Mais do que o 'jogo da direita', Dilma optou pelo caminho da
entrega do patrimônio público, do desmonte do Estado e do desperdício de nossas
riquezas.
Gilberto Bercovici // www.cartamaior.com.br
No último dia 24 de fevereiro de 2016, os brasileiros
assistiram estupefatos a inexplicável omissão e, logo depois, a atuação
decisiva da Presidente Dilma Rousseff na aprovação do Projeto de Lei do Senado
(PLS) nº 131/2015, de autoria do Senador José Serra (PSDB-SP), promovendo a
retirada da Petrobrás como operadora única do pré-sal.
Não tardaram a aparecer as mais variadas e esfarrapadas
justificativas, desde a eterna tecla do “governo de coalizão” à realpolitik de
botequim de que a Presidente necessitaria agradar o Presidente do Senado, Renan
Calheiros, para barrar o processo de impeachment. Em todas as enfáticas defesas
da atitude presidencial, um argumento sempre presente: aqueles que ousarem
criticar a Presidente Dilma Rousseff estarão, na realidade, “fazendo o jogo da
direita”. Quem não entende as circunstâncias do exercício do poder
presidencial, no assim chamado “presidencialismo de coalizão”, promove o
“quanto pior, melhor” e irá beneficiar apenas os setores interessados no
impeachment ou derrubada da Presidente Dilma.
O argumento do “jogo da direita”, repetido ad nauseam, nada
mais é que a atualização do terrorismo eleitoral das duas últimas eleições
presidenciais, em 2010 e 2014: ou a candidata presidencial apoiada pelo PT ou o
caos da volta dos tucanos e neoliberais. Esses argumentos se esgotaram, assim
como se esgotou nossa paciência com um governo fraco, medíocre, pusilânime e
que faz, este sim, o “jogo da direita” com maestria e crueldade.
Ao contrário do que foi amplamente prometido durante as
campanhas eleitorais de 2010 e 2014, a Presidente Dilma Rousseff não promoveu
um governo que representasse os anseios da maioria de nossa população. No
momento imediatamente posterior à proclamação dos resultados eleitorais, a
matriz da política econômica foi radicalmente alterada, com a adoção do
programa econômico dos adversários derrotados no pleito presidencial. Quem faz
o “jogo da direita”?
Ao invés de inclusão, crescimento e ampliação de direitos, o
governo federal promoveu deliberadamente um ajuste fiscal de viés marcadamente
neoliberal que destruiu a economia do país, gerando retração econômica, a maior
recessão dos últimos tempos, de cerca de 10% e com mais de 1 milhão de
desempregados, e o ataque indiscriminado aos direitos sociais, trabalhistas e
previdenciários. Quem faz o “jogo da direita”?
A Presidente Dilma Rousseff parece acreditar que a culpa da
crise e dos desajustes da economia é dos pobres deste país, omitindo-se ou
promovendo diretamente uma sucessão de medidas de restrição de direitos sociais
básicos, como as restrições ao seguro-desemprego, a proposta de limitar os
gastos do governo inclusive com a suspensão do reajuste do salário mínimo, a
reforma da Previdência voltada contra os mais humildes e dependentes dos
auxílios, nunca contra as aposentadorias excessivas de setores privilegiados do
funcionalismo público, notadamente no Poder Judiciário e no Ministério Público.
Quem faz o “jogo da direita”?
A Presidente Dilma Rousseff hoje governa não para os que a
elegeram, mas para os bancos e os rentistas da dívida pública. A taxa de juros
foi elevada a níveis que inviabilizam a atividade econômica produtiva. O país
está de joelhos, preso em uma espiral de juros sobre juros que não termina
nunca e que enriquece cada vez mais os poucos privilegiados de sempre.
Aproximadamente 500 bilhões de reais do orçamento da União estão destinados ao
pagamento dos juros da dívida pública. Os banqueiros se refastelam sobre a
miséria do povo. Quem faz o “jogo da direita”?
A Presidente Dilma Rousseff foi omissa e seu silêncio foi
eloquente quando a principal empresa do país, responsável por 10% dos
investimentos e cerca de 18% do PIB, a Petrobrás, se tornou vítima, além da
corrupção, de um articulado e gigantesco ataque especulativo, judicial e midiático.
O Governo Federal não moveu um músculo em defesa da Petrobrás, seja para
recomprar suas ações, cuja queda foi provocada deliberadamente no mercado de
capitais, seja para mostrar ao povo brasileiro que a Petrobrás é uma empresa
saudável, capaz de cumprir seus compromissos e essencial ao desenvolvimento do
país. A resposta à maciça campanha de desmoralização e destruição da Petrobrás
é o silêncio. Quem faz o “jogo da direita”?
A Presidente Dilma Rousseff e o seu governo não promovem a
efetiva defesa da Petrobrás junto à justiça norte-americana. A lei
anticorrupção dos Estados Unidos não se estende a governos estrangeiros. A
Petrobrás é um órgão do governo, uma empresa estatal, uma sociedade de economia
mista integrante da Administração Pública Indireta federal, vítima de um
esquema de corrupção. Em relação aos processos nos Estados Unidos, cujo
resultado pode ser a condenação indevida da Petrobrás em bilhões de dólares, a
atitude do Governo Federal foi novamente a omissão e a desídia, como se esta
questão não fosse de seu interesse. Quem faz o “jogo da direita”?
A Presidente Dilma Rousseff nomeou duas diretorias distintas
para a Petrobrás, ambas com o mesmo objetivo: o desmonte parcial da empresa,
sua “privatização branca”. A venda de ativos da estatal não é uma novidade de
Ademir Bendine, já era promovida por Graça Foster. A atual diretoria da
Petrobrás, nomeada pela Presidente Dilma Rousseff, portanto, com o seu aval e
beneplácito, apenas aprofundou o processo, ao determinar em seu Plano de Gestão
e Negócios (2015/2019) os cortes de cerca de 76 bilhões de dólares em
investimentos e a venda de cerca de 57 bilhões de dólares em ativos, como
participações na BR Distribuidora, no setor de gás e na petroquímica. Quem faz
o “jogo da direita”?
A garantia da Petrobrás como operadora única do pré-sal faz
com que o ritmo de investimento e de produção de todos os projetos do pré-sal,
bem como a decisão sobre eventuais associações e com quem se associar,
permaneçam nas mãos da União. Isso para não mencionar as funções de controle
sobre o impacto ambiental e apuração correta da vazão e da quantidade de
petróleo extraída, todas exercidas pela Petrobrás. Ao abrir mão dessa política,
apoiando a aprovação do Projeto de Lei do Senado (PLS) nº 131/2015, de José
Serra, quem faz o “jogo da direita”?
Os apoiadores do Projeto do Senador Serra e os defensores
acríticos do Governo Federal cantam loas ao grande avanço que a Presidente
Dilma Rousseff teria conseguido em suas inexplicáveis negociações. Ao invés de
se retirar formalmente a Petrobrás da condição de operadora única do pré-sal,
ela teria uma espécie de “direito de preferência”, ou seja, escolheria primeiro
se teria interesse na exploração daquela área do pré-sal, não sendo obrigada a
atuar em todo o pré-sal. Essa proposta “light” do Projeto Serra nada mais é do
que trocar seis por meia dúzia. A entrega do pré-sal para as petroleiras
internacionais continua intacta, apenas disfarçada pela “esperteza” e
pusilanimidade de integrantes de um governo que se comprometeu publicamente, em
duas eleições seguidas, a manter o controle nacional sobre o pré-sal. Quem faz
o “jogo da direita”?
Sem a Petrobrás como operadora única do pré-sal também se
torna inviável estimular a indústria nacional, por meio das políticas de
conteúdo nacional. Políticas estas que geram empregos aqui no Brasil e
estimulam o desenvolvimento de nossa capacidade industrial. A política de
incentivo à inovação tecnológica, que gerou toda a vanguarda da Petrobrás na
exploração de petróleo em águas profundas fica também prejudicada se a estatal
deixar de ser a operadora única do pré-sal. Ao ameaçar toda a cadeia produtiva
do petróleo e parcela da nossa indústria nacional, que geram milhões de
empregos no Brasil, quem faz o “jogo da direita”?
A Petrobrás descobriu as jazidas do pré-sal a partir de suas
próprias pesquisas e com a utilização de sua própria tecnologia de exploração
em águas profundas, sem nenhuma colaboração ou auxílio externo. E as jazidas do
pré-sal apresentam risco exploratório próximo de zero, ou seja, praticamente
não há possibilidade de se furar um poço e não encontrar petróleo. Nenhuma
empresa petrolífera do mundo, estatal ou não, abriria mão dessas reservas. Não
há sentido algum em determinar que a Petrobrás perca o controle sobre as
jazidas que ela mesma descobriu e desenvolveu tecnologia própria para
explorá-las, em nome do Estado brasileiro. Que país do mundo seria capaz de
abrir mão do controle sobre esses recursos? Que governo permitiria a perda do
controle nacional sobre as reservas petrolíferas e admitiria ter sua exploração
ditada a partir dos interesses privados das grandes petroleiras internacionais?
Infelizmente, foi isso o que a Presidente Dilma Rousseff promoveu no último dia
24 de fevereiro de 2016. Quem faz o “jogo da direita”?
Sejam quais forem os motivos da capitulação do Governo
Federal na discussão do PLS nº 131/2015, nenhum deles justifica a traição a
milhões de cidadãos que confiaram na candidata Dilma Rousseff quando esta
prometeu por duas vezes, em 2010 e em 2014, que não abriria mão do controle
estatal sobre o pré-sal, atendendo aos interesses estratégicos brasileiros. Ao
trair seus eleitores e sua base de apoio na sociedade em troca de uma
improvável e cada vez mais cara “governabilidade”, quem faz “o jogo da
direita”?
Mais do que o “jogo da direita”, a Presidente Dilma Rousseff
optou pelo caminho da entrega do patrimônio público nacional, do desmonte do
Estado, do desperdício de nossas riquezas estratégicas. Neste caminho ela
certamente pode contar com os entreguistas, aduladores e venais de sempre.
Justamente por não fazermos ou compactuarmos com o “jogo da
direita”, este não é, nunca foi e não será jamais o nosso caminho. Nós
trilhamos um caminho absolutamente distinto. Trilhamos hoje, como ontem, o
caminho da soberania nacional e da contínua e árdua defesa dos interesses do
povo brasileiro. A soberania nacional não se negocia com ninguém, não é e não
pode ser jamais admitida como moeda de troca pela sobrevivência precária de um
governo sem rumo.
*Professor Titular de Direito Econômico e Economia Política
da Faculdade de Direito da USP
Créditos da foto: Marcelo Camargo / Agência Brasil
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