Pesquisa inédita realizada em vinte países mostra que brasileiros são os que menos acreditam em seus cientistas
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Pesquisa realizada pelo Pew Research Center, organização americana que realiza pesquisas sobre questões da atualidade, mostra que, quando se trata de ciência, o Brasil é uma espécie de exceção mundial. Levantamento realizado pelo instituto em vinte países antes da pandemia do novo coronavírus e divulgado hoje indica que, de modo geral, cientistas e a ciência são valorizados ao redor do mundo. Os brasileiros são os que menos acreditam que os cientistas fazem o que é certo para a sociedade – 36% dos entrevistados disseram confiar pouco ou nada neles. Apenas 23% acreditam muito nas atitudes dos cientistas. Isso ajuda a explicar por que o discurso anticiência ganhou tanto espaço nos últimos meses, mesmo com o Brasil chegando a mais de 142 mil mortos pela Covid-19. As atitudes do presidente Bolsonaro em relação à pandemia e seu desprezo pelas orientações científicas não estão descolados da realidade. Os números mostram que boa parte da sociedade brasileira pensa como ele no que diz respeito à ciência.
Como consequência, os brasileiros são céticos em relação ao potencial científico do seu próprio país. Apenas 8% acreditam que as realizações dos cientistas no Brasil estão acima da média internacional. É o índice mais baixo encontrado entre todos os países pesquisados. Na realidade, a baixa autoestima brasileira se repete em todas as outras áreas incluídas na pesquisa. Brasileiros também acreditam que o país está abaixo da média em empreendimentos tecnológicos, conquistas científicas e no ensino de ciência, tecnologia, engenharia e matemática. A pesquisa chama a atenção para as avaliações brasileiras, particularmente baixas.
Infográfico da pesquisa realizada pela Pew Research Center. A imagem representa a porcentagem da população de cada país que acredita que as áreas apontadas (tratamento médico, empreendimentos tecnológicos, conquistas científicas, ensino de tecnologia, engenharia e ciência em universidades e escolas, respectivamente) estão acima da média em seu país.
Apesar da desconfiança da população, o principal gargalo brasileiro é a falta de investimento mesmo em projetos científicos de sucesso. A Coppe (Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro) anunciou que, por falta de financiamento, o projeto MagLev-Cobra foi desativado. O veículo foi o primeiro do mundo a transportar passageiros utilizando tecnologia de levitação magnética por supercondutividade. O protótipo do Maglev-Cobra, desenvolvido por pesquisadores da Universidade Federal do Rio de Janeiro, chegou ao TRL 7, uma escala de maturidade tecnológica criada pela NASA que varia de 1 a 9. Em uma estrutura montada no próprio campus da universidade, o MagLev começou a funcionar em 2014 e já transportou mais de 20 mil pessoas; segundo seus idealizadores, poderia ser uma alternativa a outros modais de transporte. Mas, por enquanto, não há investimento para continuar desenvolvendo o projeto.
Os pesquisadores da Coppe conseguiram incentivo inicial para tirar o projeto do papel a partir de financiamento do BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) e da Faperj (Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro). Mas agora falta dinheiro para dar o passo seguinte. “Desde 2016 nós tentamos um apoio financeiro, mas não conseguimos”, diz Richard Stephan, coordenador do projeto MagLev-Cobra. “Eu cheguei a botar dinheiro do meu próprio bolso para manter o projeto, na expectativa de financiamento. Mas chegou um momento que não deu mais, e o trabalho precisou ser encerrado.” Funcionários envolvidos no projeto – engenheiros, técnicos etc – precisaram ser demitidos. Stephan conta que falta investimento para transformar o protótipo artesanal em um protótipo industrial, que pode ser produzido em larga escala. “Eu tenho o projeto completo de execução, todo pronto, só esperando um aporte significativo. Isso precisa sair da universidade e ir pra rua. Mas o que falta no Brasil é uma visão estratégica e isso afeta a produção científica”, desabafa. Stephan agora busca apoio para colocar seu projeto a serviço da sociedade. “Eu posso morrer, mas vou morrer brigando.”
O pessimismo brasileiro revelado pela pesquisa é um dos sintomas da frustração generalizada no país. A uma pergunta da pesquisa, que procurava saber se as pessoas estavam satisfeitas ou insatisfeitas com “como as coisas estão indo no Brasil”, 74% respondeu que estava insatisfeito – depois de Itália e Espanha, foi a maior proporção do mundo. Às vésperas da pandemia, o principal descontentamento do público brasileiro era com o nível de tratamento médico no país – 63% da população considera que nosso sistema de saúde está abaixo da média internacional. Nenhum outro país que integrou a pesquisa apresentou números tão desanimadores. Entre os poucos brasileiros que acreditam que o tratamento médico no país está acima da média internacional, a proporção é maior entre pessoas com menores níveis educacionais, que não completaram o ensino médio e normalmente utilizam o sistema público de saúde. A pesquisa mostrou que quanto maior o nível educacional de um brasileiro, mais pessimista ele é sobre a saúde local – um comportamento contrário ao verificado no resto do mundo.
Outro problema revelado pela pesquisa é a falta de compreensão sobre assuntos científicos. Para 68% dos brasileiros, o público geral não tem conhecimento suficiente para entender as notícias sobre descobertas científicas – para a maioria, esse é o maior entrave do processo comunicacional. O resultado disso recai sobre a confiança nacional nos cientistas. Apesar de 54% dos brasileiros acreditarem que os cientistas se baseiam estritamente em fatos para aferir sobre um assunto, menos da metade acha que as decisões devem ser tomadas por experts (41%). Para a maioria, as decisões devem depender de pessoas que têm “experiência prática”, mesmo que não sejam consideradas especialistas.
Esse resultado traduz o antiacademicismo que tomou conta do país nos últimos anos. Os ataques às universidades públicas, capitaneados por figuras do próprio governo, são, ao mesmo tempo, causa e consequência da baixa valorização do conhecimento científico no país. Em 2021, o Ministério da Educação já informou que vai cortar parte das verbas discricionárias de institutos federais e universidades. No ensino superior, o corte será de quase 1 bilhão de reais. Essa redução pode inviabilizar atividades de ensino, pesquisa e extensão no ano que vem e representa mais um golpe na já desvalorizada ciência nacional.
CAMILLE LICHOTTI (siga @camillelichotti no Twitter)
Estagiária de jornalismo na piauí
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