Este artigo foca três pontos implícitos na questão acima comentada: o desempenho acadêmico, a ascensão das instituições nos rankings globais de aferição e algumas formas práticas de alcançar as metas estabelecidas.
Por Jornal GGN
do Jornal da USP
por Jacques Marcovitch
No curso da pandemia covid-19 têm sido notáveis os benefícios sociais proporcionados pelas três universidades estaduais de São Paulo, representadas por seus cientistas, laboratórios e hospitais de grande porte. Este sistema de ensino superior, pesquisa e extensão de serviços à comunidade, formado pela USP, Unicamp e Unesp, responde por 34% da produção científica de todo o País, com estudos de alto impacto em várias áreas. E quando falamos de impacto elevado referimo-nos, sobretudo, aos conhecimentos geradores de proveito para a sociedade.
Mesmo com a significativa performance já mencionada, as três instituições empenham-se, conjuntamente, no Projeto Métricas, com apoio da Fapesp, visando a aprimorar o desempenho acadêmico e fortalecer mais ainda sua presença nas comparações internacionais. Este projeto é fruto de inédita parceria tríplice entre a USP-Unicamp-Unesp e pode ser visto como um pacto de ciência, no qual será indispensável a participação do Executivo, do Legislativo e da sociedade civil.
O pretendido uso pelo Executivo paulista do que alguns chamam de “superávit financeiro” das universidades, com o pretexto de realocação, pelo Estado, de recursos para pagamento de professores e servidores aposentados, não se apoia nos números e fatos. As universidades estaduais já pagam estes proventos com recursos da cota-parte que lhes cabe do ICMS. O PL 529, na verdade, fere de morte a pesquisa científica e demais atividades-fim das instituições representadas pelo Conselho de Reitores das Universidades Estaduais Paulistas (Cruesp).
Este artigo foca três pontos implícitos na questão acima comentada: o desempenho acadêmico, a ascensão das instituições nos rankings globais de aferição e algumas formas práticas de alcançar as metas estabelecidas.
Para aprimorar o desempenho
A excelência não basta. É preciso aprimorá-la continuamente e difundir ao máximo conteúdos que destaquem o desempenho acadêmico e sua reputação. Na área de graduação, a USP, Unicamp e Unesp acabam de apresentar uma robusta prova de apoio ao ambiente de negócios. Com base na Relação Anual de Informações Salariais (Rais) do Ministério da Economia, um estudo recente da FEA-USP, coordenado pelo professor Carlos Azzoni, demonstra que os profissionais das três universidades estaduais paulistas foram, em média, 62% mais produtivos, em 2018, do que os formados em outras instituições. A produtividade, como se sabe, é fator central no desenvolvimento. Não há exemplo mais eloquente de retorno do investimento feito pela sociedade no ensino superior público.
Uma série histórica das principais comparações internacionais revela que as universidades estaduais de São Paulo melhoraram a cada ano, desde 1988, quando a autonomia foi concedida. As universidades publicam muito mais em revistas científicas, seus artigos estão na vanguarda da ciência (mais citados) e as colaborações internacionais estão em crescimento. Em complemento, mais graduados e pós-graduados são formados em grande escala, pelo mesmo número aproximado de professores de 30 anos atrás.
A adoção de métricas no meio acadêmico, em tese, equipara-se ao que é previsto na legislação reguladora do cumprimento de metas assumidas pelos governadores e prefeitos. Tais metas, como se sabe, podem ser recalibradas em decorrência de fatores supervenientes como a queda de arrecadação e outros motivos de força maior adequadamente justificados. Constituem, portanto, um quadro de referência para que a sociedade monitore a governança dos agentes públicos.
Para ascender nas comparações internacionais
Para ganhar destaque nestas comparações, as universidades devem valorizar os artigos científicos altamente citados, não apenas porque os mesmos têm peso nas comparações, mas porque ajudam a elevar o reconhecimento da importância da pesquisa, mesmo que os resultados não sejam imediatamente aparentes.
Para elevar o número de artigos do chamado topo 10%, diferentes países adotaram iniciativas, como a formação de centros de pesquisa multidisciplinares e polos de excelência, abertura de linhas de financiamento específicas em tópicos emergentes e alteração das estruturas de recompensa pelo desempenho dos pesquisadores. As abordagens mais bem-sucedidas são aquelas que colocam os pesquisadores mais capacitados no centro das redes, permitindo que seus talentos incentivem a formação de redes em torno deles.
As áreas de ciências da agricultura, ciências vegetais e animais, farmacologia, ciências ambientais são todas fortes nas três universidades estaduais paulistas. Os fatores para este reconhecimento, quando estudados mais profundamente, mostram elementos que podem inspirar formas de determinar como as três instituições podem se fortalecer mutuamente.
As três universidades têm uma especialização excelente em matemática, o que torna surpreendente sua relativa falta de força em engenharia nas comparações internacionais, especialmente em ciências da computação. Para tanto, devem estudar a maneira pela qual países como Israel fomentaram centros de pesquisa multidisciplinar no Programa I-Core, ou como o Chile usou a sua especialização em astronomia para fortalecer uma variedade de disciplinas, alavancando suas vantagens preexistentes.
Como integrar o grupo das melhores universidades em escala global?
Identificar pesquisadores próximos da lista de altamente citados, oferecendo apoio institucional adequado para que os mesmos elevem o patamar de suas publicações e sejam incluídos nessas listas.
Incentivar a publicação nas revistas Nature e Science, e nas revistas incluídas no Shanghai Ranking Academic Excellence Survey.
Dar visibilidade, via estudos de caso e fóruns, aos projetos de pesquisa bem-sucedidos para uma avaliação crítica de como melhorar em ciclos futuros via indicadores.
Fortalecer a posição da universidade em parcerias internacionais focadas em pesquisas que viabilizem recursos em áreas de fronteira para a produção de resultados de alto impacto.
Identificar oportunidades de acesso a fundos de financiamento competitivos de pesquisa, no Brasil e no exterior, buscando robustecer conexões e interdependência em parcerias internacionais.
Incentivar os docentes a participar de projetos de pesquisa, desenvolvimento & inovação em empresas, assegurando-se a publicação de resultados em revistas indexadas de alta visibilidade.
Promover o engajamento da universidade no acesso aberto à pesquisa e informações. Criar portais digitais, com o perfil acadêmico dos docentes. Divulgando as políticas de publicação em revistas de Open Access, a instituição ganha mais visibilidade e destaque.
Rastrear a trajetória de egressos da pós-graduação da universidade em outras instituições ao redor do mundo. Isso é importante para caracterizar a universidade como formadora de pesquisadores de alto nível. Permite, igualmente, criar oportunidades, mesmo na diáspora de cérebros.
Conclusão
As três universidades estaduais paulistas mostram-se à sociedade unidas em torno de um projeto de governança com a mesma visão de futuro, garantia máxima de perenidade em qualquer organização. Ir para frente, abrir fronteiras, ganhar o mundo. No exercício de sua missão e no culto aos seus valores, cumprem agora uma trajetória comum. Buscam o reconhecimento internacional, avançando para além de seus campi, de seu país e do continente em que atuam.
A primeira contribuição ao pacto pela ciência, ora desenhado em seus traços básicos, virá, cremos nós, da compreensão, já próxima, dos poderes Executivo e Legislativo: o PL 529, como está redigido, praticamente anula a autonomia universitária da universidade pública em São Paulo.
As evidências demonstram que o Cruesp merece o bônus do reconhecimento e não apenas o ônus de explicar incansavelmente esta demanda essencial para a vitalidade das instituições que representa. Os reitores Marcelo Knobel, Sandro Valentini e Vahan Agopyan são cidadãos prestantes e idôneos, que se destacam pela devoção ao bem público e obstinado cumprimento de suas responsabilidades.
Outros cidadãos e cidadãs de proeminência na sociedade civil são chamados a este pacto, a começar pelos dirigentes dos movimentos Todos pela Educação e Todos pela Saúde. Este compromisso tem como horizonte o ano de 2022, quando o Brasil celebrará o bicentenário da Independência, proclamada em São Paulo, um estado de respeito.
Jacques Marcovitch, ex-reitor da USP e Professor Emérito da Faculdade de Economia, Administração e Contabilidade (FEA) da USP
Este artigo foi publicado originalmente no jornal O Estado de S. Paulo, na edição de 25 de setembro de 2020.
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