Seletivismo de setores do
Judiciário determina quem ficará impune das denúncias de corrupção. Mas essa
prática apenas muda a correlação de forças políticas e econômicas que vivem da
corrupção
por Helena Sthephanowitz, para a
RBA // http://www.redebrasilatual.com.br/
A função das penas judiciais nas
sociedades civilizadas não é apenas punir quem comete crimes. A função mais
importante é passar a mensagem para toda a sociedade de que "o crime não
compensa", dissuadindo todos de cometerem delitos. Mas essa mensagem não funciona
quando o próprio poder Judiciário deixa impune quem fica ao abrigo de alguns
intocáveis grupos de poder. A mensagem passa a ser outra: "O crime pode
compensar se não ficar do lado errado". Por aqui, o "lado certo"
para corruptos ficarem impunes tem sido o da oposição comandada por tucanos,
democratas e afins, juntamente com os milionários grupos de mídia.
Exemplo claro foi a opção do
ex-presidente do STF, Joaquim Barbosa, de priorizar o julgamento do mensalão
petista e deixar o mensalão tucano, anterior ao primeiro, para segundo plano –
e apesar de acumular inúmeras denúncias, evidências e provas.
Com arbitrariedades como essa, em
vez de diminuir a corrupção na política, Barbosa criou o caldo de cultura que
levou à eleição de um Parlamento, em 2014, que colocou o deputado Eduardo Cunha
(PMDB-RJ) na presidência da Câmara, com apoio velado das mesmas grandes
empresas de mídia que amplificaram o "mensalão" petista. Até hoje
essas forças políticas se sentem confortáveis em manter Cunha lá, pois os representam
e representam seus interesses econômicos e de poder – apesar de, igualmente,
acumular contra si denúncias, evidências e provas de envolvimento em corrupção
e recebimento de propinas.
Cunha na presidência da Câmara, e
sentindo-se do lado escolhido para permanecer impune, impôs votações de leis
que agravariam a corrupção, como a tentativa de constitucionalizar a doação
empresarial de campanha, vetada pelo STF.
A sanha de Joaquim Barbosa fez
ainda mais: enfraqueceu as bancadas progressistas nas eleições de 2014, elegeu
menos negros, menos lideranças de movimentos sociais, menos pensadores, menos
representantes da classe trabalhadora e mais milionários. Pelo menos nas
últimas legislaturas, nunca o topo da pirâmide social brasileira foi tão bem
representada na Câmara, tendo o povão tão pouco representado.
Se quando teve a oportunidade,
Barbosa tivesse priorizado também o julgamento do mensalão tucano, o PSDB
sairia da zona de conforto da impunidade e, pelo menos parte de seus membros,
apoiariam uma reforma política de verdade, que reduzisse a influência do poder
econômico corruptor e que aumentasse a participação popular.
Constatado o erro histórico das
escolhas políticas de Barbosa na hora de priorizar processos, vemos o mesmo
erro em curso na Operação Lava Jato, com conseqüências muito mais ruinosas à
nação. É o caso da inusitada votação no Senado para colocar em urgência a
entrega do petróleo descoberto no pré-sal para petroleiras estrangeiras, de
autoria do Senador José Serra (PSDB-SP).
Muitos senadores citados ou
investigados na Lava Jato como supostos beneficiários de contratos na
Petrobras, agora que a empresa é vigiada, votaram contra a estatal brasileira e
a favor de petroleiras estrangeiras, que estão fora do alcance dos órgãos de
controle nacionais.
Empresas estrangeiras, que já
patrocinaram guerras e golpes de estado mundo afora, mantêm seus lobistas e
operadores também atuando no Brasil, pressionando (e talvez corrompendo) por
seus interesses econômicos bancadas no Legislativo e grupos de mídia que, por
sua vez, exercem forte influência na pauta do Judiciário.
Nem estamos acusando de
ilegalidades, mas apenas falamos de pressão por todos os meios que, até onde
são visíveis, podem até estar dentro da lei. Porém, é claro que há suspeitas de
que interesses escusos também podem estar sendo saciados clandestinamente.
Na Lava Jato, investigações sobre
petistas são priorizadas a jato. Sobre tucanos, ou não vem ao caso, ou são
engavetadas a jato ou jogadas para segundo plano. Investigações que lincham a
imagem da Petrobras, inclusive alimentando processos movidos no exterior contra
a empresa, andam a jato. Sobre empresas estrangeiras que pagaram propinas a
diretores corruptos da estatal, se é que está havendo alguma investigação
profunda de fato, são cercadas de sigilo e há todo um cuidado especial de não
expor à execração pública.
A mesma diferença de tratamento
ocorre com empreiteiras brasileiras, que devem, sim, ser investigadas e punidas
pelo que ficar comprovado, mas os mesmos pesos e medidas devem ser aplicados às
concorrentes estrangeiras envolvidas em malfeitos.
Essa seleção de quem deve ser ou
não ser investigado, que são escolhas sobretudo políticas, é que determinam
quem ficará impune ou não. Mas essa prática não ataca o sistema e não reduz a
corrupção. Apenas muda a correlação de forças políticas e econômicas que vivem
da corrupção. Os corruptos mudam para o lado do dinheiro sujo impune, e os
corruptores, que agem nas sombras, mudam o modo de operar para dar ar de
legalidade na obtenção de vantagens.
Não será surpresa se, daqui a
pouco tempo, um ex-diretor corrupto da Petrobras, premiado com acordo de
delação, se mudar para Miami ou Houston, assim que a Justiça permitir, e ser
contratado como executivo de alguma petroleira estrangeira, recebendo polpudos
bônus pelo sucesso dos resultados obtidos na exploração do pré-sal no Brasil.
Tudo "dentro da lei". Outros abrirão suas consultorias lá, onde o
lobby é legalizado e conta com um arcabouço jurídico para sua proteção.
Não será surpresa se algum
ex-doleiro vier a ser contratado com "head hunter" em Miami de alguma
petroleira estrangeira, para caçar "talentos", coincidentemente
encontrados entre filhos ou netos de deputados ou senadores que votaram pela
entrega do pré-sal. Tudo "dentro da lei".
Para dar um exemplo real deste
tipo de meritocracia tucana, um dos filhos do governador Geraldo Alckmin
(PSDB-SP) é executivo do Banco Santander no México. O fato de o pai ter
privatizado o Banespa para o Santander é apenas coincidência perante a lei.
O Santander também comprou por um
valor astronômico a empresa argentina Patagon após Verônica Serra, filha do
senador José Serra, virar sócia. Meritocracia tucana.
Na Itália, a operação Mãos Limpas
levou ao poder Berlusconi. No Brasil, o seletivismo do "mensalão"
levou Eduardo Cunha à presidência da Câmara. Nesse ritmo de seletivismo
judiciário na Lava Jato, a entrega do pré-sal a estrangeiros fará o
"petrolão" parecer "petrolinho" diante do
"petrolón" transnacional que já está dando sinais de vida.
Será que é pedir demais que se
combata a corrupção no Brasil como um todo, para haver mudanças de fato, e sem
lesar a pátria?
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