por humanidade e bradam por dignidade
Enquanto isso a maioria dos governos não se pronuncia, finge
que não é com eles, fecham os olhos e os ouvidos a uma realidade cruel,
desumana, pavorosa. Poucas foram as autoridades que fizeram alguma coisa.
Segundo a Agência da ONU para os Refugiados morreram, em
2014, 3.419 migrantes que tentaram chegar à Europa. O último naufrágio se deu
com um barco nas águas territoriais da Itália com 700 pessoas a bordo.
Itália e Malta têm sido os únicos países que têm colocado ao
mar suas embarcações nas operações de salvamento. Neste último, um navio
português foi chamado a ajudar por estar perto do barco que naufragou. O
desespero das pessoas, ao virem se aproximar o navio, levou-as a se
concentrarem na beirada do barco, desequilibrando-o e naufragando-o.
Tragédias humanitárias infelizmente apenas mudam de lugar,
estopins e motivos. No fundo são semelhantes. Os governos negam providências
duradouras e concertadas para preservar as vidas humanas.
A grande e devastadora hipocrisia é que países invadem
outros por indícios frágeis, duvidosos ou mentirosos de ameaça a paz mundial,
destruindo-os parcial ou maiormente, sem resolver os problemas alegados como
causadores das intervenções. Inúmeros os exemplos a levantar na deprimente
história dos povos.
Em contrapartida a mesma hipocrisia se traveste, mas
permanece nesses países que mal se pronunciam nos incontáveis casos de
imigrações forçadas por condições insuportáveis de vida em busca de países com
melhores chances de sobrevivência.
O movimento de pessoas de um lugar a outro é fenômeno
milenar, recorrente, variado. Obedece a fatores diversos que impedem permanecer
nos locais de origem, levando à decisão sofrida de mudança de residência.
Condições naturais, como terremotos, furacões, tsunamis,
secas; condições sanitárias e de saúde, como pestes, epidemias, inexistência de
atendimento médico e saneamento básico; condições de vida, quais guerras,
conflitos generalizados, terrorismo. Todas elas levam multidões a emigrarem em
busca de sobrevivência, esperança, paz e trabalho.
Organizações humanitárias procuram amenizar de alguma forma
os estragos dos movimentos migratórios. Os Médicos Sem Fronteira e a Agência da
ONU para Refugiados estão entre elas. Suas ações, no entanto, servem tão
somente para tratar as consequências, não as causas.
As causas de origens naturais, a grande maioria, se
desdobram nas causas de origens sanitárias e de saúde. As primeiras reforçam as
últimas. Nesses casos, a intervenção sobre as consequências deve ser imediata
para salvar vidas e recuperar a saúde.
Já as causas de condições de vida, com predomínio e viés
político, podem e devem ser combatidas na origem para estancar o conflito,
evitar a reincidência e recuperar a convivência entre os povos. A ação nesses
casos é duradoura, constante, multilateral.
Com exceção das causas naturais, política e economia andam
juntas nos incidentes que levam à migração de pessoas e povos. Defesa de
direitos reconhecidos ou não levam autoridades e dirigentes a entrarem em
conflito, levando seus países e povos a sofrerem nefastas e profundas
consequências.
Disputa por territórios, demarcação de fronteiras,
terrorismo e tráfico de drogas, exploração predatória de recursos naturais, estratégias
por competição de espaços de mercado, exploração da força-de-trabalho, entre
outras, são as causas não naturais mais evidentes e predominantes.
Enquanto as migrações trágicas, como os afundamentos de
embarcações, são visíveis de imediato, os movimentos de pessoas de um lugar a
outro, de uma região a outra, dentro do mesmo país, por causas econômicas e
políticas, são pouco ou nada visíveis. Mas com estragos emocionais,
psicológicos e de saúde pronunciados e muitas vezes fatais.
Em termos gerais, os movimentos do capital pelos mercados
atrás de negócios lucrativos, iguais ou superiores aos existentes, na maioria
das vezes geram desequilíbrios transitórios ou permanentes nas condições
objetivas de produção.
Nesses desequilíbrios estão as pessoas, os trabalhadores,
afetados de uma forma ou de outra.
Os desequilíbrios aparecem na retirada dos negócios ou em
sua chegada. Quando o capital se desmobiliza de uma localidade, trabalhadores e
famílias são prejudicados pela falta consequente de trabalho e renda. Quando o
capital se mobiliza noutra localidade, enquanto alguns trabalhadores e famílias
se beneficiam por novos empregos e salários, outros são deslocados de suas
atividades tradicionais juntamente com suas empresas, perdendo empregos e
salários.
De fato, quem se movimenta é o capital; o trabalho apenas se
acumula. O capital assenta suas bases técnicas, econômicas e organizacionais, e
absorve a mão-de-obra necessária, acumulando, portanto, trabalho. O capital
toma conta e administra os espaços geográficos e esquadrinha as possibilidade
de trabalho, às quais correm atrás os trabalhadores.
No mundo moderno, afora as causas naturais, as migrações são
provocadas pelos movimentos de expansão do capital. Quanto mais o capital
desorganiza uma localidade pela desmobilização de sua produção original, quanto
maior os efeitos sobre os trabalhadores e suas famílias. Quanto mais numerosa a
migração para outra localidade em busca de oportunidades de trabalho.
Quanto mais o capital financeiro (improdutivo) rende maiores
taxas para inversão, mais o capital industrial (produtivo) deixa de lançar
novos empreendimentos para valorizar seus recursos excedentes no mercado
financeiro. Quanto menos empregos potenciais criados, maior o desemprego e mais
intensa a migração atrás do que restou de empregos ou atividades autônomas de
trabalho.
Atrás do desemprego há sempre migração de uma empresa a
outra, se houver vaga de trabalho. No mesmo bairro, de um bairro a outro, de
uma cidade a outra, de uma região a outra, de um país a outro. O capital saindo
na frente e o trabalho correndo atrás.
Quanto mais mecanizada a produção, seja na agricultura,
indústria, comércio ou serviços, menos postos de trabalho. E maior o
desemprego.
A saída do capital para reduzir o desemprego, se é que isto
é de seu interesse, é continuar investindo em novos negócios e não no mercado
financeiro. A saída do capital para aumentar sua lucratividade e evitar o
confronto direto com os trabalhadores e seus sindicatos é a terceirização.
Mas a terceirização já existe também na migração. O capital
terceiriza nela as causas da desmobilização de seus negócios e atividades. O
fechamento de uma empresa, ou de algumas atividades, provocando o deslocamento
de trabalhadores, é atribuído, entre justificativas possíveis, à crise
econômica, à carga tributária, ao pesado valor da nova tecnologia de produção,
à concorrência no mercado.
Naturais ou não naturais, as migrações até para alcançarem
lugares para assentarem-se, conseguirem moradias, trabalho e renda, dependem
diretamente do capital. Com a intermediação ou não da esfera política. Mas se o
espaço econômico é capitalista, o capital é que dá as cartas. A ajuda
humanitária cabe apenas aos abnegados.
*colaborador da Carta Maior
Créditos da foto: Billtacular / Flickr
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