sexta-feira, 30 de março de 2018

O fascismo vencerá? Por Lauro Mattei

   POR LAURO MATTEI, professor[1]

  Um clássico

O clima político conturbado vivido pelo país nos últimos meses, particularmente no mês de março de 2016, fez com que no dia de ontem (18.3.16) centenas de milhares de pessoas fossem às ruas se manifestar em defesa de um governo legítimo – porque eleito democraticamente – e em defesa do regime democrático, que na atual conjuntura política se encontra seriamente ameaçado.

Neste cenário, talvez não se tenha dado maior atenção a um chamamento das “células eletrônicas golpistas”[2] que será analisado neste documento, dado a sua gravidade para a convivência pacifica em um regime democrático.

Em qualquer sociedade minimamente civilizada, onde a imprensa é imparcial, o poder judiciário não tem partido político, e alguns governantes sejam republicanos e sem vocações golpistas, esse tipo de manifestação não seria tolerada, estimulada e, até mesmo, não serviria de instrumento de manobra para articulações políticas golpistas.

Neste sentido, é importante registrar aquilo que já estava claro durante e logo após o resultado das eleições presidenciais de 2014, mas que sequencialmente foi negado por essas “células eletrônicas golpistas”: a conformação de um movimento político conservador atrelado a determinados interesses político-partidários, cujas articulações foram escancaradas no mês de março de 2016, ao mesmo tempo em que seus traços se mostraram impregnados da marca fascista[3].

Antes de analisarmos o conteúdo da manifestação desses autodenominados representantes do povo brasileiro, é importante revisitar alguns fatos que marcam a trajetória dessas células eletrônicas. Em primeiro lugar, elas continuam afirmando que são apartidárias. Todavia, é do conhecimento geral que todas essas organizações não somente foram formadas durante o processo eleitoral de 2014, como participaram ativamente da campanha do candidato derrotado do PSDB nas eleições presidenciais daquele ano. Não por acaso que a primeira manifestação contra o governo Dilma II realizada no dia 15.03.2015[4] teve sua organização inicial exatamente no Instituto FHC no dia 27.02.2015. Logo após as primeiras manifestações pelo impeachment as lideranças dessas células foram recebidas com festa pela bancada tucana na Câmara Federal, com seus agregados golpistas.

Em segundo lugar, essas células eletrônicas golpistas[5] pegaram carona numa outra discussão que estava em curso na mesma época – o combate à corrupção – e fizeram dela sua arma de luta. Mas certamente esse não é o objetivo maior, uma vez que ideologicamente elas querem “respostas do livre mercado aos problemas do país”. Por aí é possível entender o ódio visceral ao governo Dilma e ao Partido dos Trabalhadores (PT). Isso me permite afirmar que o discurso do “combate à corrupção” não passa de uma grande farsa, uma vez que o objetivo maior é a “tomada do poder”, como deixam claro no manifesto por eles denominado de “histórico” [6].

Em terceiro lugar, esse movimento fica mais claro ainda quando recuperamos o arco de alianças que essas células eletrônicas golpistas formaram para atingir o objetivo acima mencionado. E aqui as coisas começam a ficar bem mais claras, uma vez que o primeiro aliado fundamental dos “combatentes da corrupção” foi nada menos que um dos políticos mais corruptos do momento: o presidente da Câmara dos Deputados. A partir daí os interesses mútuos se somaram e passa a ganhar maior fôlego o processo de impeachment da atual Presidente da República.

Mas devemos registrar que a “farsa do combate à corrupção” teve mais um aliado poderoso em seus desdobramentos nessas alianças extremamente perigosas para a manutenção do Estado Democrático de Direito: a entrada em cena com maior força da imprensa conservadora, sob a liderança da Rede Globo e da Revista Veja. Tais meios de comunicação, mesmo que muitos deles sejam concessões públicas, passaram a atuar como verdadeiros partidos políticos em oposição ao atual governo. Tudo isso em nome da “liberdade de imprensa”.

As frentes do cerco político conservador ao atual governo se ampliaram ainda mais quando políticos de diversos partidos, sob o comando do corrupto Presidente da Câmara, passaram a dominar a agenda do Congresso Nacional. A partir daí a música que se houve desde então é de uma nota só: impeachment!

Finalmente, e não menos importante neste processo, é a presença de segmentos expressivos do poder judiciário neste arco de alianças que estão conduzindo o país a passos largos em direção ao regime político fascista. Neste caso, registre-se o envolvimento de um juiz de primeira instância e de procuradores do Ministério Público Federal, bem como juízes de outras esferas do poder judiciário. Todos se dizem apolíticos e que estão atuando apenas em prol do país visando combater à corrupção. Chama atenção o fato de que o juiz que conduz a “Operação Lava Jato” o tempo todo fica se justificando que não tem nenhum vínculo partidário. Mas algumas de suas aparências públicas deixam dúvidas, como é o caso de seu recente encontro com o candidato do PSDB à prefeitura de São Paulo, por acaso cidade que atualmente é governada pelo partido que ele adora grampear.

Em síntese, me parece que tudo o que foi relatado até aqui já seria o suficiente para que qualquer leigo fosse capaz de entender a grande farsa que se montou no país, pois tudo se justifica como sendo ações em prol do combate à corrupção. Mas tem mais: não comentei praticamente nada neste artigo sobre uma questão mais profunda relacionada às conexões internacionais desse movimento[7]. Neste caso, seria interessante se a PF e o MPF parassem de tocar a música de uma nota só e abrissem uma investigação sobre financiamentos externos que envolvem as atuais “células eletrônicas golpistas”.

Após esses breves esclarecimentos, que no meu entender são essenciais para se ter maior clareza sobre a conjuntura política atual, voltemos ao conteúdo da manifestação do dia 18.3.2016, dada a gravidade que esse ato representa para a continuidade do Estado Democrático de Direito. Vejamos alguns pontos essenciais, de acordo com a narrativa dessas próprias organizações.

Quando essas “células eletrônicas golpistas” exteriorizaram quais são seus aliados prioritários, destacaram três segmentos: a imprensa isenta (sic), todo o poder judiciário, e o corajoso Governador Alckmin (PSDB-SP). No ponto relativo à imprensa, o que eles denominam de imprensa isenta são exatamente os meios de comunicação anteriormente mencionados que estão totalmente envolvidos com o golpe político, não tendo nada de isenção. Talvez essa seja uma retribuição ao fato de que um órgão da denominada “imprensa isenta” – o jornal Folha de São Paulo – transformou um dos líderes do MBL em seu colunista, dado seu grande conhecimento sobre o país.

Sobre a aliança com o Governador de São Paulo, não há nenhuma novidade de que ele seja a referência política desses golpistas. Afinal, mesmo se dizendo apartidários, eles o convidaram para fazer parte das manifestações realizadas no último dia 13.3.16. Além disso, caso o caminho do golpe não atinja seu objetivo, estará construída uma ponte entre eles para as eleições presidenciais de 2018.

Finalmente, a afirmação sobre o poder judiciário é quase que uma confissão de que eles também articulam o golpe com setores deste poder público. E isso também não é nenhuma novidade, até mesmo porque membros desse poder detém cadeira cativa na militância de um dos movimentos que assina a nota, como é o caso do juiz Itagiba Catta Pretta Neto, de Brasília, autodeclarado eleitor de Aécio (PSDB) e autor da primeira liminar contrária à posse de Lula como Ministro da Casa Civil[8]. Mas quero acreditar que não seja função do poder judiciário banir este ou aquele partido político, independentemente das preferências políticas de cada um de seus membros.

A vocação fascista da nota apareça ainda em diversas outras passagens. Uma delas é a pretensão de banir da vida política aqueles contra os quais não se tem concordância. Ou seja, se discordo politicamente de um determinado segmento social ou partido político, minha arma de luta não é o diálogo civilizado com o oponente, mas o seu banimento.

Outro grito fascista é a ideia de que o espaço público é de domínio somente dos autores da nota, o que significaria que são donos desse espaço e, portanto, somente quem eles permitirem poderão se manifestar. Afinal, eles representam o bem e estão em constante guerra contra o mal. Aqui se explicita claramente o viés autoritário dessas células golpistas, mesmo que seu discurso para os desinformados seja o de combate à corrupção.

Por fim, a mensagem aponta o verdadeiro motivo desses agentes: expulsar a qualquer custo quem está no poder. E vão mais além: é preciso bani-los da vida pública. Só faltou dizer que é necessário também eliminá-los fisicamente. E assim se avançou para a “apoteose democrática”, nos termos do jornalismo imparcial das organizações Globo.

Concluo dizendo a estes fascistas: vocês não passarão!!!

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Nota publicada e assinada pelo Movimento Brasil Livre (MBL), Vem pra Rua e Revoltados On Line no dia 18.03.2016:

Orientações para brasileiros e brasileiras neste 18 de março histórico

Precisamos ter a capacidade de entender a realidade que vivemos neste momento histórico.

Todo poder judiciário quer banir em definitivo o PT e seus apaniguados no governo.

Toda a imprensa isenta está mostrando as atrocidades cometidas por esta gente.

E eles ainda querem ir às ruas com proteção policial, mas nós não vamos permitir.

Em São Paulo o corajoso governador Alckmin já decidiu que podemos sim comparecer à Avenida Paulista.

A orientação é para que todas as pessoas de bem compareçam aos locais públicos e não permitam que esses idólatras de corruptos façam dos espaços públicos seus feudos.

Vamos nos organizar para invadir Brasília e expulsá-los do poder.

O momento requer muita firmeza e coragem para bani-los da vida pública.

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[1] Professor do curso de Economia e do Programa de Pós-Graduação em Administração, ambos da UFSC. Coordenador geral do NECAT-UFSC e pesquisador do OPPA/CPDA/UFRRJ. E-mail: l.mattei@ufsc.br

[2] Esses grupos eletrônicos não podem ser classificados como movimentos sociais porque sua agenda de ação não obedece a um processo organizativo, muito embora recentemente estejam fortemente aliados e atrelados a alguns partidos políticos que explicitamente fazem oposição ao atual governo, em particular o PSDB. Para a “imprensa imparcial brasileira” são organizações sociais virtuais.

[3] O Fascismo é uma maneira de ação política nacionalista e autoritária que tem como principal forma de atuação a mobilização de segmentos sociais – geralmente desinformados – para combater ideias progressistas e com ideal democrático-socialista. Em sua lógica organizativa fazem devoção a algumas lideranças, além de cultivar a violência política, o ultranacionalismo e até mesmo o militarismo. Tudo isso em nome de um fim maior: recuperar o país. Registre-se que praticamente todos esses predicativos estão presentes nas ações dos movimentos que assinam o manifesto antes referido. Mesmo assim, para o jornal O Globo suas ações representam a “apoteose democrática”.

[4] Neste evento foram registradas inúmeras atitudes perfeitamente enquadráveis no comportamento fascista. Todos os demais atos somente vieram a potencializar e a confirmar ações políticas neste campo.

[5] Registre-se que a principal delas – O Movimento Brasil Livre (MBL) – foi fundada por alguns jovens liberais de diversos estados do Brasil, sendo que muitos deles tiveram formação no programa Koch Summer Fellow, mantido pelo Institute for Human Studies, cuja propriedade pertence às empresas dos irmãos Koch. Além do mais, é digno de registro também que os irmãos Koch são donos de grandes empresas privadas dos EUA, especialmente na área das corporações petroleiras. Por aí também dá para começar a entender as relações de alguns políticos brasileiros no sentido de flexibilizar as regras do programa Pré-Sal.

[6] O teor do referido documento será transcrito ao final deste artigo.

[7] Para maiores informações sobre este ponto específico sugiro verificar diversas matérias no blog de Luís Nassif.

[8] Nada a se estranhar que a segunda liminar contrária à posse tenha sido dada pela juíza Regina Coeli Formisano, amiga de Itagiba e crítica do governo atual.

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