domingo, 28 de maio de 2017

Deuses e Monstros

(Foto: Reprodução/Ufam)

Por Padre Beto

Em 1957, James Whale (Ian McKellen), um diretor homossexual que fez sucesso nos anos 30 com seus filmes de monstros, volta para casa, após se recuperar de um derrame. Sentindo-se solitário, ele passa a contar suas experiências para o seu musculoso jardineiro (Brendan Fraser), um ex-fuzileiro naval na Guerra da Coréia, que, sabendo das preferências sexuais do seu patrão, tem dúvidas sobre os verdadeiros interesses dele. Mas, mesmo assim, a amizade cresce e, simultaneamente, o jardineiro é pago para posar para ele, pois agora o diretor é um pintor diletante. Estes acontecimentos ocorrem sob os olhares vigilantes da sua governanta (Lynn Redgrave) que, conhecendo bem o patrão, quer evitar que o jovem seja envolvido por ele. Porém, algo inesperado acontece.

O belo e interessante filme Deuses e Monstros de Bill Condon faz um paralelo entre o monstro e o homossexual. Os dois possuem características semelhantes: podem surgir em qualquer ambiente, quando surgem causam medo e transtorno, sempre são mantidos a distancia pelos chamados normais, muitos querem destruí-los em nome da paz e os dois sofrem por não serem aceitos como são. A pior tendência nos dias atuais em relação aos homossexuais ou a qualquer pessoa que fuja dos padrões estabelecidos pela moral clássica é a tendência para a “demonização”. Isso mesmo, quando não aceitamos a pessoa diferente e nos recusamos a conhecê-la melhor temos a tendência de torná-la um demônio. Algo que está nos ambientes para tentar as pessoas, para tirar a tranquilidade, para subverter a ordem, para complicar as relações.

Demonizar uma pessoa é a pior forma de pré-conceito, pois demonizando o outro, retiro dele qualquer possibilidade de sobrevivência. Eu o torno totalmente inaceitável e estabeleço então uma batalha. A única alternativa para o demonizado é o exorcismo.Em outras palavras, ele precisa desaparecer. Este desaparecimento pode acontecer de muitas formas. A pessoa diferente é obrigada a se enquadrar nos padrões morais ou ela é expurgada do ambiente não podendo mais frequentá-lo. Não é somente o homossexual que pode se tornar um monstro ou um demônio, qualquer pessoa que pertença a uma religião diferente, qualquer pessoa que tenha costumes diferentes, qualquer pessoa que pertença a uma minoria racial, etc.
"O interessante é que transformar o outro em um monstro ou em um demônio talvez seja uma tentativa desesperada que exorcizar algo que pode me contagiar. A pessoa que simplesmente evita o contato com a outra por considerá-la abominável talvez esteja tentando não se olhar no espelho. O medo de conviver com o diferente se fundamenta então na falta de autoconhecimento. Eu pertenço a uma religião, mas não a conheço suficientemente bem para ter contato com pessoas de outras religiões"

O interessante é que transformar o outro em um monstro ou em um demônio talvez seja uma tentativa desesperada que exorcizar algo que pode me contagiar. A pessoa que simplesmente evita o contato com a outra por considerá-la abominável talvez esteja tentando não se olhar no espelho. O medo de conviver com o diferente se fundamenta então na falta de autoconhecimento. Eu pertenço a uma religião, mas não a conheço suficientemente bem para ter contato com pessoas de outras religiões.

Assim, tenho medo de que minhas crenças sejam por mim mesmo questionadas, o que criaria uma crise. Tem-se o fundamento de minhas crenças bem claras e, sempre procuro questioná-las para que se tornem cada vez mais lúcidas, não tenho motivos para me incomodar com a presença de pessoas que possuem outra visão religiosa. Ao contrário, quem leva Deus a serio deseja conhecer outras visões e crenças religiosas para poder avaliar as suas. Da mesma forma acontece na área sexual. Tem-se conhecimento de minha sexualidade e, portanto, segurança em relação a ela, mas também desejo sempre questioná-la para que possa ter uma vida saudável, não irei me incomodar com uma pessoa que tem uma tendência sexual diferente, pelo contrário, tentarei entender sua sexualidade e confrontá-la com a minha para poder me conhecer melhor. Enfim, se me conheço bem e conheço bem as minhas convicções tenho condições de me relacionar com qualquer pessoa sem que me sinta ameaçado. O preconceito surge da ignorância e, principalmente, da ignorância de si mesmo.

 Padre Beto é escritor, cronista, filósofo, formado em Direito pela Instituição Toledo de Ensino (ITE), em História pela Universidade do Sagrado Coração (USC) e em Teologia pela Ludwig-Maximillian, de Munique (Alemanha).

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