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Bolsonaro durante gravação de seu discurso na ONU: desaprovação do presidente voltou a subir (Marcos Corrêa/PR/Divulgação
Originalmente publicado por CARTA CAPITAL
Por Mino Carta
Bolsonaro brinda-nos periodicamente com seus bestialógicos. Desta vez, ao abrir a sessão anual da Assembleia da ONU, como compete por tradição ao presidente do Brasil, ampliou tragicamente a sua plateia. Liga-me uma prima italiana, e seu comentário é irretocável: “Ele não é somente louco, mas também delinquente”. A frase tem o poder de retratar a figura com justeza. Não faltarão outros comentários muito mais qualificados e graves. Mas o resumo é este.
Caberia perguntar aos nossos botões se Bolsonaro é um campeão da hipocrisia, um farsante que desempenha um papel, mas a resposta é outra: trata-se de um ser sincero na crença inabalável da sua condição de centro de um sistema solar que dispensa o astro rei e o próprio mundo. Ele faz questão de se alhear do planeta para dirigir-se somente àqueles que supõe serem seus eleitores, ou por outra já faz seus cálculos em relação ao pleito de 2022. Haverá quem o conteste no Brasil e fora dele, mas ele segue em frente na aposta em um país sem nação, em sua larga maioria disposto a engolir o bestialógico.
Desse ponto de vista, é bom repetir o quanto é figura representativa deste país, a conclusão inevitável de um longo processo de decadência moral que a corrupção, por si só, não é bastante para uma explicação convincente. A meta, convém repetir, é 2022, graças também a alguns movimentos que imitam o Lula do primeiro mandato em termos de inesperadas benesses oferecidas a um povo satisfeito com migalhas caídas da mesa dos senhores.
Bolsonaro navega, no entanto, pela rota oposta àquela da política exterior de Lula, desvencilhada dos interesses dos Estados Unidos para confirmar uma independência nunca dantes navegada. Não faltou, aliás, no discurso da ONU o elogio de Donald Trump, mas isto é secundário diante da busca deliberada do isolamento do País. É como se Bolsonaro pretendesse tomar o leme de uma nau cada vez mais solitária em relação ao resto da humanidade. Não se trata de uma forma de provincianismo, ou de subserviência, e sim de uma demonstração desvairada de empáfia. Dela se alimenta, com voracidade crescente. Furibunda e raivosa.
Não há como negar, Bolsonaro é um resultado e a sua reeleição é uma hipótese que não convém descartar, muito pelo contrário. Agrada-me que Lula se disponha a apoiar qualquer candidato capaz de nos livrar de Bolsonaro e do bolsonarismo, males de outra pandemia mais assustadora do que esta a nos colocar de quarentena. O líder ideal haveria de ser habilitado a despertar a consciência da cidadania no povo inerte. O qual, como de hábito, será relevado por causa de três séculos e meio da mais feroz e mais duradoura escravidão da história.
No confronto com os Estados Unidos, levamos uma monstruosa vantagem. Os africanos que acabaram nas fazendas sulistas da terra de Tio Sam antes da Guerra de Secessão foram 400 mil. Portugal nos proporcionou o trabalho forçado de 4 milhões. Explica-se assim a nossa população majoritariamente mestiça, a tal ponto de criar uma nova raça, a parda. Cerca de 50% do povo brasileiro é pardo, enquanto a casa-grande continua a ser a dona do Brasil e na contingência a achar graça na presença de Bolsonaro. Reconheça-se o triunfo da casa-grande, ainda a cavaleiro dos eventos no país mais desigual do mundo em termos de distribuição de renda.
Somos vítimas de uma colonização predatória disposta a sugar as nossas riquezas e a coibir no nascedouro qualquer tentativa de rebeldia. Lisboa gravemente atingida pelo terremoto de 1755 foi parcialmente reconstruída pelo Marquês de Pombal, um Salazar ante-litteram, graças ao ouro mineiro, enquanto a cobiça lusitana cuidava de nos ensinar as piores maneiras de explorar a colônia com a garantia de lucros fáceis. Herança portuguesa a vocação da monocultura, da borracha ao café, passando pelo algodão e pela cana-de-açúcar, para chegar já faz algum tempo à soja e ao minério de ferro, commodities exportáveis para a China em proveito de uma balança comercial hoje severamente prejudicada pelo coronavírus e por nossa própria debilidade.
Vale sublinhar mais uma vez o êxito da casa-grande, eficaz na aplicação de antigas fórmulas para amansar previamente a ralé em busca da festa e do futebol. A tática matreira não deu certo apenas com o chamado povão, mas também com aqueles eventualmente dotados para o raciocínio e que se entregaram à ideia da pátria de chuteiras, prontos a figurar em alguma tribo clubística. Perderam o senso e o tempo, não foram mestres de vida e de política, não mudaram os rumos, quando não se tornaram os primeiros a cair no engodo.
Escrevi em um dos meus livros que direita e esquerda são encarnadas por dois filhos do senhor da casa-grande, o primogênito segue os passos do pai, o outro vai pelo caminho oposto. Farinha do mesmo saco, nasce daí, com absoluta naturalidade, a chance da conciliação, obviamente da elite.
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