O gesso e as placas utilizadas em
tetos, banheiros e cozinhas vêm da Chapada do Araripe (PE), onde 80% da
vegetação da caatinga foram queimadas.
Najar Tubino // www.cartamaior.com.br
Ouricuri (PE) – A caatinga está
verde no sertão de Pernambuco, com as chuvas que caíram em janeiro. A esperança
dos sertanejos, reunidos na Caravana Agroecógica e Cultural organizada pela
Articulação Nacional de Agroecologia (ANA), em parceria com as organizações
sociais Caatinga – presente a 25 anos na região-, da ASA e da Universidade
Federal Rural de Pernambuco é que ela continue em março. O milho e o feijão já
nasceram, mas correm o risco de secar, se a chuva não chegar, encerrando um
ciclo de quatro anos seguidos de estiagem.
A Chapada do Araripe está no
extremo oeste do estado, no limite com o Ceará e o Piauí, conta com 11
municípios, uma população de 231 mil habitantes, conhecido nacionalmente pelo
gesso industrial e agrícola aqui produzido. Uma história de desenvolvimento
concentrado, que beneficia uma minoria, já reduziu 80% da vegetação da
caatinga, para ser queimada nos fornos das calcinadoras. O mineral gipsita
encontrado na Chapada do Araripe tem uma pureza entre 88 e 98%, a mais alta do
mundo. Esta também é uma história que envolve êxodo rural, poluição
atmosférica, destruição de solos e comunidades de agricultores familiares,
prostituição infantil, drogas e alcoolismo.
Essência da caravana é mostrar a
realidade
Esses assuntos foram discutidos
durante a abertura da Caravana Agroecológica por 120 participantes de vários
estados- Bahia, Ceará, Piauí, Rio Grande do Norte, Sergipe e Minas Gerais. A
região também faz parte do estudo “Promovendo Agricultura em Rede”, projeto da
ANA com o apoio do BNDES e da Fundação Banco do Brasil. Foram estabelecidas
quatro rotas de visitas no campo, para conhecer os problemas enfrentados pelos
agricultores e agricultoras familiares com a chegada da indústria do gesso, de
grandes obras como a Transnordestina e da pecuária, que substitui a vegetação
da caatinga por pasto. A essência da Caravana Agroecológica é esta: retratar o
perfil da região, dos sistemas de produção, detalhar a produção agroecológica e
mostrar o sofrimento das comunidades com o avanço do capitalismo selvagem que
sempre impera no Brasil rural.
O caso do Polo Gesseiro do Sertão
do Araripe, porque as minas estão localizadas no vale, e não na serra, é um
exemplo amplamente deseducativo. O governo de Pernambuco apresenta como um
arranjo produtivo local, que gera 12 mil empregos diretos outro tanto indireto,
em 42 minas, 174 indústrias de calcinação – o minério é derretido para produzir
o gesso –e 750 indústrias de pré-moldados, uma avaliação do Instituto
Tecnológico de Pernambuco para um simpósio da chamada cadeia produtiva
realizado em 2014. Os dados são sempre jogados para cima. Mesmo assim, o
documento do evento ressalta:
“- Esse cenário – do desmatamento
da caatinga – coloca o Araripe como área susceptível à desertificação e suas
consequências nos aspectos sociais, e ambientais e econômicos”.
Como vive uma família vizinha da
fábrica
Anualmente o Polo Gesseiro
consome 652 mil metros cúbicos de madeira para queimar em fornos antigos, que
desperdiçam energia. O próprio documento do Simpósio ressalta: “os processos de
queima são ultrapassados com grandes perdas ambientais e econômicas”. Lógico
que a saída é plantar uma exótica, é também claro que se trata do eucalipto,
uma árvore extremamente exigente em água, que neste raciocínio insano, é
totalmente adequada para um território que está em um processo de
desertificação.
Fiz parte da Rota 4, cujo
objetivo era mostrar como vive uma família de agricultores e agricultoras
familiares, que tem como vizinho uma calcinadora de gesso. A visão do pó branco
estava disfarçada pela chuva que caiu recentemente. Mas normalmente as plantas
estão sempre cobertas de branco. Dona Dudu, de 45 anos, moradora há 40 anos no
Sítio Riacho Novo, com cinco filhos diz que volta da roça pintada de branco.
Não é apenas um caso de poluição atmosférica, que irrita a garganta, os olhos,
durante a seca. O pó de gesso penetra ao longo do tempo nos pulmões e termina
por calcinar os brônquios. Além do rejeito acumulado perto das minas que ficam
a poucos metros da comunidade de dona Dudu.
Prostituição infantil e violência
contra mulheres
Antes da instalação da fábrica
ela convocou os vizinhos para assinarem um abaixo-assinado contra a instalação
da fábrica. Saiu durante o dia para procurar o promotor e o juiz na cidade, mas
não conseguiu contato. Voltou à noite para o sítio, que fica no município de
Trindade, cerca de 30 km de Ouricuri, e estavam todos apavorados. Não queriam
mais participar do movimento. Temiam ser presos. E deu no que deu. Muitas
famílias formam embora, inclusive o agricultor que vendeu a terra à empresa,
muitos se arrependeram de não protestar e todos se queixam das consequências.
O fluxo de caminhões caçamba
carregados de pedras de gipsita é constante, as explosões nas minas – algumas
já atingiram mais de 100 metros de profundidade – provoca rachadura nas casas.
Os caminhoneiros acampam na beira de estradas, cercadas de botequins de quinta
categoria, onde mulheres e crianças são vendidas como mercadoria. A
prostituição infantil e os índices de AIDS são elevados na região. Há 15 anos o
Fórum das Mulheres do Araripe tenta junto ao governo estadual a instalação de
uma delegacia da mulher e um centro de referência ou uma casa de apoio para
mulheres agredidas.
Os trilhos separam mãe e filha
Mas a Chapada em grupos,
comunidades, cooperativas envolvidos com a agroecologia, que lutam para produzir
comida de verdade, sem agrotóxicos. A tradição da organização dos trabalhadores
e trabalhadoras sem terra é muito antiga na Chapada do Araripe. Começou na
década de 1960 com as comunidades eclesiais de base e com as ligas camponesas.
O próprio sindicato dos trabalhadores rurais tem mais de 60 anos em Ouricuri, e
a mesma linha de apoio e luta pela terra e por políticas públicas, que
beneficiam os agricultores familiares é defendida pela Federação dos
Trabalhadores na Agricultura de Pernambuco.
Nas outras rotas, os
participantes conheceram a irresponsabilidade das construtoras brasileiras,
neste trecho da Odebrecht, encarregada na construção da ferrovia
Transnordestina, que já chegou a Araripina, dentro do polo gesseiro. Os trilhos
cortam comunidades inteiras, famílias, como do seu João Henrique e de dona
Inocência, que precisa descer pelo menos 20 metros, atravessar os trilhos,
subir outros 20 metros e chegar à casa da filha, que fica dentro da propriedade
da família. Como indenização do corte de um hectare receberam R$3 mil. A
responsabilidade social das construtoras no Brasil é pré-capitalista, não
enxerga as pessoas que encontra pelo caminho. Por sinal, todo vez que você, a
senhora, o senhor, seus parentes e amigos comprarem um apartamento, casa, mansão,
não esqueça que o gesso e as placas utilizadas em tetos, em banheiros em
cozinhas vieram da Chapada do Araripe, onde 80% da vegetação da caatinga foram
queimadas.
Créditos da foto: Reprodução
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