A TESE do livro de Wright é menos dramática, embora, na prática, suas conclusões não sejam muito diferentes. Depois de 15 anos de guerras malsucedidas, crises financeiras e disfunções políticas, os Estados Unidos parecem ter perdido a vontade e a capacidade de resistir às ameaças ao sistema internacional que criaram. Além disso, o povo americano não acredita mais na competência de seus políticos para comandar os assuntos internacionais e cumprir as promessas que serviram de justificativa para tantas guerras e intervenções.
Como consequência de tantos fracassos autoinfligidos, China, Rússia e Irã começaram a desafiar a hegemonia americana nos últimos anos, contestando o ordenamento defendido pelos EUA no Mar da China Meridional, Leste Europeu e Oriente Médio, respectivamente. A Rússia anexou novos territórios e consolidou sua influência em países de sua zona periférica, como a Ucrânia; a China tem avançado em seus planos de controlar o Mar da China Meridional, uma área economicamente estratégica. Em vez de um mundo onde os Estados Unidos exercem sua hegemonia, fazendo cumprir suas regras políticas e econômicas nessas regiões, é possível que, no futuro, o planeta se divida em “esferas de influência”, onde cada potência regional terá liberdade para perseguir seus próprios objetivos.
Por esse motivo, mesmo os críticos da velha política externa americana deveriam se preocupar. É verdade que o imperialismo americano das últimas décadas cometeu crimes e disparates, mas um mundo fatiado em pequenos domínios não será necessariamente mais pacífico ou estável. Sem a presença hegemônica dos Estados Unidos, devem surgir diversas potências subimperiais, cada uma tentando impor sua própria ordem política em sua região, sem precisar se preocupar com intervenções externas. Pior ainda, nenhuma das potências que hoje desafiam a supremacia americana se identifica com princípios liberais – como os direitos humanos – ,o que significa que essas ideias progressistas devem murchar junto com a influência dos EUA. Os abusos e a politização do discurso humanitário ocorrida nos últimos anos ajudaram a esvaziar esses valores tão caros aos próprios americanos. Assim como aconteceu com os impérios britânico e francês, o uso da tortura manchou a reputação dos EUA e prejudicou sua capacidade de conquistar o apoio popular por meio da cultura em vez da força. Sem os americanos, contudo, o imperialismo regional russo, chinês ou iraniano dificilmente defenderá os valores humanistas que os Estados Unidos agiram para promover, ainda que esporadicamente.
Segundo Wright, a força da autoridade global norte-americana sempre residiu na popularidade dos ideais que ela representava, mesmo que nem sempre fossem aplicados na prática. Princípios como livre comércio e direitos humanos sempre tiveram a simpatia da população mundial, reforçada pelo compromisso dos EUA em proteger pequenas nações do comportamento predatório de seus vizinhos maiores. Porém, mesmo reduzidos a um status de ex-potência hegemônica, os Estados Unidos ainda poderão exercer uma liderança regional. Se a tendência nativista atual não se radicalizar ainda mais, o país continuará sendo a grande referência política e econômica do Hemisfério Ocidental, em especial para a América Latina e o Caribe.
O império global americano está entrando em um longo e convulsivo declínio – um processo iniciado com a calamitosa invasão do Iraque em 2003 e que agora se manifesta na presidência de Donald Trump –, e a consequência disso para os próprios EUA pode ser ainda mais preocupante. Em 2010, o falecido intelectual Tony Judt escreveu suas reflexões sobre a instabilidade e as incertezas acarretadas pelas guerras e crises financeiras do início do século XXI. Menos de uma década depois, suas palavras parecem proféticas ao prever o declínio dos Estados Unidos e a ascensão de novos demagogos.
O ser humano se sente mais à vontade descrevendo e combatendo ameaças que pensa compreender: terroristas, imigrantes, desemprego, criminalidade. Mas muitas pessoas têm dificuldades para discernir as verdadeiras fontes de insegurança das próximas décadas: mudanças climáticas e suas consequências sociais e ambientais; o declínio do império, acompanhado de “pequenas guerras”; impotência política diante de instabilidades internacionais com impactos locais. Todas essas ameaças conduzem facilmente à raiva e à humilhação, uma mistura perfeita para demagogos nacionalistas.
A influência global americana deixará atrás de si um complexo legado. Apesar dos conhecidos crimes cometidos nas guerras do Vietnã e do Iraque e em outras regiões periféricas do império, o mundo também conheceu uma grande prosperidade econômica e grandes avanços no plano dos direitos humanos durante o período de hegemonia americana pós-Segunda Guerra. O império britânico também havia deixado uma herança matizada: ao mesmo tempo em que produziu massacres e partilhas geográficas desastrosas, também resultou em democracias parlamentares em muitas de suas ex-colônias. Da mesma forma, o saldo final do império norte-americano pode ser mais complicado do que certos radicalismos ideológicos gostariam de admitir. Agora que os EUA começam a perder o status de superpotência, nós que nascemos em um mundo moldado por eles só podemos desejar um colapso não muito traumático – e que os líderes americanos aceitem que seu país seja apenas uma potência entre muitas.
Foto do título: As imagens do chefe de gabinete da Casa Branca, John Kelly, à esquerda, e o presidente dos EUA, Donald Trump, refletidas em um espelho enquanto ouvem os discursos de abertura de um almoço oficial da 72ª Assembleia Geral das Nações Unidos, em 20 de setembro de 2017, no Palace Hotel, em Nova York.
Tradução: Bernardo Tonasse