Paulo Kliass: Venda da Eletrobras tira chance de retomar o desenvolvimento


“Não podemos ter ilusão. Quem comprar a Eletrobras vai ter no seu objetivo principal o lucro”, alerta o economista.

Por Nocaute

O Brasil já caiu uma vez no conto da privatização como a solução para a economia que vai melhorar a qualidade do serviço oferecido para os cidadãos. Foi assim com estatais como a Vale do Rio Doce e as de telecomunicações – todas vendidas a preço de banana.

O resultado é que o país tem atualmente as maiores tarifas do mundo, e as empresas de telefone e de internet são campeãs de queixas dos consumidores.
Vinte anos depois, o governo de Michel Temer anuncia a venda da Eletrobras, comprometendo um setor estratégico para a retomada do desenvolvimento, a energia elétrica.

Em entrevista ao Nocaute, o economista Paulo Kliass, especializado em gestão pública, explica por que essa decisão compromete o futuro do Brasil e por que o discurso do governo de privatizar para pagar juros da dívida pública é mentiroso. “Na verdade, o que se pretende é mais uma vez promover a liquidação do patrimônio estatal e transferir essa empresa para o capital privado”.

Kliass ainda alerta para o seguinte: “O pior negócio que o Brasil pode fazer é vender uma empresa num momento de baixa. Isso vale não só para uma empresa estatal, mas para todas as empresas e qualquer tipo de ativo econômico e financeiro que se tenha”.

Assista abaixo à entrevista completa:


A sociedade brasileira está se perguntando nesses últimos dias é quais seriam as razões que o governo teria utilizado para apresentar essa ideia de promover a venda, a privatização de uma empresa tão importante como a Eletrobras.

A cortina de fumaça para toda essa narrativa a favor da privatização é a questão fiscal. O governo estaria com suas contas em dificuldade, o que é um fato.

O que acontece? Você olha as empresas estatais, elas têm valores expressivos, e fica tentado a promover a transferência das empresas para o capital privado em condições extremamente generosas para tentar resolver esse problema imediato.

E essa história a sociedade brasileira já conhece muito bem. Só que agora é muito mais agravada. Vocês se lembram que, na década de 90, há 20 anos, o argumento era que se precisava privatizar, vender as estatais federais para reduzir a dívida pública brasileira. E assim foi feito.

Todo mundo se lembra do leilão da Vale. Uma empresa que foi vendida a preço de banana, hoje vale centenas de bilhões de dólares, cobiçada pelo mundo inteiro. As empresas todas do setor de telecomunicações, de telefonia também, foram vendidas ao capital financeiro privado a preços extremamente vantajosos, e hoje são empresas bastante lucrativas em todo o mundo e aqui no Brasil em especial.

Agora a situação é mais dramática ainda. Não se está nem querendo privatizar para reduzir a dívida. Está se querendo privatizar um patrimônio duramente construído há décadas pela sociedade brasileira para diminuir o déficit e pagar juros da dívida pública em alguns meses.

Na verdade, o que se pretende é mais uma vez promover a liquidação do patrimônio estatal e transferir essa empresa para o capital privado.

A Eletrobras é uma empresa que foi concebida por Getúlio Vargas, em 1954, há 63 anos.

O que está sendo colocado para a sociedade brasileira é um falso dilema. O que se diz é que a Eletrobras é que ela dá prejuízo. Isso é uma meia verdade. As empresas públicas são constituídas em áreas sensíveis, estratégicas dos países. Assim foi com o Brasil, a constituição da Petrobras na área de energia e petróleo, a constituição da siderurgia, quando o Brasil mal engatinhava na sua fase inicial da industrialização, depois toda a parte da eletrificação, o sistema elétrico, o sistema de telecomunicações.

A Eletrobras representa justamente esse setor, que é um setor estratégico para qualquer país que pretenda retomar seu ritmo de desenvolvimento, como é o caso brasileiro. Sem energia não se faz nada.

E ela é uma empresa que na verdade é um grande conglomerado. Quando se fala em privatizar a Eletrobras, você tem vários subconglomerados que estão subordinados à Eletrobras.

Você tem toda a parte do desenvolvimento regional. A Eletronorte, empresa que presta apoio na área de geração e transmissão de energia em toda região Norte do país. Tem a Chesf, Companhia Hidrelétrica do São Francisco, que presta a geração no Nordeste, você tem a Eletrosul, que serve no sul, Furnas, na região do Sudeste.

Fora isso tem a Eletronuclear, que é uma área de segurança máxima, que faz parte também da Eletrobras, e o 50% que o Brasil tem direito sobre a binacional Itaipu, junto com o governo do Paraguai, é representado também pela gestão que a Eletrobras faz da usina de Itaipu.
No passado, o argumento era de que a empresa privada era muito mais eficiente do que uma empresa pública, e então o consumidor vai ser beneficiado porque você vai ter tarifas mais baixas na geração de energia. Isso também é uma grande falácia, uma grande mentira.

Você pode pegar o setor que foi privatizado das telecomunicações, empresas de telefonia fixa, depois telefonia celular e internet. O Brasil tem as maiores tarifas do mundo. Essas empresas que eram públicas e passaram a ser privadas são as campeãs de queixas na Justiça por reclamação dos consumidores e no Procon, no sistema de proteção ao consumidor.

Elas praticamente mandam na agência reguladora, que é a Anatel, que acaba sendo refém dos interesses dessas empresas, e não representa de maneira nenhuma os interesses dos consumidores.

Então, muito provavelmente o que vai acontecer com os consumidores, sejam residenciais ou industriais da área de energia elétrica é exatamente isso.

Não podemos ter nenhuma ilusão. Quem comprar a Eletrobras vai ter no seu objetivo principal o lucro. Ele vai estar pouco preocupado com a prestação de serviço público, em encarar a energia elétrica como um bem público, o que ela é. E não vai estar muito preocupado em saber, do ponto de vista de satisfação das necessidades da população – assim como aconteceu com a telefonia.

E o que acontece normalmente nessas horas é que eles vão chamar de novo o Estado a fazer os aportes necessários para os investimentos, que são vultosos. Imagina construir uma usina hidrelétrica, fazer transmissão de linhas de alta tensão por dezenas de milhares de quilômetros, atravessando o território brasileiro. Isso vai, de novo, acabar sobrando para o Estado. Então é aquela velha máxima de que o Estado vai continuar com os ossos e o filé, filé-mignon vai para o setor privado.

O pior negócio que o Brasil pode fazer, mesmo do ponto de vista da privatização, é vender uma empresa num momento de baixa. Isso vale não só para uma empresa estatal, mas para todas as empresas e qualquer tipo de ativo econômico e financeiro que se tenha.

No momento da recessão, ele vale menos. E na hora de vender, quem vende vende barato e quem compra faz um ótimo negócio. Exatamente porque está comprando uma empresa muito valiosa por um preço bastante baixo.

O que cabe à sociedade brasileira, ao movimento sindical, social, popular, é se organizar e pressionar não apenas o governo, mas principalmente os seus representantes no Parlamento, na Câmara dos Deputados, no Senado Federal, mostrando a importância que essas empresas têm em todas as regiões, de que a sociedade brasileira precisa dessas empresas ainda com sua característica pública para prestar um bom serviço público numa área estratégica para nosso país, que é a de geração de energia elétrica.

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