Em 1996, a Pfizer enviou uma equipa para Kano, na Nigéria, onde estava a ocorrer um surto de meningite. A empresa queria testar um antibiótico novo, o Trovan, e viu o surto como uma oportunidade. Deste ensaio resultou a morte de 11 crianças e mais terão ficado com paralisia cerebral.
Bruno Maia
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A Pfizer foi a primeira empresa a colocar uma vacina contra a Covid-19 no mercado. Irá produzir um total de 1350 milhões de doses este ano, no entanto, já “pré-vendeu” mil milhões (82%) a um conjunto restrito de países (ricos) que representam apenas 14% da população mundial. A farmacêutica propagandeia não ter recebido qualquer fundo público para produzir a sua vacina (ao contrário das restantes), só que o seu produto resulta de uma parceria com outra empresa, mais pequena, a BioNTech. E a BioNTech recebeu fundos públicos, precisamente 375 milhões de euros da Alemanha e 100 milhões do Banco Europeu de Investimento.
O primeiro anúncio de uma vacina contra esta pandemia surgiu em Novembro, pela boca do CEO da Pfizer, que confirmou uma eficácia superior a 90% nos ensaios clínicos com humanos sem, no entanto, tornar os resultados públicos. Passariam semanas até conhecermos esses resultados. Mas passaram menos de 24 horas até o mesmo CEO ter vendido ações da empresa no valor de 5,56 milhões de dólares, aproveitando o efeito do anúncio que o próprio tinha feito. Aparentemente, a venda das ações estaria planeada há meses. O que não estava nos planos de ninguém era o anúncio de resultados de ensaios clínicos, sem que os mesmo estivessem prontos...
É esta empresa a quem tantos elogios se tecem por ter desenvolvido a vacina contra a covid-19 “tão rapidamente”! Na próxima vez lembrem-se das crianças do Kano, ou do milhão que morre todos os anos por uma pneumonia prevenível
A Pfizer é uma das maiores farmacêuticas do mundo. Atualmente só fica atrás da Johnson & Johnson, em termos de lucros: 52 mil milhões de dólares em 2019. Aos seus acionistas, a empresa já prometeu lucros de 15 mil milhões em 2021, só com a venda da nova vacina. Sobre partilhar a patente da vacina para aumentar a produção da mesma, o CEO tem apenas a dizer que: “Nesta altura, acho que não faz sentido... e seria perigoso”!
Mas quem é a Pfizer, afinal? Talvez seja mais fácil responderem a esta pergunta: lembram-se do filme “O fiel jardineiro”? Um filme de 2005, de Fernando Meirelles, com o Ralph Fiennes e a Rachel Weisz (óscar para melhor atriz secundária), no qual a personagem de Rachel é assassinada em África por estar envolvida numa investigação secreta a uma multinacional farmacêutica, que estava a fazer ensaios clínicos muito pouco éticos de um medicamento novo em africanos, manipulando os seus resultados e dos quais resultaram a morte de várias pessoas. Pois essa multinacional chama-se Pfizer e a história é verdadeira...
Em 1996, a Pfizer enviou uma equipa para Kano, na Nigéria, onde estava a ocorrer um surto de meningite. A empresa queria testar um antibiótico novo, o Trovan, e viu o surto como uma oportunidade. Desenhou ensaios clínicos para comparar o seu novo antibiótico com o antibiótico clássico – o ceftriaxone. Só que um “whistleblower” dentro da empresa revelou que a Pfizer não tinha pedido consentimento aos doentes para o fazer – vários pais vieram afirmar que não faziam ideia de que os seus filhos estavam a receber um medicamento “experimental”. Deste ensaio resultou a morte de 11 crianças e mais terão ficado com paralisia cerebral. Mais tarde apurou-se que a empresa administrava doses reduzidas de ceftriaxone às crianças, numa tentativa de diminuir a sua eficácia, aumentando os resultados positivos do seu produto, por comparação. A Pfizer acabou a pagar indeminizações na ordem dos 75 milhões de dólares à população de Kano. “Fast-forward” duas décadas e quando rebentou o escândalo da “Wikileaks”, alguns documentos secretos tornados públicos, demonstravam que a empresa tinha contratado uma equipa de investigadores para “descobrirem” provas de corrupção do Ministro da Justiça nigeriano, com o intuito de o chantagearem a abandonar o processo judicial contra a Pfizer.
Mas esta história horripilante não é a única que acompanha a empresa. Em 2016, no Reino Unido, a Pfizer foi condenada pela Autoridade da Concorrência a pagar a maior multa alguma vez passada por aquele organismo, por ter inflacionado artificialmente o preço de um medicamento anti-epiléptico, a fenitoína, para o qual detinha posição dominante de mercado. De um ano para o outro a companhia aumentou o preço do medicamento em 2600%. A Pfizer também é dona de uma vacina contra a pneumonia provocada por pneumococos, uma infeção que afeta especialmente crianças vulneráveis, em países pobres. Entre 2001 e 2015, o preço da vacina aumentou 68 vezes e, segundo os Médicos Sem Fronteiras, morrem todos os anos 1 milhão de crianças com esta pneumonia, por falta de acesso à vacina. Em 2009, a Pfizer voltava a bater recordes, tendo sido multada nos Estados Unidos em 2,3 mil milhões de dólares, a maior multa da história norte-americana, por ter promovido ilegalmente um medicamento destinado a tratar artrites, o Bextra, publicitando o uso não autorizado noutras doenças, a prescrição de doses 8 vezes superiores ao aprovado e por ter pago prémios indevidos a médicos prescritores.
Pois é. É esta a empresa. Aquela a quem tantos elogios se tecem por ter desenvolvido a vacina contra a covid-19 “tão rapidamente”! Na próxima vez lembrem-se das crianças do Kano, ou do milhão que morre todos os anos por uma pneumonia prevenível.
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