quarta-feira, 28 de março de 2018

Lula ou fascismo?

 Rafael Ribeiro


A emboscada e os tiros contra a caravana de Lula, embora chocantes, não surpreendem.

Como a execução de Marielle Franco, esses atos terroristas são apenas a culminação de um longo processo político que resultou na "fascistização" do país. Um processo que tornou "natural" agressões políticas, jurídicas, midiáticas e, agora, físicas contra o PT e a esquerda em geral.

Os fascistas estão, há bastante tempo, e com muita desenvoltura, por todos os lugares. Judiciário, mídia, Congresso e todos os setores da vida pública. Dois dias antes do atentado, a Senadora Ana Amélia fez discurso público, no qual parabenizava os jagunços que atacavam com paus, pedras, ovos e chicotes a caravana inteiramente pacífica. Logo após o atentado, Alckmin e Dória afirmaram que "o PT colhe o que planta", justificando, assim, a eliminação física de petistas e esquerdistas. Para eles, petistas merecem ser assassinados.

Uma conhecida articulista escreveu que estava "preocupada com a reação de Lula às agressões", como se a reação do ex-presidente aos fascistas devesse ter isso a de "botar o rabo ente as pernas" e sair correndo do Sul. De repente, a grande manchete é a das supostas ameaças ao ministro Fachin, que ninguém diz de onde vêm. A estratégia é óbvia: inverter a narrativa factual e apresentar o PT como o grande responsável pela violência. Assim, a vítima se transforma em agressor e os terroristas são apresentados, subliminarmente, como gente que está apenas se defendendo. Goebbels fez escola no Brasil.

Esses discursos e essas declarações são mais graves que os tiros contra os ônibus, pois são tiros contra a democracia. Mas esses tiros políticos e ideológicos contra a democracia ocorrem há muito. O ódio contra o PT, a esquerda de um modo geral e, consequentemente, contra uma real alternância de poder, vem sendo cultivado há anos. Embora tenha estado presente na história do país há décadas, tal ódio vem sendo insuflado com particular vigor desde que o PT conseguiu chegar ao poder, algo que as classes dominantes nunca aceitaram.

Ao longo desse período, o PT foi atacado diuturnamente por uma mídia venal, que fez o jogo da guerra híbrida para tentar desestabilizar os governos progressistas. Todas as políticas exitosas implantadas nesse interregno foram atacadas e ridicularizadas. Até mesmo o Bolsa Família, considerado como programa modelo pela ONU, foi caracterizado como "bolsa preguiça". As políticas de cotas para afrodescendentes foram caracterizadas como uma tentativa de introduzir racismo num país não-racista (sic). O Mais Médicos foi mostrado como um programa para beneficiar a "ditadura comunista de Cuba". A política externa ativa e altiva foi rotulada como "terceiro-mundista" e "bolivariana". E assim foi com tudo o que os governos progressistas fizeram. Tudo era veiculado como um desastre promovido por governos incompetentes, corruptos e filocomunistas. Foram centenas de capas de revistas, centenas de manchetes e milhares de horas de TV e rádio dedicadas a promover indignação e ódio.

Com a crise econômica, as classes dominantes viram uma "janela de oportunidades" para conseguir retomar o poder e iniciaram um processo golpista que intensificou muito a campanha de ódio. No mesmo período, surge a Lava Jato partidarizada, que apresentou a corrupção da Petrobras, iniciada no governo do PSDB, como uma criação maligna do PT.

Abriu-se definitivamente, então, a caixa de Pandora do fascismo tupiniquim. A direita tradicional brasileira foi às ruas junto com Bolsonaro, MBL e outros grupos claramente fascistas, que pediam a eliminação de petistas e a volta da ditadura. Num átimo, destituíram a presidenta honesta e legítima com a desculpa esfarrapada das "pedaladas fiscais" e jogaram por terra a soberania popular e o pacto democrático plasmado na Constituição de 1988.

De lá para cá, o Brasil vai ladeira abaixo economicamente, socialmente e politicamente. Foram eles que destruíram o país e sua democracia.

Implantou-se uma agenda ultraneoliberal, entreguista e socialmente regressiva, bem como um Estado de exceção destinado a reprimir movimentos sociais, a esquerda em geral e quaisquer opositores. No campo jurídico, foi criada a lawfare contra o ex-presidente Lula, de modo a impedir a única candidatura que pode se contrapor à agenda do golpe.

Todo esse processo autoritário e antidemocrático produziu uma notável sequela: a base das forças conservadoras foi hegemonizada pelo fascismo em ascensão. O PSDB sumiu do mapa e o candidato à direita que tem, de longe, a maior intenção de votos é uma aberração chamada Jair Bolsonaro.

Se vivêssemos em normalidade democrática, um candidato como Bolsonaro teria, no máximo, 2% a 3% de intenção de votos. Mas ele tem mais de 20%, ao passo que Alckmin e outros estão em um dígito.

Se vivêssemos em normalidade democrática, a direita tradicional tentaria conquistar o voto do centro com um discurso democratizante e moderado. Isso não parece ser mais possível. Por quê? Por que não há mais centro. A ruptura democrática, o golpismo e a campanha do ódio cindiram e polarizaram a sociedade brasileira.

Alckmin, Dória, Ana Amélia e outros sabem que precisam competir com Bolsonaro pelo voto fascista. Sabem que não podem crescer muito se não polarizarem com o campo popular e a esquerda. Por isso, se unem ideológica e politicamente, e de modo oportunista, aos terroristas que executaram Marielle e que dispararam contra Lula.

A preservação do centro político e da democracia deveria ter sido feita lá atrás, isolando Bolsonaro, MBL e os outros grupos fascistas. Mas a direita tradicional, na ânsia de eliminar o PT a qualquer custo, recusou-se a preservar a democracia brasileira e a ter um mínimo de sanidade e racionalidade políticas.

Contudo, há também setores das classes dominantes que estão assustados com o monstro que criaram. Afinal, ninguém controla a serpente fascista. Ela morde a mão que a alimentou. Por isso, setores da mídia e da classe política que contribuíram decisivamente para esse quadro, agora dizem, cinicamente, que os "limites foram ultrapassados". Ora, os limites foram ultrapassados há muito. Eles vêm sendo ultrapassados desde, pelo menos, 2005, quando se iniciou a campanha do "mensalão". Eles foram definitivamente ultrapassados pelo processo golpista que jogou no lixo a soberania popular, o sistema de representação e a Constituição Cidadã de 1988. A violência física vem depois das violências simbólicas, jurídicas e políticas. Ela não surge subitamente do vácuo, por geração espontânea.

Ainda há esperança para a nossa fragilizada democracia? Há. Mas tudo vai depender do destino de Lula. As classes dominantes que patrocinaram o golpe e o fascismo ascendente devem decidir se vão condenar um inocente e impedir a única candidatura competitiva contra a agenda regressiva e antidemocrática de golpismo, enterrando de vez o que restou da democracia brasileira, ou se vão apostar no restabelecimento da racionalidade, da soberania popular e da alternância de poder. Devem decidir se rompem ou não com o fascismo e o autoritarismo antidemocrático que criaram.

No primeiro caso, jogar-se-á o país no abraço mortal da polarização, do fascismo e da violência, com a terrível ameaça da instituição de uma ditadura tout court e o possível cancelamento das eleições em 2018. No segundo, cria-se, mesmo no contexto de um pleito acirrado, a possibilidade de uma distensão democrática que conduza os conflitos para o reino pacífico do debate e dos votos. Agregue-se que Lula é o único candidato com potencial político e legitimidade para negociar saídas democráticas para a crise.

Lula ou fascismo, esse é o dilema. That is the question. Para os verdadeiros democratas, a escolha é fácil.

Marcelo Zero

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