Ao atuar tendo como objetivo a satisfação da sede
de uma opinião pública claramente manipulada, a Polícia Federal e a justiça
tomam um caminho sem volta.
O Brasil – ou ao menos parte substancial da
sociedade – anda cada vez mais maravilhado com os passos céleres da Justiça. No
afã moralizador e punitivo tão ao gosto de uma classe média ignorante,
desinformada pelos meios de informação e deformada pelos chamados formadores de
opinião, vale tudo. Esse movimento não é de agora, há antecedentes recentes.
Bom exemplo disso foi o processo levado a cabo
durante meses, muito mais dedicado aos holofotes da transmissão ao vivo que à
busca da Justiça. Naquela ocasião, além de um julgamento feito ao gosto do
freguês, muito bem conduzido por um cidadão – o juiz Joaquim Barbosa – que
padecia evidentes sinais dos sérios efeitos de uma enfermidade grave e
terminal, a hipertrofia do ego, aconteceu um tribunal de exceção.
No fim, o país sorriu satisfeito: finalmente foi
feita Justiça. Foi?
Agora, a situação se repete, em tom mais amplo e
mais contundente. No lugar do histriônico ministro condutor da Suprema Corte, o
que temos é um jovem juiz de primeira instância, devidamente acompanhado e
amparado por um coro de jovens promotores e procuradores da mesma província. Os
métodos – digamos – bem pouco ortodoxos são evidentes: prender figurões e
mantê-los presos até que acedam ao instrumento da delação. Uma forma sutil e
delicada de tortura: ou delata, ou fica preso. Qualquer pretexto é válido:
muito mais do que uma justiça justa, o que importa é dar claras mostras ao país
de uma justiça exemplarizante. O importante é dar o exemplo. E, desta forma,
obter o aplauso morno de uma sociedade anestesiada.
Não há, é verdade, nenhuma razão para não acreditar
no que diz um delator ao afirmar que fez, sim, doações de campanha e a partidos
políticos para poder assegurar contratos bilionários. As doações foram feitas
obedecendo a todas as exigências legais. Aqui e acolá, coisas da vida, algumas
escorregadelas rumo ao caixa dois. Mas, na ampla maioria dois casos,
obedeceu-se à lei.
Só que centenas de dúvidas pairam no ar. Por
exemplo: só o maldito PT e seus malditos aliados foram beneficiados por esse
tipo de manobra? Na oposição, será que só o furibundo senador Aloisio Nunes
Ferreira e o obscuro deputado Júlio Delgado cometeram o mesmo pecadilho? Todos
os demais souberam preservar seu cuidadosamente construído perfil bonachão de
vestais à serviço da moral e da decência?
É compreensível que, por deter a presidência da
República, o PT (e seus aliados) tenham controle praticamente total sobre
estatais. Portanto, doar à sua campanha e aos partidos convém a quem quiser
preservar seus negócios. Como a oposição, a começar pelo PSDB, não exerce
controle algum sobre, por exemplo, a Petrobras, é óbvio que não participa da
lambança insistentemente apontada como ‘o maior esquema de corrupção da
história brasileira’.
Repetidas à exaustão, afirmações como essa se
consolidam em mentes e corações. E enquanto isso, ninguém, nenhum meio de
incomunicação, nenhum deformador de opinião pública atenta para uma evidência:
todos os partidos, sem uma única exceção, se beneficiam do mesmo esquema agora
imputado exclusivamente aos amaldiçoados.
O PSDB, por exemplo, não tem influência alguma na
Petrobras mas governa o estado mais rico e poderoso do país, e até o ano
passado governava Minas Gerais. Será que nenhuma grande obra foi realizada
nesse período? Será que as grandes empreiteiras só foram vítimas dessa
chantagem na esfera federal? Em estados e municípios, alguns riquíssimos, todos
os contratos são exemplos angelicais de perfeição moral?
Outra coisa: será que ninguém vai mencionar a
verdadeira origem desse panorama conspurcado em todos – todos – os níveis da
administração pública brasileira, de Câmaras de Vereadores ao Congresso
Nacional, passando por prefeituras, governos estaduais e a própria Presidência
da República? Será que ninguém pretende colocar na mesa de discussão o
verdadeiro alcance dos investimentos feitos pelas empresas de todos os ramos,
disfarçados de doações eleitorais e políticas?
Ninguém é ingênuo, ninguém é inocente nesse minueto
alucinado: empresas investem em candidaturas pensando no próprio futuro.
Partidos políticos aceitam essa dinheirama sabendo que a conta terá de ser paga
mais adiante. A cada ‘doação’ corresponde um contrato. Não existisse a figura
esdrúxula da ‘doação empresarial’, e o cenário seria outro, bem outro.
Ao mesmo tempo, se não fosse a sanha moralizante de
uma justiça provinciana que não tem limites, aliada e insuflada por agentes que
vão dos ressentidos da derrota nas urnas aos responsáveis por vazamentos
irresponsáveis e especialmente dirigidos, a Justiça não estaria sendo vexada a
cada dia.
Ao atuar tendo como objetivo exclusivo o de
satisfazer a sede de uma opinião pública claramente manipulada, todos e cada um
dos passos dados pela justiça e pela polícia federal que obviamente,
indiscutivelmente, age de maneira parcial, o que está sendo pintado é um quadro
feio. Bem feio. E que poderá se transformar num monstrengo horroroso. E então,
será tarde demais.
Créditos da foto: EBC
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