O Programa Cisternas sofrerá um
corte de R$210 milhões para R$140 milhões. Outros R$132 milhões serão cortados
do Programa de Aquisição de Alimentos
Najar Tubino // www.cartamaior.com.br
Vinte mil sertanejos e sertanejas
saíram às ruas de Juazeiro (BA) e Petrolina (PE) para protestar contra os
cortes nos programas que deram uma nova opção de vida aos 25 milhões de brasileiros que vivem no campo nos nove estados que compõem o bioma caatinga. Esta
é uma notícia que poucos terão acesso, basicamente, na região envolvida. O
desprezo da oligarquia da mídia neste caso é literal: a oligarquia também é
proprietária das emissoras de televisão, das rádios e de alguns jornais. O
Nordeste completa quatro anos de seca e a previsão do INPE é para o
prosseguimento nos próximos dois meses de 2016. Trata-se de um El Niño de
grande intensidade equivalente ao de 1998, quando o abastecimento de água na
região sofreu um colapso.
A Articulação no Semiárido
Brasileiro (ASA), que é composta por mais de três mil organizações sociais,
lançou um alerta de emergência nos últimos dias. Em 2015 pouco mais de 2.400
cisternas de consumo humano foram construídas, quase nada perto das 80 mil de
2014. O Programa Cisternas, coordenado pelo MDS, sofrerá um corte de R$210
milhões para R$140 milhões. Além disso, outros R$132 milhões serão cortados do
Programa de Aquisição de Alimentos (PAA).
“- O semiárido atravessa uma das
mais severas e duradouras secas dos últimos anos. Mortes, êxodo, saques, filas
intermináveis de pessoas para receber uma lata d’água ficaram na história como
uma marca desumana das políticas. A virada dessa realidade se deu graças ao
protagonismo do povo do semiárido aliado a essas políticas públicas adequadas.
Reduzir esses programas sociais é cometer um dos maiores retrocessos na
história do país e do semiárido brasileiro...em outras palavras: os pobres são
mais uma vez condenados à fome e à sede porque o Congresso assim o decide”.
1,7 milhões de famílias com 4,2%
das terras
Os R$10 bilhões que o relator da
Comissão de Orçamento pretendia retirar do programa, não ocorreram. O corte
atingiria 11 milhões de crianças e adolescentes. Mas as escolas rurais no
semiárido estão fechando, o orçamento do Instituto Nacional do Semiárido (INSA)
foi reduzido e ainda querem tirar a autonomia de pesquisa da entidade. A
reforma agrária está parada no semiárido, porque uma portaria do INCRA proíbe a
desapropriação de latifúndios na região onde é decretado o estado de emergência.
No Semiárido, onde se concentra quase a metade da agricultura familiar
brasileira, 1,7 milhões de famílias detêm 4,2% da terra, enquanto 1,3% dos
estabelecimentos abocanham 38% das terras agriculturáveis.
Concentração de terra, de água,
de riqueza, de poder, de conhecimento, política de combate à seca, doações
esmolas, estes os atributos das políticas implantadas no nordeste brasileiros
desde que o Império era a forma de governo. Qual foi a mudança nos últimos 13
anos? As políticas de convivência com o semiárido, o protagonismo social, o
reconhecimento do papel das mulheres na execução dos programas, o
reconhecimento do saber do povo, 45 tecnologias de captação de água e outras
formas de proteger o solo, a biodiversidade, as nascentes, deste que é o único
bioma genuinamente brasileiro.
Não vamos permitir o retrocesso
O nível dos reservatórios do
semiárido está na faixa de 17%, é uma situação de extrema preocupação,
reforçada pelas previsões da continuidade do El Nino que deve se estender até
março. O colapso do abastecimento só não ocorreu porque são mais de um milhão
de cisternas construídas, sem contar outras 135 mil tecnologias de captação de
água para produção de alimentos. A comparação é a seguinte: 35 bilhões de
litros de água nas barragens e açudes construídos no Nordeste, muitos em terras
privadas ou sob controle da oligarquia. E 11 bilhões de litros d’água
acumulados nas cisternas construídas.
“- Se não queremos voltar a
integrar o Mapa da Fome da ONU, as políticas de convivência com o semiárido
terão que ser garantidas e ampliadas. A eleição realizada em 2014 não se
configurou para nós como simples eleição de uma pessoa. Escolhemos um programa
de governo, que incluía as políticas de convivência com o semiárido. Lutar e
defender a manutenção e ampliação dos nossos direitos e das políticas públicas
que conquistamos com muito sofrimento. Não vamos permitir o retrocesso, a volta
da fome e da miséria no semiárido e no Brasil”, diz o trecho da nota da ASA.
Caatinga só tem 1% preservado
O bioma caatinga está entre os
mais vulneráveis num cenário de aumento das temperaturas globais o que coloca a
região Nordeste em especial estado de alerta, registra o pesquisador Paulo
Nobre no livro Desertificação de Mudanças Climáticas no Semiárido Brasileiro, produzido
pelo INSA e o MCTI. Cita o caso do Vale do rio Pajeú, em Pernambuco, onde oito
postos pluviométricos marcaram no período de 1961-2009 a diminuição média de
275 mm por ano de chuva, o que corresponde a uma queda de 57%. A caatinga só
tem 1% de unidade de conservação com proteção total.
Tudo isso faz parte do poder
político da oligarquia, que continua presente na história atual da região.
Vamos a um caso concreto – da família Coelho que é considerada a oligarquia
mais longeva do sertão do rio São Francisco. O pesquisador em ciências sociais
da Universidade Federal do Rio Grande do Norte, Ruyter Antônio Bezerra dos
Santos, fez o retrato desse poder na tese de pós-graduação intitulada “Nas
sombras da família Coelho: a dinâmica de uma dominação política”, de 2013.
Começou em 1745, quando o
aristocrata Valério Coelho Rodrigues ganhou uma parte de uma sesmaria. E foi
organizada no século XX por Clementino Coelho, comerciante da região, conhecido
por Coronel Quelê, pai do ex-senador Nilo Coelho, um dos apoiadores da
ditadura, governador imposto no período negro da história brasileira –
1967-1971, que dá nome ao Perímetro de Irrigação, que distribui água para a
fruticultura industrial da região, onde a Monsanto mantém duas fazendas e um
centro de pesquisa. Dos 14 filhos do coronel Quelê, sete entraram na política,
que neste caso é uma ramo de negócio, responsável por administrar todos os
recursos públicos federais, estaduais e municipais, em prol da oligarquia, como
inventaram os gregos no período clássico – o governo de poucos para poucos.
Prefeitura de Petrolina
controlada desde 1955
A máquina política abre as portas
dos negócios em outras atividades. As gerações vão se sucedendo e o controle
continua o mesmo. A prefeitura de Petrolina é administrada pelos Coelho desde
1955, mesmo um uma dissidência aberta por um membro da terceira geração, o
atual senador Francisco Bezerra Coelho, neto do coronel Quelê, ex-ministro da
Integração Nacional, do PSB, mas que já foi do PSD, sucessor da Arena, do PMDB
e do PPS. Para a oligarquia os partidos são siglas, logotipos. A briga com o
tio Oswaldo Coelho é um teatro para leigos. Quando Francisco Bezerra Coelho era
ministro deu o cargo de consultor do Conselho Nacional de Irrigação para o tio
e a chefia da Companhia de Desenvolvimento dos vales dos São Francisco e
Parnaíba (CODEVASF) para o irmão Clementino.
Em Petrolina, Oswaldo, que se
considera o chefe político da família, apoiou outro candidato à prefeitura, mas
colocou o filho Guilherme como vice. Ruyter fez uma análise das últimas
eleições na cidade e mais de 88% dos votos do eleitorado são controlados pelos
Coelho. Oswaldo é o fiel sucessor da Arena-PFL-DEM e ganhou uma concessão de
televisão e uma rádio FM do falecido oligarca baiano, Antônio Magalhães, quando
este foi o ministro das comunicações, quando o oligarca José Sarney era o
presidente nomeado.
A máquina política funciona como
uma empresa
A CODEVASF é dominada pelos
Coelho desde a sua criação em 1974 – na região de Petrolina, onde estão
implantas as políticas públicas do agronegócio, com commodities de exportação –
manga, uva, goiaba- e a Miolo produz vinhos finos no Lago de Sobradinho, o
maior da América Latina e que estão quase no volume morto. Mas ela é á
responsável por programas de fomento em outras áreas, como sanidade, saúde e
educação, e tem um orçamento de R$3,5 bi, que também foi cortado em 2015. O
pesquisador da UFRN enfatiza em sua tese que a oligarquia tem uma máquina que
funciona como uma empresa, com tentáculos em todas as áreas, desde a nomeação
de funcionários públicos, até os cargos de confiança, que são indicados por
políticos. Os escritórios dos membros da família Coelho funcionam
permanentemente, independe de anos eleitorais.
Oswaldo Coelho ainda controla os
chamados partidos nanicos na cidade, colocando em seus quadros filhos,
sobrinhos, irmãos, primos e uma vastíssima clientela formada ao longo dos anos
de poder tais como: seus empregados, ex-empregados, funcionários públicos de
todos os escalões, bancários, sindicalistas e etc.
Sobrenome é um passaporte
Nilo Coelho analisava a
contratação de funcionários públicos pessoalmente, tinha que passar pelo crivo
dele.
“- Esses são os liberais
brasileiros. Vivem de política e fazem dela a sua sobrevivência. Às vezes,
esses jovens que são escolhidos para esta ‘missão tão nobre, que é a política
demonstram não possuírem a mínima vocação para tal. Há casos em que alguns
vivem só de renda dos negócios familiares, nunca se envolveram na sua
administração, nenhuma experiência profissional, carregam consigo o sobrenome
como um passaporte para o olimpo”, registra o pesquisador Ruyter Bezerra dos
Santos.
Fernando Bezerra tem dois
descentes na política – Fernando Coelho Filho é deputado federal e Miguel é
deputado estadual. O Brasil carrega esse fardo das oligarquias, como uma praga
secular e quando começa a ser desmantelada com políticas públicas, que dão
poder aos brasileiros ,que nunca tiveram acesso a nada, sofre um ajuste
neoliberal. Fernando Bezerra já tinha expressado seu papel de oligarca moderno,
quando trouxe para o Brasil uma indústria italiana que produziu cisternas de
PVC, consideradas mais baratas, que seriam doadas aos cidadãos do semiárido e
das periferias de cidade, dando continuidade ao poder da oligarquia. Doação por
voto é a equação.
Não suportam a independência dos
sertanejos
Porque a indústria da seca, que
na verdade é constituída pelas famílias tradicionais do nordeste como Sarney,
Magalhães, Alves, Mendonça, Coelho e tantas outras não suporta a independência
dos sertanejos, o cartão eletrônico do Bolsa Família, que as próprias crianças
podem sacar o dinheiro e a entender que algo mudou na história. Os
pesquisadores da Universidade Federal da Paraíba – Flávia Ferreira Pires,
Cristiane Rocha Falcão e Antonio Luiz da Silva- fizeram uma trabalho sobre a
visão das crianças sobre o Bolsa Família em Catingueira, sertão do estado, com
pouco mais de quatro mil habitantes, onde 62% recebem recurso do programa. As
crianças de 6 a 8 anos, 9 a 10 anos e 11 e 12 anos desenharam, deram
depoimentos e comentaram sobre a importância do programa. Os pesquisadores
residiram nas casas dos entrevistados durante a pesquisa.
Ele é usado para comprar “o
grosso” da alimentação, para quem nele a única renda, ou então mais frutas,
legumes e outras coisas boas, como disse na redação de Sebastião de 11 anos:
“- O Bolsa Família é uma ajuda
boa para a minha família e a minha educação. Traz para a minha casa uma grande
alegria, nunca nos faltou nada e ainda deu para comprar a minha bicicleta e
pagar as contas.”
A aluna Maiara, de sete anos,
desenhou uma bolsa para retratar o Bolsa Família e fez a seguinte definição ao
ser perguntada sobre o que era o programa:
“- É quando você está cheio de
dinheiro e não pode faltar na escola”.
A oligarquia tem medo é do futuro,
quando esses brasileiros assumirem o poder na região.
Créditos da foto: Fernando Frazão
/ Agência Brasil
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