A censura agora veste toga
Arnaldo César (*)
Estarrecidos com a barbárie cometida contra uma jovem carioca de 16 anos, estuprada por 30 boçais, numa favela de Jacarepaguá ou perplexos com a voracidade com que direitos e conquistas sociais passaram a ser subtraídos, nos últimos dias, talvez, poucos se deram conta do que acaba de acontecer com o editor deste blog, o jornalista Marcelo Auler.
No sábado (dia 28), O Globo deu uma pequena nota de pé página, para informar que os juízes Nei Roberto de Barros Guimarães, do 8º Juizado Especial Cível e Vanessa Bassani, do 12º Juizado Especial Cível, ambos de Curitiba, determinaram que 10 matérias fossem retiradas deste blog.
Os textos em questão tratavam de vazamentos e desmandos ocorridos, dentro da Polícia Federal do Paraná, no curso das investigações da Lava Jato, das qual participam os delegados Erika Marena e Maurício Moscardi Grillo.
Sem ouvir o jornalista e muito menos preocupados em analisar a montanha de provas por ele levantada, além de determinar a retirada de oito matérias, a juíza Vanessa impediu o jornalista que não mais divulgue novas matérias em seu blog com o conteúdo capaz de ser interpretado como ofensivo ao reclamante (o DPF Moscardi).
Atrevimento – A verdade é que censura ao direto de informar e ser informado nunca acabou no Brasil. Ela se sofisticou. Assim como os golpes de estado, não é mais urdida nos quartéis e sim nos tribunais. No ano passado, de acordo com a contabilidade da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj), oito jornalistas foram condenados ou impedidos por juízes de diferentes instâncias, simplesmente, por que exerceram jornalismo de verdade.
O caso mais emblemático aconteceu na cidade de São José do Rio Preto, no interior de São Paulo. O juiz Dasser Lettiére Júnior, da 4ª Vara Federal, autorizou a quebra do sigilo telefônico do jornalista Allan de Abreu, do jornal Diário da Região. O crime deste profissional foi ter divulgado uma reportagem sobre a “Operação Tamburutaca” da Polícia Federal que desbaratou irregularidades cometidas na Delegacia Regional do Trabalho daquela cidade.
Profissional talentoso, com passagens por todas as grandes redações do País e laureado com dois Prêmios Esso, Marcelo Auler é um daqueles poucos românticos que acredita no papel social do jornalismo. Por conta própria, criou um blog na Internet e, messianicamente, passou a cobrir os bastidores do assunto mais momentoso do Brasil: a “Operação Lava Jato”.
Na contramão de boa parte da grande mídia passou a mostrar que, apesar da importância incontestável desta ação no combate à corrupção, uma série de desmandos, vazamentos, injustiças são cometidas nos bastidores desta Operação. Por tamanho “atrevimento” mereceu a pronta punição proferida pela dupla de togados paranaenses, Nei e Vanessa.
Decapitado – É muito provável que associações de classe, como a ABI e a FENAJ, incorporem este episódio do Marcelo em suas escabrosas estatísticas de violência contra a liberdade de imprensa. O uso do adjetivo escabroso não é nenhum exagero.
Continua vivo na memória, o bárbaro assassinato do jornalista Ivany Metkzer, na cidade de Padre Paraíso, no Vale do Jequitinhonha. Em Minas Gerais. Por se atrever a denunciar uma quadrilha que fazia tráfico de drogas e prostituição infantil, naquela região, foi torturado e morto. Sua cabeça foi decapitada.
Para quem insiste em militar e viver do jornalismo virar estatística não basta. A Lei de Imprensa promulgada, em 1967, durante o regime ditatorial foi revogada, em 2009, pelo STF. De lá para cá, a liberdade de informar passou a depender das interpretações subjetivas de um magistrado. Foi o que aconteceu, no ano passado, com Allan de São José do Rio Preto e, agora, com Marcelo Auler.
Como mudar isso? Neste momento de golpes chinfrins e de usurpação de direitos, não há como falar em defesa da liberdade de expressão.Temos antes que tratar de resgatar a democracia.
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