Luis Nassif // http://jornalggn.com.br/
Definição 1 – os novos inquilinos do poder
Há dois grupos nítidos dentre os novos inquilinos do poder.
Um, o PMDB de Michel Temer, Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira de Lima e Romero Jucá, grupo notório. O outro, um agrupamento em que se somam grupos de mídia, Judiciário, Ministério Público Federal e mercadistas do PSDB. Vamos chama-los de PSDB cover, pois inclui as alas paulistas e os mercadistas cariocas do PSDB. A banda de Aécio Neves é carta fora do baralho.
Por vezes, o PSDB cover provoca indignação. Já o grupo de Temer provoca vergonha, um sentimento amplo de humilhação de assistir o país governado por grupo tão suspeito, primário e truculento. E menciono esse sentimento não como uma expressão individual de repulsa, mas como um ingrediente político que será decisivo nos desdobramentos políticos pós-impeachment, que rabisco no final.
O grupo de Temer quer se apropriar do orçamento com vistas às próximas eleições. O PSDB cover quer se valer da oportunidade para reeditar as grandes tacadas do Real.
Temer e seu grupo são mantidos na rédea curta, com denúncias periódicas para mostrar quem tem o controle do processo. Deles se exige espaço amplo para as articulações financeiras do PSDB cover e o trabalho sujo para desmontar qualquer possibilidade da oposição nas próximas eleições.
Definição 2 - a estratégia econômica
Ao longo de 2013 e 2014 Dilma perdeu o foco da política econômica e deu início à sequência de isenções fiscais, arrebentando com as contas públicas. No final de 2014 havia um grande passivo das chamadas “pedaladas”.
Um pouco antes de vencer as eleições, Dilma anunciou publicamente a substituição do Ministro da Fazenda Guido Mantega por Joaquim Levy, provocando ressentimentos em Mantega.
Passadas as eleições, foi aconselhada a zerar os passivos ainda em 2014.
Demitido em público, mas ainda Ministro, Mantega recusou-se a tomar as medidas necessárias. Indicado Ministro, mas ainda não empossado, Joaquim Levy também preferiu postergar.
Assumindo Levy, Dilma anuncia a estratégia da chamada contração fiscal expansionista. Ou seja, um enorme choque fiscal que devolveria a confiança aos agentes econômicos que voltariam a investir.
Os empresários ficariam tão encantados com o choque fiscal que nem ligariam para a queda da demanda, aumento da capacidade ociosa, taxas de juros estratosféricas. Como diria Gil, “andar com fé eu vou”. E fomos.
O primeiro desastre foi o anúncio do plano a seco, como primeira manifestação de Dilma. Foi um suicídio político.
No meio do ano estava claro o fracasso da estratégia que, ao derrubar ainda mais a economia, ampliou a recessão, a queda de receitas e, consequentemente, os desajustes fiscais.
Passou-se todo o segundo semestre discutindo a revisão da política, sem que nada fosse feito. Levy acabou saindo antes deixando armada a bomba fiscal e a política.
Mudou-se a estratégia para a flexibilização fiscal reformista.
Consistiria no governo assumir um resultado fiscal menor no curto prazo, para absorver a perda de receita. E, para reconquistar a confiança do mercado, em vez do ajuste fiscal, uma reforma fiscal.
Flexibilizaria no curto prazo, para devolver um pouco de fôlego à economia. E acenaria com reformas de médio prazo, visando devolver a confiança no equilíbrio fiscal.
Em dezembro de 2015 a fogueira política parecia ter refluído. A proposta foi apresentada em janeiro de 2016, com os seguintes ingredientes:
1. Pedido de autorização do Congresso para um déficit maior.
2. Limites de gastos orçamentários.
3. Reforma da Previdência.
Na proposta Nelson Barbosa, os limites de gastos orçamentários seriam definidos a cada quatro anos pelo Congresso. Substituir-se-iam os gastos obrigatórios por metas obrigatórias a serem alcançadas. Seja qual fosse o resultado, haveria a possibilidade de correção de rumos a cada quatro anos.
Em relação à Previdência, haveria um aumento na idade mínima, mas com uma longa regra de transição, de maneira a poupar quem já tivesse ingressado no mercado de trabalho.
Mas, àquela altura, a governabilidade já tinha ido para o espaço, graças à combinação da Lava Jato com Eduardo Cunha. A cada semana, a Lava Jato soltava uma bomba política e, após o recesso, Cunha soltava uma bomba fiscal.
A equipe de Meirelles pegou as propostas e turbinou com Red Bull.
Hiperflexibilizou no curto prazo obtendo autorização para um déficit de R$ 170 bilhões para pagar a conta do impeachment. Produzindo um buraco maior, pressionaria por reformas muito mais radicais do que as previstas pelo governo Dilma.
Em relação ao limite de gastos pretende amarrar o orçamento por 20 anos, em cima dos gastos de 2016, espremidos por dois anos de quedas de receitas. Se passar a PEC (Proposta de Emenda Constitucional), um grupo que não recebeu nenhum voto nas últimas eleições, membros interinos da junta de poder, definirá o orçamento para os próximos três presidentes da República.
Não é apenas isso.
A deterioração das contas públicas abrirá espaço para as famosas “tacadas” – termo que Rui Barbosa utilizava para as jogadas do encilhamento; e que os economistas do Real praticaram na política cambial e nas privatizações.
Os negócios estão caminhando a mil por hora.
1. De cara, haverá a rentabilíssima operação de vendas de ativos públicos depreciados. O Projeto de Lei apresentado pelo senador Tasso Jereissatti vai nessa direção, ao inviabilizar qualquer recuperação de empresa pública e colocá-la à venda sem nenhuma estratégia setorial ou de valorização dos ativos.
2. Nessa panela entrarão as vendas de participação do BNDES, com o mercado no chão.
3. Se acelerarão as concessões com margens altas de rentabilidade, abandonando de vez as veleidades de modicidade tarifária.
4. No caso da participação externa em companhias aéreas, por exemplo, havia estudos para autorizar até 49% podendo chegar a 100%, mas apenas dentro de acordos de reciprocidade com outros países. Já se mudou para autorização para 100%, sem qualquer contrapartida. Altas tacadas e altas comissões.
Estão no forno duas outras medidas complicadas. Uma, visando retirar do BNDES R$ 150 bilhões de recursos não aplicados; outra vendendo R$ 100 bi em ativos do Fundo Soberano.
No caso do BNDES, o governo Dilma tinha pronto medida colocando à disposição dos bancos comerciais os recursos não aplicados pelo BNDES, nas mesmas condições. Seria uma maneira de impedir o travamento dos investimentos.
Mesmo assim, a flexibilização do orçamento e a perspectiva do fundo do poço ter sido alcançado no primeiro trimestre, promoverá algum desafogo na economia nos próximos meses.
Definição 3 – os desdobramentos políticos
E aí se chega no busílis da questão, no xeque pastor – o mais rápido do xadrez. Vamos compor esses quebra cabeças com as peças que se têm à mão.
Lembre-se: não são apostas cravadas nas hipóteses abaixo, são possibilidades. As peças estando em determinadas posições, abrem espaço para estratégias prováveis.
Peça 1 – o reino da democracia sem voto
Hoje em dia, se está no mundo que o PSDB cover pediu aos céus: uma democracia sem votos. O exército das profundezas, organizado por Eduardo Cunha, está prestes a ser desbaratado. O poder de fato é exercido hoje pela combinação da mídia com o Ministério Público, Judiciário e Tribunal de Contas, substituindo o sufrágio popular.
Essa combinação está permitindo mudanças constitucionais, derrubada de presidentes sem obedecer às determinações constitucionais, destruição de setores e empresas em torno da bandeira genérica da luta contra a corrupção.
Peça 2 - Michel Temer é um interino inviável.
A última edição da revista Época revela mais uma ponta da parceria de Temer com o coronel da reserva da PM paulista João Baptista Lima Filho, sócio da Argeplan, incluída em obras da Eletronuclear sem possuir experiência para tal. Lima foi citado pelo presidente da Engevix como receptador de R$ 1 milhão cujo destinatário final seria Temer.
Não é a primeira menção à parceria Lima-Temer.
Anos atrás, em um processo de divórcio de um ex-gestor do porto de Santos, ao detalhar as formas como o ex-marido amealhou patrimônio, foi mencionado especificamente o que ele recebia de propinas e o que era encaminhado para Lima e Temer.
Na época, o MPF e o Judiciário pediram arquivamento do caso. Agora, Lima reaparece na delação da Engevix. À esta altura, jornalistas e procuradores estão juntando mais elementos das parcerias.
Mais que isso: se a parceria com a mídia não impediu a denúncia das relações tenebrosas de Temer, o que impedirá a colheita no manancial de escândalos protagonizados por Eliseu Padilha e Geddel Vieira Lima? E ainda não se chegou ao tema central, da delação de Marcelo Odebrecht.
Não haverá blindagem capaz de garantir Temer. É uma relação ampla de delações com seu nome obrigatoriamente envolvido. Mesmo em nome da governabilidade, não será possível passar ao largo das evidências.
Em dezembro de 2014, por exemplo, a Secretaria de Aviação Civil (SAC), não mais sob controle de Moreira Franco, anulou licitação para contratação de empresa consultiva de engenharia, para monitorar todas as atividades do Fundo Nacional de Aviação Civil. O consórcio vencedor era formado pela Engevix e pela Argeplan Arquitetura e Engenharia.
Peça 3 – as eleições indiretas
Chega-se, finalmente, à perspectiva mais imediata de xeque, que não inclui a volta de Dilma.
Primeiro, tem-se o desafio da votação do impeachment. Passando ou não, tem-se a segunda barreira, no TSE (Tribunal Superior Eleitoral).
Nos últimos dias, ventilou-se a tese Gilmar Mendes, de montar uma operação para supostamente legitimar Temer. Consistiria no TSE barrar Dilma e Temer. Pela Constituição, um mês depois haveria eleição indireta pelo Congresso, sem obrigatoriedade de candidaturas de parlamentares, mas com a promessa de Temer poder se candidatar e ser eleito.
Isto é o que se diz.
Se o custo Temer estiver muito alto, nada impedirá o PSDB cover de lançar Henrique Meirelles, abolindo os intermediários, ou alguma articulação mais ampla passar pelo presidente do Senado Renan Calheiros.
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