domingo, 28 de agosto de 2016

A CASA DOS DELÍRIOS

Nonato Menezes - Nosso Legislativo não precisa de muito tempo, a cada legislatura, para mostrar do que é capaz. E para aumentar nosso desconforto é assim, também, no Congresso Nacional, nas Legislativas estaduais e municipais do Brasil inteiro. Desgraçadamente, as exceções, aquelas que ajudam, trabalham para o bem público, são exceções mesmo.

Em pouco mais de um ano, de trabalho quase forçado, nossos Legisladores produziram três pérolas de inestimáveis valores políticos, jurídicos, administrativos e éticos.
Nada surpreendente, porém. 

Daquela chocadeira de ideias patéticas não tem surgido nada mesmo e menos ainda quando se trata de Educação Pública. 

Lá ninguém duvida da importância do nosso Ensino Público, em particular. E por isso, sobre ele e para ele, quase tudo tem sido possível, inclusive o óbvio: uma raridade.

É repetitivo, mas não custa dizer e provar que o Ensino Público do Distrito Federal é ruim. É ruim porque reprova muito, porque o desempenho é ruim, as condições de trabalho docente são precárias e agora tem uma gestão muito além de medíocre.

Mas nada disto ou do que não está citado, embora de importância semelhante, faz parte das preocupações dos nossos Legisladores. Não são itens de suas pautas, nem temas de seus discursos.

O que vem até nós da Casa do Povo – que ironia! -, salve alguns temores que provocam, em nada contribuem, a não ser reafirmar nossa inacreditável capacidade de conviver com a mediocridade. 

Ainda como projeto, a ideia da “Escola sem Partido” é uma das excrecências que pululam naquela casa. 

De tão cretina essa ideia, talvez nem chegue a se tornar Lei. Em se tornando, jamais será cumprida, pois defender escola sem partido é o mesmo que querer educação sem política ou o ser humano sem desejo de liberdade. Nada mais ineficaz, infeliz e idiota, portanto.

A segunda ideia já nos apareceu em forma de Lei, sancionada pelo governador, então. Já que ele não vetou, tornou-se cúmplice.

É a Lei nº 5.699, de 23 de agosto de 2016, cuja ementa é suficiente para mostrar a que propósito ela se presta. 

Eis a pérola: “Dispõe sobre a afixação nas salas de aula dos estabelecimentos públicos e particulares de ensino do Distrito Federal, de aviso contendo o número do telefone do Disque-Denúncia contra qualquer tipo de violência, abuso ou assédio sexual cometido contra menores de idade.”

O que esta Lei sugere não é apenas provocar intimidação aos potenciais criminosos, mas gerar um ambiente de suspeita na própria sala de aula. É um expediente abominável e de tão desprezível, contraria até o texto constitucional.

Nossa Lei de referência que deveria ser respeitada, pelo menos, proclama em seu Art. 206, Inciso II: a atividade escolar deve ser exercida com “liberdade de aprender, ensinar, pesquisar e divulgar o pensamento, a arte e o saber;”.

Alguém seria capaz, por inocente que seja, de admitir a possibilidade de aprender e ensinar livremente num ambiente pleno de suspeita? 

Contra este princípio, tão caro a todos nós, o disque-denúncia em sala de aula não passa de uma forma velada de patrulhamento, uma ideia covarde, para quem é covarde denunciar anonimamente. É uma maneira cretina de incentivar a ação dos dedos-duros, de nutrir a abjeta atitude de delatar. E isso é terrivelmente desagregador, porque alimenta um ambiente de mútua suspeita, cujo principal alvo é o professor como potencial culpado, a priori, e como eventual vítima.

E o mais triste: é acharem que este expediente, mais que fascista, seja alternativa para se enfrentar a violência no interior das escolas.

E se tudo isto for pouco, observemos o atual momento, onde basta divulgar uma “atitude suspeita”, sem nenhuma prova, para que alguém seja execrado e tenha sua reputação jogada no esgoto, cujos danos, mesmo inocente, serão insanáveis. 

Pelo visto, requerer sua inconstitucionalidade é perfeitamente plausível, cuja Ação poderia ser impetrada por nosso Sinpro/DF, por exemplo.

Ainda que em tempos de golpe, eis que renasce a esperança, também, em forma de Lei. Aquela que poderá nos fazer rir. Ou chorar. Talvez, até nos salvar.

É a Lei nº 5.703, de 23 de agosto de 2016, cuja ementa é suficiente para mostrar o quanto nossos Legisladores tratam a Educação com reverência e seriedade. A tal ponto de dispensar qualquer comentário.

A pérola, então: “Institui a semana da democracia nos estabelecimentos públicos e privados de ensino do Distrito Federal e dá outras providências.”

Por fim, com o ambiente de mútua suspeita, instalado pelo disque-denúncia em sala de aula, já pronto a acolher a “Escola sem Partido”, devo admitir que não há risco em prever professores, estudantes e comunidade em geral envolvidos num grande embate político, pelo menos na semana consagrada à Democracia. 

E se esse embate não acontecer, como tudo indica, seja instituído pela própria Escola um minuto de silêncio, uma vez por ano, em homenagem aos delírios parlamentares, especialmente àqueles que em nada contribuem para a melhoria do desempenho escolar.

E com referência específica ao projeto “Escola sem Partido”, à Lei nº 5.699, de 23 de agosto de 2016 e à Lei nº 5.703, de 23 de agosto de 2016, encontradas aqui e aqui.


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