segunda-feira, 30 de novembro de 2020

Cancelamento do debate da Globo e isolamento social: o Circuit Braker político da pandemia

          Wilson Roberto Vieira Ferreira

O cancelamento no último instante, por razões sanitárias, do debate na TV Globo com os candidatos às eleições de São Paulo no segundo turno e a imagem de Boulos, em isolamento social, segurando uma cartolina estampada “Vamos Virar!” são emblemáticas. São instantâneos de mais uma janela de oportunidades que a pandemia Covid-19 está proporcionando ao “Estado de Segurança”: o “Circuit Braker” social e político – campanhas eleitorais frias e engessadas, desde as regras dos debates televisivos que evitam confrontos ao esvaziamento das ruas por razões sanitárias e que favorecem a continuidade do "status quo". Com as ruas vazias, como reverter cenários eleitorais adversos? No campo da Comunicação, esse "circuit braker" esvazia a própria alma das transformações políticas: o “acontecimento comunicacional”.

Uma gag famosa do cinema mudo de pastelão (“slapstick”) é a chamada “The Last Minute Rescue”: a mocinha foi amarrada e amordaçada nos trilhos do trem pelo vilão com longos bigodes e uma capa escura... a locomotiva aproxima-se velozmente enquanto a mocinha se debate aterrorizada... eis que, no último instante, do nada, surge o mocinho que com uma incrível agilidade desamarra as cordas e tira a garota dos trilhos no exato instante em que a locomotiva passa. A salvação no último instante!

O cancelamento na última hora do último debate entre os candidatos à prefeitura de São Paulo, a 48 horas das eleições, na TV Globo traz à mente desse cinéfilo blogueiro essa célebre gag do velho cinema slapstick dos primórdios do cinema: a salvação no último instante!

Nos últimas dias da reta final da campanha, diante da ascensão de Guilherme Boulos nas pesquisas, Bruno Covas já dava sinais de que estava descendo das “sandálias da humildade” daqueles que acreditam que a vitória está garantida: numa entrevista no estúdio da rádio CBN perde a compostura e agressivamente acusa os jornalistas de serem pautados pelo PSOL ao serem levantadas questões sobre o vice Ricardo Nunes; em vídeo foram flagrados aliados de Covas distribuindo cestas básicas configurando compra de votos; em meio a essas denúncias, Bruno Covas demite a diretora de promoção de ética, Jaqueline de Oliveira (acompanhado pelo silêncio da grande mídia – como sempre, sem querer ligar lé com cré); de forma canhestra, Covas denuncia uma suposta “mostra de radicalismo” no adversário ao tentar atrelar o PSOL a Cuba e Venezuela – “não estou concorrendo à prefeitura de Caracas”, ironizou Boulos.

O contágio de Boulos pelo novo coronavírus e o maroto cancelamento do debate pela Globo (a emissora se justificou pelo cumprimento de acordo de regras padrão acertada com os dois partidos que previa um debate unicamente presencial – as vinhetas motivacionais da emissora que falam tanto em “reinventar-se” nesse momento de pandemia parece não se aplicar à própria Globo...) cobraram um alto preço: interromper o arranque final da campanha psolista.

De imediato, os analistas de canais como Globo News e CNN já falavam em “perda de gás” de Boulos nas últimas pesquisas e que ele seria o maior prejudicado pelo cancelamento do último debate.

Pelo menos nisso esses analistas da grande mídia tinham razão: Boulos teria finalmente a primeira oportunidade em debater no quintal do monopólio midiático global, e ser visto e ouvido por grandes audiências. Sua munição já estava bem acondicionada e Covas já sentia os golpes e os flancos ficavam vulneráveis.

O debate seria certamente tenso, o que talvez furasse a estratégia deliberada do TSE em manter baixa a temperatura das campanhas eleitorais, com regras que engessam o debate político – oportunamente reforçado pelo agravamento da pandemia, tornando manifestações de rua, carreatas e comícios como atos contrários às medidas sanitárias. Sem ir as ruas, como reverter cenários adversos?

Além de superar o formato de debates televisivos também deliberados que tentam evitar a todo custo os confrontos.


O “demasiado humano” como acontecimento comunicacional

A imagem de Guilherme Boulos, cumprindo isolamento social aparecendo na sacada da sua casa segurando uma cartolina onde lia-se “Vamos Virar!” é emblemática e cheia de sentidos.

Primeiro: o oportuno (para Bruno Covas) isolamento social de Guilherme Boulos impediu a possibilidade de ser criada condições daquilo que é o mais importante na comunicação: o acontecimento comunicacional, o imponderável, aquilo que para a semiologia estóica (escola da filosofia helenística grega) chama-se “o incorpóreo” – fenômeno efêmero, mas capaz de produzir grande efeitos – sobre isso leia MARCONDES FILHO, Ciro, O Escavador de Silêncios: Formas de construir e desconstruir sentidos na Comunicação, Paulus, 2004.

Explicando melhor: o que dá alma a um debate político não é apenas o chamado “debate de ideias”, mas principalmente o confronto pela revelação de malfeitos, contradições, hipocrisias, ou seja, o “demasiado humano” da qual tanto falava Nietzsche. Ninguém se posta diante de uma TV para ouvir promessas ou intenções. Mesmo porque, ninguém acredita nelas. Questionar aquilo que não foi feito ou como os desmandos do passado poderão se refletir no futuro é aquilo que cria condições ao surgimento do acontecimento comunicacional – o ponto de viragem, a singularidade

Um tipo de acontecimento que passa bem longe do álibi da racionalidade iluminista atrás da qual se escondem as regras das campanhas eleitorais que querem transformar a Política num evento masoquista, entediante, reforçando a estratégia geral de depreciação da Política.

Esse humilde blogueiro não acredita em coincidências (principalmente em Política), mas em sincronismos. HOW CONVEEEEEENIENT! Exclamaria a impagável “Church Lady” do humorístico “Saturday Night Live”. Quem ganhou com o isolamento social de Boulos e o apressado cancelamento do debate pela Globo? – a má vontade da emissora já era evidente, negando-se a promover um debate no primeiro turno.

Mas como!!! O escriba dessas mal traçadas linhas está insinuando uma conspiração? Boulos foi propositalmente contaminado por alguma mirabolante guerra biológica tucana?


Esse é o segundo sentido da foto de Boulos citada acima. É simbólica a imagem de um líder de esquerda forçado a ficar em casa no momento decisivo da campanha, segurando um cartaz que estampa o desejo da “virada” e confinado às lives em redes sociais, circunscrito à bolha virtual sem poder falar com a opinião pública.
Agenda do “Reset Global”

“Reset global”, “circuit braker social”, “reengenharia social” são expressões usadas para identificar a incrível janela de oportunidades em que está se constituindo a pandemia para permitir reorganizações das peças (políticas e econômicas) dentro do Capitalismo e fazer rodar uma agenda oculta – financeira, necropolítica, controle populacional etc. – clique aqui.

Mas no campo político, a pandemia vem funcionando mesmo como um mecanismo análogo ao “circuit braker” dos mercados financeiros - mecanismo de segurança utilizado pela Bolsa de Valores para interromper todas as operações no momento em que as ações negociadas sofrem grandes quedas consideradas atípicas – espera-se que a tendência seja a amenização das quedas e o mercado volte ao seu movimento considerado natural.

Entre todas as janelas de oportunidades que a pandemia abre, a principal é a cessação parcial ou total da atividade política nas ruas dentro daquilo que os cientistas políticos chamam de “Estado de Segurança”, um estado que impõe limites às atividades políticos. Dessa vez, em nome da “saúde pública”.

Todos os movimentos do espectro político são circunscritos dentro desse horizonte de eventos criado pela urgência do Estado de Segurança. Manifestações de ruas são proibidas, a temperatura dos confrontos políticos é baixada, favorecendo a continuidade do status quo – é como se todas as posições do espectro políticas fossem de repente congeladas, garantindo a continuidade da hegemonia política dominante do momento.


Manifestações de rua até podem ocorrer, mas agora terão que enfrentar uma dupla censura: além da ideológica tradicional (manifestantes como “extremistas” ou “baderneiros”), também a, por assim dizer, “ética sanitária” – ambas passíveis de tradicional repressão pela força policial.

O monopólio midiático que suspende o debate decisivo por razões sanitárias e o pronunciamento de Boulos reconhecendo a vitória de Bruno Covas transmitido pela Internet são eventos emblemáticos dessa nova reengenharia social que a agenda do “Grande Reset Global” está impondo.

Uma agenda que está celebrando a chamada “quarta revolução industrial”: tudo tem que ser digital. Todas as sociedades precisam construir infraestrutura digital, tanto para a economia quanto para os serviços públicos. A pandemia está ensinando aos cidadãos tudo sobre a vida digital.

Das aulas on line ao futuro voto digital através do celular, a Política será reduzida a práticas de “gestão” e o confronto político-ideológico a “debates de ideias”, expurgando da vida pública a alma das transformações políticas: o acontecimento comunicacional.

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