
RIBAMAR FONSECA
O Conselho Nacional de Justiça, órgão supostamente de controle do Judiciário, aprovou a abertura de investigação sobre o comportamento de quatro juízes do Rio de Janeiro que participaram, ano passado, de manifestações contra o impeachment da presidenta Dilma Rousseff. O pedido de investigação foi feito pela Associação dos Magistrados Brasileiros (AMB) e pela Associação dos Magistrados do Estado do Rio de Janeiro (Amaerj). O ministro João Otávio de Noronha, corregedor nacional de Justiça, disse, em seu parecer favorável às investigações, que há um compasso "entre liberdade de expressão e a conduta exigida dos magistrados, de acordo com a Lei Orgânica da Magistratura Nacional (Loman)". A presidenta do CNJ, ministra Cármen Lúcia, por sua vez, disse que o que está em questão é a relação entre liberdade e responsabilidade. E acrescentou: "O que se vai apurar é exatamente quais são os deveres dos juízes. Quem escolhe uma profissão sabe dos limites que são impostos". Parece incrível que o CNJ, segundo a sua presidenta, ainda vai apurar "quais são os deveres dos juízes". Eles ainda não sabem? E também não sabem os limites da sua profissão?
A ministra disse ainda que esses limites não devem ser aplicados apenas a juízes mas, também, ao Judiciário como um todo, "do Supremo Tribunal Federal aos juizados e varas Brasil afora". Se devem ser aplicados – pergunta-se – por que até agora ainda não foram? Por que também não foi aberta investigação para apurar a atitude do juiz Catta-Preta, de Brasília, fotografado vestido de amarelo participando de manifestação contra o governo Dilma? Por que até hoje o CNJ não fez nada para investigar o comportamento do ministro Gilmar Mendes que, além de frequentes declarações de natureza política, reuniu várias vezes com o presidente golpista Michel Temer, réu em processo no TSE, e manteve estreita relação com o senador Aécio Neves, também alvo de processos no STF? O fato de investigar apenas magistrados contrários ao golpe parece confirmar o posicionamento político do CNJ e da Suprema Corte, favoráveis ao impeachment de Dilma e à ascensão de Temer à Presidência da República. Na verdade, até hoje a Suprema Corte nunca contestou a frequente acusação de ter sido cúmplice do golpe.
A presidenta do CNJ e do Supremo às vezes fala como se não fosse a comandante do órgão máximo do Judiciário, com poderes para corrigir o que acha que está errado, como, por exemplo, quando disse que "não é possível que continue havendo manifestações muito além dos autos". Ora, se não é possível, por que ela não faz nada para mudar isso? O pessoal da Lava-Jato, incluindo o juiz Sergio Moro, que adora uma câmera de televisão, é uzeiro e vezeiro em falar fora dos autos em busca de manchetes. E não acontece nada. Constata-se uma enorme distância entre o que dizem os magistrados, incluindo a ministra Carmen Lucia, e a realidade dos fatos. Agora mesmo o juiz Moro declarou, durante um evento em São Paulo, que "ninguém pode ser condenado com base apenas na palavra de um criminoso". Bonito, mas não retrata o que acontece de fato, inclusive na sua órbita de atuação. Na realidade, o que parece claro para todo mundo, dentro e fora do Brasil, é que a Justiça brasileira mudou, transformando-se num poder político, muitas das vezes decidindo como se fora um partido e, mais grave, sem chance de defesa para quem passou a ser visto como adversário. E implantou-se a ditadura da toga, que se tornou o poder maior deste país desde a instalação da Lava-Jato.
A ditadura da toga alterou o conceito de Justiça consagrado pelo mundo civilizado. Além da supressão da presunção de inocência, segundo a qual todos são inocentes até prova em contrário, também foi extinta, na prática, a exigência da prova por parte do acusador. E, o que se mostrou mais grave, o texto das leis perdeu o valor, pois o que vale mesmo hoje é a sua interpretação e a convicção dos juizes. A partir daí o país passou a viver ao sabor dos humores, das simpatias político-partidárias e da fama de alguns magistrados, que abandonaram o comportamento discreto que deve caracterizá-los e se tornaram protagonistas, celebrizados pela mídia, que passou a orientá-los para atender a seus interesses políticos e econômicos. Estabeleceu-se, assim, uma parceria Justiça-mídia, que destruiu muitas reputações e setores de nossa indústria. E tudo sob os olhares cúmplices da Suprema Corte, que faz vista grossa para abusos divisados até do exterior, embora o funcionamento regular da instituição sugira normalidade democrática.
A perseguição ao ex-presidente Lula pela Lava-Jato, onde os procuradores e o juiz querem a qualquer preço encontrar algo que possa incriminá-lo, é o caso mais flagrante de abuso de autoridade percebido em todo o planeta, mas completamente ignorado pelo Supremo. Por conta, talvez, do corporativismo – e da campanha de intolerância e ódio contra os petistas – o ex-presidente operário não ganha uma ação em nenhuma instância da Justiça. Ainda recentemente perdeu a ação que moveu contra a "Veja", por danos morais, por ter a revista publicado na capa de uma das suas edições a foto dele vestido de presidiário. O juízo da 5a. Vara cível de Pinheiros, São Paulo, julgou improcedente a ação, em primeiro grau, entendendo que a editora não cometeu nenhum ilícito ou excesso nos limites da liberdade de imprensa. A decisão foi confirmada pelo juiz de 2º grau Ronnie Soares, relator da apelação na 10ª. Câmara de Direito Privado do TJ de São Paulo, que não viu excesso na matéria. Segundo ele, na dinâmica atual da sociedade é natural que uma figura pública influente seja objeto de desconstrução da sua imagem. Natural? Natural pra quem?
Mais adiante o magistrado, depois de afirmar que não cabe à imprensa ser imparcial, diz que o fato de, à época, não existir ação penal contra o ex-presidente não afasta a veracidade das informações apresentadas na reportagem, "que é clara ao transmitir a ideia de que o autor mantinha vínculos com todas aquelas pessoas investigadas por graves fatos, algumas delas já condenadas em processo anterior e em cumprimento de pena. Não houve imputação de crime ao autor", concluiu. Ora, se não houve imputação de crime, por que a roupa de presidiário? Além disso, se o uniforme de preso se justifica por ter ele vínculos com pessoas investigadas, o magistrado então entenderia que também o ministro Gilmar Mendes, que tem vínculos com Michel Temer e Aécio Neves, investigados em processos no Supremo, poderia ser fotografado com uma roupa de presidiário? Ou isso só se justifica no caso de Lula? Dizem que o pior cego é aquele que não quer ver. Portanto, só não vê a perseguição ao líder petista quem não quer, por motivos políticos, intolerância ou mesmo ódio.
O fato é que o Supremo, visto dentro e fora do Brasil como parceiro do golpe, continua ausente, indiferente aos abusos no âmbito da Justiça e às ações flagrantemente inconstitucionais do governo Temer e a todas as medidas prejudiciais à Nação e ao seu povo. Em recente artigo, a jurista Juliana Cesario Alvim Costa fez severas críticas à Corte Suprema diante do seu silêncio ante as recentes questões do trabalho escravo e da competência da Justiça Militar, dizendo, entre outras coisas, que "o Governo Federal vem atacando direitos fundamentais de maneira clara e aberta, beneficiando-se da conivência do Supremo". E acrescentou: "Se ao Supremo cabe a guarda da Constituição, o tribunal precisa assumir a responsabilidade não apenas pelas consequências dos casos que escolhe julgar, mas também pelas violações que ocorrem quando deixa de decidir". E o governo Temer continua destruindo o país sob os olhares de paisagem da Suprema Corte e do Ministério Público.
Como consequência disso, o Brasil, como disse o jornal americano "The Washington Post" em recente reportagem, "está de volta aos tempos coloniais", com mais de três milhões de brasileiros retornando à linha de pobreza. Ainda tem gente, porém, como o senador Ronaldo Caiado, por exemplo, que, com a cara mais cínica do mundo, afirma na televisão, no programa do seu partido, o DEM, que essa situação é fruto da "incompetência dos governos petistas". Ora, Temer ocupou o Palácio do Planalto à frente de um golpe, está governando o Brasil há cerca de dois anos, tomando as mais esdrúxulas medidas, destruindo as conquistas sociais e os governos petistas é que são culpados? Será que esse pessoal pensa que ainda consegue enganar alguém? Afinal, todo mundo sabe que foram justamente os governos petistas que tiraram o país do mapa da fome, retirando 40 milhões de brasileiros da linha de pobreza. O povo sabe disso e por isso quer Lula de volta ao Planalto, convencido de que só ele é capaz de restaurar a dignidade e a soberania do país e do seu povo.
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