quarta-feira, 31 de agosto de 2016

Exclusivo! Wilson Ramos Filhos: O golpe e o fascismo de hoje

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O fascismo na Itália há um século e no Brasil atual

Wilson Ramos Filho*

A farsa do impeachment terminou com 61 senadores (Canalhas! Canalhas! Canalhas!) cantando o hino nacional, demonstração de nacionalismo e patriotismo. Esse detalhe, somado aos movimentos de panacas que em verde-e-amarelo saíram aos milhares às ruas, aconselha uma reflexão a respeito de movimentos similares, ocorridos na Itália há mais de cem anos. Os discursos de alguns senadores, de fato, remetem a um jovem jornalista que empolgou as massas em nome da pátria e da nação.
Era filho de um anarquista que escolheu-lhe os prenomes em homenagem aos seus princípios políticos e aos seus valores.

Foi um jovem confuso, buscava um sincretismo bizarro entre socialismo, nacionalismo, anarquismo e anti-clericalismo. Com o desenvolvimento de sua militância, em um primeiro momento, deixou de ser anarquista, tornando-se um obstinado defensor da hierarquia, da ordem e da disciplina. Suas ideias revolucionárias lhe custaram problemas com a justiça e com a polícia, conduzindo-o ao exílio por duas oportunidades, e a algumas prisões em decorrência de sua atividade como jornalista. Nestas oportunidades aprendeu a falar francês e alemão, ganhando prestígio entre os socialistas italianos. Aos 29 anos, ao sair de uma dessas prisões, por sua postura anticlerical, revolucionária e anticapitalista, foi proclamado o "Duce" dos socialistas, e pouco depois assume Direção de Redação do Jornal Socialista Avanti, de Milão com 20 mil exemplares semanais. Meses depois da chegada do novo editor a quantidade de assinantes se viu quadruplicada.

Entusiasmado, em 1913, o jovem Benito, se apresenta como candidato a deputado, mas não foi eleito. No ano seguinte começa a Grande Guerra (1914-1918) e o jornalista, enfrentando a posição de seus companheiros, se posiciona pelo apoio aos aliados, contra os alemães, e funda um novo jornal, o "Il populo d'Italia" para defender a participação da Itália na Guerra. Esta postura belicista lhe custou a expulsão do Partido Socialista.

Na qualidade de ressentido ex-socialista criou um grupo político chamado "fascistas da ação revolucionária" fundado nos princípios da autoridade e da disciplina que pretendia conciliar patriotismo e nacionalismo com direitos sociais. Seu novo jornal, que fez um enorme sucesso alcançando rapidamente tiragem semanal de 100.000 exemplares, baseava sua linha editorial na defesa da entrada da Itália na Grande Guerra, contra os alemães, o que acabou acintecendo pouco tempo depois. Mesmo sem ter ido ao campo de batalha Mussolini foi ferido gravemente em uma explosão na cidade de Pisa, permanecendo seis meses hospitalizado, período durante o qual reelabora seu projeto político.

Aposentado por invalidez, como consequência dos ferimentos, o jovem jornalista passou a se dedicar integralmente à difusão de suas críticas às condições da reparação de guerra à Itália (muito inferiores que as destinadas à França e à Inglaterra), e a debater seus temores de que em seu país ocorresse algo semelhante ao que se passava na Alemanha naqueles primeiros meses de 1919 (período conhecido como "A Revolução Alemã" que terminou com o assassinato de Karl Liebneck e Rosa Luxemburg e com um rearranjo capitalista na Constituição de Weimar).

Ainda com um discurso ainda aparentemente "de esquerda" criou um movimento chamado Facci di Combattimento (fascismo de combate) que defendia jornada diária de oito horas, direito de voto aos 18 anos, direito de voto às mulheres, taxação do capital, confisco dos bens da Igreja, entre outras propostas, embora se enfrentasse permanentemente com seus antigos aliados socialistas.
O resultado das eleições legislativas de novembro de 1919 foi decepcionante para os fascistas. Não elegeram nenhum deputado e ainda assistiram a uma precária maioria parlamentar de socialistas (156 deputados) com a esquerda reformista (92 votos) contra 230 votos dos liberais e conservadores. Todavia alguns eventos permitiram ao jornalista voltar ao protagonismo político.

No redesenho das fronteiras que se seguiu ao final da guerra algumas regiões do norte da Itália passariam ao domínio austríaco. Houve resistência por parte de ex-militares e de parcela da população afetada que pretendia seguir incorporada à Itália. Oportunista, o jornalista líder fascista posiciona seu jornal a favor dos nacionalistas que resolveram enfrentar as deliberações do Tratado de Versailles "prejudiciais à Itália e aos italianos", postura que devolve o fascismo e seu líder para o centro dos acontecimentos políticos na península.

Em 1921 mais de duas mil greves paralizam a Itália e Mussolini percebe que parte da população a elas se opõem, e que muitos italianos temem o comunismo. Relembre-se que a Revolução Russa que eclodira quatro anos ainda estava longe de ser considerada definitivamente vitoriosa. O discurso da ordem e da hierarquia encontra cada vez mais adeptos. Os fascistas já contavam com a simpatia dos ex-combatentes que haviam sido "desmobilizados", muitos dos quais ainda desempregados, dos produtores rurais que temiam a socialização de suas terras. Alguns movimentos de Mussolini, contraditórios em relação àquilo que sempre defendera, aumentam-lhe o prestígio: declara-se monarquista e, abandonando o anticlericalismo, sustenta que a Igreja é a instituição que melhor representaria o glorioso passado da Itália, e se aproxima das teses defendidas por parte do empresariado temeroso em relação à concorrência internacional. Demais disso, passam a ser frequentes os enfrentamentos nas ruas entre fascistas (os squadristi) e socialiatas, que geraram mais de trezentas mortes e de dois mil feridos durante aquele ano. Os fascistas, contando com a cumplicidade da polícia em várias pequenas cidades e com a leniência judicial, passam a cassar os "vermelhos" nas ruas, nas escolas, nos clubes, ampliando a polarização entre a direita dos "squadristi" e a esquerda dos "rossos", dos "vermelhos" socialistas e comunistas.

Para sua sorte o governo liderado pelos socialistas convoca novas eleições contando com uma significativa ampliação de sua maioria. Não foi o que aconteceu. Pela primeira vez na história os fascistas conseguem 35 cadeiras no parlamento, e Mussolini passa a ter um mandato eleitivo, e a partir de sua posição de deputado promete aos católicos uma "solução definitiva" para as pretensões soberanistas da Santa-Sé, quando Pio XI é escolhido para suceder Bento XV, falecido no final de 1921.

Uma greve geral convocada pelos sindicatos contra os fascistas apressa o desenrolar dos acontecimentos. Mussolini dá um ultimatum ao governo exigindo que em 48 horas acabe com a greve. Enquanto isso, determina a seus liderados que mobilizem as populações para que invadam os estabelecimentos em greve. Depois de muitos enfrentamentos nas ruas a greve terminou tendo pelos maiores beneficiados o Duce, cujo prestígio ganhou dimensão nacional, e o seu partido, que ultrapassa um milhão de filiados.

Fortalecidos, os fascistas decidem fazer uma "marcha a Roma". Quatro colunas de pessoas se deslocariam a pé, convocando a população para que os acompanhassem. Mussolini ficaria em Milão, esperando o desenrolar dos fatos.

O primeiro Ministro reagiu decretando o Estado de Sítio que o autorizaria a reprimir os manifestantes. Pela Constituição italiana, todavia, o decreto só entraria em vigor com a concordância do rei. Surpreendentemente o rei se negou a autorizar a repressão. Há muitas versões e interpretações sobre essa postura do rei Victor Emmanuel, fato é, porém, que ao chegarem a Roma não foram reprimidos pelo exército, que abriam alas para que os fascistas avançassem. Diante da fragilidade dos grandes partidos em formar um governo, invocando "a vontade das ruas", o rei resolve convidar Mussolini para que tentasse organizar uma maioria parlamentar estável para governar e manda que telefonem a Mussolini - que ainda eatava em Milão - convidando-o para que fosse seu Primeiro-Ministro.

Controlando sua ansiedade o Duce se nega a atender o telefonema do rei e exige, por intermediários, um convite escrito, que acaba chegando, por telegrama, dois dias mais tarde. Calmamente o Duce deixa a Itália em expectativa até que embarca em um trem para Roma onde se apresentará ao rei não em terno e gravata, como de costume até aquela data, mas com o uniforme dos fasciatas: a camisa preta como símbolo de sua ideologia e de uma nova postura política para toda a Itália.

Com apenas 7% dos parlamentares, respaldado "na voz das ruas", os fascistas conseguiram o voto de confiança de 75% dos deputados e de 90% dos senadores. a
A partir daquele momento a Itália nunca mais foi como sempre havia sido e desde então a disputa política nunca mais seria a mesma no século que se seguiu, em vários países do mundo.

Nas eleições seguintes, em 1924, os fascistas obtiveram a maioria absoluta dos votos, depois de uma intensa mobilização popular, com grande participação da juventude italiana. O Duce, o jornalista Mussolini, doravante, seria o grande líder de massas referenciado no apoio das ruas, dos movimentos, das passeatas, dos comícios.

Com prenomes que foram escolhidos em homenagem ao mexicano Benito (Juarez) e aos anarquistas Amilcare (Cipriani) e Andrea (Costa), e com incontestável apoio popular, Benito Amilcare Andrea Mussolini se transformou em um dos homens mais influentes do mundo. Suas ideias influenciaram o nazismo que chegaria ao poder apenas dez anos mais tarde na Alemanha, inspiraram o Salazarismo em Portugal, o Franquismo na Espanha e o Intergralismo no Brasil, apenas para citar alguns países.
Mussolini foi um ditador, um facínora, um déspota a serviço do capitalismo e seu regime se constituiu na eloquência do que pode haver de pior em termos de ditaduras contra os coletivos vulneráveis marginalizados, contra oa pobres, para preservar os privilégios das elites.

O que surpreende, todavia, é que suas idéias ainda encontrem adeptos, que sua estética e sua doutrina (camisa-preta, moralismo, cristianismo, conservadorismo nos costumes, anti-esquerdismo, nacionalismo, patriotismo, autoritarismo, entre outros icônicos dísticos) ainda seduzam parcelas expressivas da população. Milhares de "pessoas de bem", muitos dos quais sem nenhuma consciência de que são fascistas, sem perceber que professam ideias muito semelhantes àquelas propagadas pelo filho do anarquista chamado Benito Amilcare Andrea Mussolini, festejaram neste dia 31 de agosto de 2016 o golpe praticado contra a democracia brasileira.

Muitos dos que aplaudiram a quebra da institucionalidade democrática no Brasil em 2016, dos que foram partícipes do Golpe de Estado, da farsa parlamentar que contou com a cumplicidade do Supremo Tribunal Federal, são fascistas sem saber que são. Outros, a maioria, apoiaram os fascistas por razões diversas. Na Itália de 1924 nem todos eram fascistas, mas a maioria apoiou os fascistas e milhões foram se tornando fascistas convictos nos anos subsequentes, sempre invocando a bandeira, o hino, os símbolos pátrios que fortalecia o nacionalismo.

Parte dos fascistas brasileiros talvez proponha, como na Itália dos anos vinte do século passado, caçar seus adversários nas ruas, nas instituições, nos locais de trabalho, os que percebem que eles são fascistas, que os chamam pelo que são.

Como na Itália há cem anos, se isso ocorrer, haverá resistência e talvez assistamos a certo nível de enfrentamento em alguns espaços públicos. O golpe não encerrou a história da classe trabalhadora contra a opressão e contra a exploração, apenas abriu um novo capítulo na luta, mais complexo, porque o fascismo encontra-se disseminado na sociedade.

O Brasil, por culpa dos camisas-pretas, das dondocas paneleiras, dos barnabés individualistas, dos abobados que serviram de massa desmiolada conduzida pelos fascistas, a partir de agora ficará submetido, por um tempo, a um novo período de trevas, de obscurantismo, de reacionarismo e de autoritarismo. Haverá luta, não duvidem, muita luta e sem conciliação, até que luzes voltem a iluminar o futuro que o Brasil merece.
* Wilson Ramos Filho é Professor de Direito do Trabalho da Universidade Federal do Paraná.

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