13/07/2021 Sputnik/Alexei Nikolskyi/Kremlin via REUTERS (Foto: SPUTNIK)
A sessão plenária é, tradicionalmente, o ponto alto das discussões anuais do Clube Valdai. O Presidente Putin, com frequência, é o principal orador
Por Pepe Escobar, para o Asia Times
Tradução de Patricia Zimbres, para o 247
A sessão plenária é, tradicionalmente, o ponto alto das discussões anuais do Clube Valdai – um dos principais encontros intelectuais da Eurásia, que é sempre indispensável acompanhar.
O Presidente Putin, com frequência, é o principal orador. Neste ano, em Sochi, como tratei em minha coluna anterior, o tema dominante foi As Transformações Globais no Século XXI: o Indivíduo, os Valores e o Estado.
Putin atacou esse tema frontalmente, naquilo que já pode ser considerado como uma das falas geopolíticas mais importantes de tempos recentes (uma transcrição até agora incompleta pode ser encontrada aqui), certamente seu momento mais poderoso sob os holofotes. Essa fala foi seguida de uma ampla sessão de perguntas e respostas (começando em 4:39:00).
Como seria de se esperar, toda uma gama de atlanticistas, neocons e intervencionistas liberais terão um ataque apoplético. O que é irrelevante, pois, para observadores imparciais, em especial do Sul Global, o importante é prestar muita atenção à maneira como Putin expressou sua visão de mundo - inclusive em momentos de extrema franqueza.
Logo ao início, ele evocou os dois ideogramas chineses que ilustram "crise", como em "perigo" e "oportunidade", combinando essa imagem com o ditado russo: "lute contra as dificuldades com a mente e lute contra os perigos com a experiência".
Essa elegante e oblíqua referência à parceria estratégica Rússia-China conduziu a uma concisa avaliação do estado do atual tabuleiro de xadrez.
"O realinhamento da balança do poder pressupõe a distribuição de cotas para países em ascensão e desenvolvimento, que até agora sentiam-se deixados de fora. Falando de forma curta e grossa: o domínio ocidental sobre os assuntos internacionais, que teve início vários séculos atrás e que, por um curto período ao final do século XX, foi quase absoluto, está cedendo lugar a um sistema muito mais diversificado".
Essa constatação abriu caminho para uma outra caracterização oblíqua da Guerra Híbrida como o novo modus operandi:
"Antes, uma guerra perdida por um lado significava vitória para o outro lado, que assumia a responsabilidade pelo que acontecia. Por exemplo, a derrota dos Estados Unidos na Guerra do Vietnã não transformou o Vietnã em um "buraco negro". Ao contrário, surgiu ali um estado em desenvolvimento bem-sucedido que, explicitamente, contava com o apoio de um aliado forte. As coisas agora são diferentes: independentemente de quem prevaleça, a guerra não termina, mas muda de forma. De modo geral, o hipotético vencedor reluta, ou se vê incapaz de garantir a uma recuperação pós-guerra pacífica, o que só faz piorar o caos e o vácuo, gerando um perigo para o mundo."
Um discípulo de Berdyaev
Em vários momentos, mas em especial durante as perguntas e respostas, Putin confirmou ser grande admirador de Nikolai Berdyaev. É impossível entender Putin sem entender Berdyaev, um filósofo-teólogo e, essencialmente, um filósofo da Cristandade.
Na filosofia da história de Berdyaev, o significado da vida é definido em termos de Espírito, ao contrário da ênfase colocada pela modernidade secular na economia e no materialismo. Não é de surpreender que Putin jamais tenha sido marxista.
Para Berdyaev, é como se a História fosse um método tempo-memória por meio do qual o Homem trabalha em direção a seu destino. É a relação entre o divino e o humano que dá forma à história. Ele colocava uma enorme importância no poder espiritual da liberdade humana.
Putin fez diversas referências à liberdade, à família - em seu caso, de meios modestos - e à importância da educação, elogiando enfaticamente sua formação na Universidade Estatal de Leningrado. Paralelamente, ele arrasou por completo com a mentalidade woke, o transgenerismo e a cultura de cancelamento promovida "sob a bandeira do progresso".
Esse é apenas um de uma série de trechos fundamentais:
"Estamos surpresos com os processos que vêm se desenrolando em países que antes se viam como pioneiros do progresso. As turbulências sociais e culturais que ocorrem nos Estados Unidos e na Europa Ocidental, é claro, não são da nossa conta, e não interferimos nelas. Nos países ocidentais, muitos estão convencidos de que o apagamento agressivo de páginas inteiras de sua própria história, a "discriminação reversa" da maioria em favor das minorias, ou a exigência de que se abandone a compreensão usual de coisas básicas como pai, mãe, família e até mesmo a diferença entre os sexos, e que tudo isso, em sua opinião, se constitui em marcos do movimento direcionado à renovação social".
Boa parte de sua fala de 40 minutos, bem como algumas de suas respostas, codificaram alguns marcadores daquilo que ele já havia definido como "conservadorismo saudável": "Agora que o mundo vem passando por um colapso estrutural, a importância de embasar a formulação de políticas em um conservadorismo sensato se multiplicou em muitas vezes, precisamente porque o risco e os perigos vêm-se avolumando, e a realidade a nossa volta é frágil".
Voltando à arena geopolítica, Putin foi categórico: "somos amigos da China. Mas não somos contra ninguém".
Em termos geoeconômicos, ele mais uma vez dedicou tempo a uma explicação magistral, ampla – e até mesmo apaixonada - sobre o funcionamento do mercado de gás natural, associado à aposta perdedora da Comissão Europeia no mercado de pagamento à vista (spot market), e ao porquê de o Nord Stream 2 ser um divisor de águas.
O acadêmico Zhou Bo, da Universidade Tsinghua, tratou de um dos principais desafios geopolíticos da atualidade na sessão de perguntas e respostas: ele apontou que "se o Afeganistão tiver problemas, a Organização de Cooperação de Xangai terá problemas. Portanto, como a OCX, liderada pela China e pela Rússia, poderá ajudar o Afeganistão?"
Em sua resposta, Putin ressaltou quatro pontos. Terá que haver uma recuperação econômica; o Talibã terá que erradicar o tráfico de drogas; a principal responsabilidade deverá ser assumida "pelos que estão presentes há vinte anos" – ecoando a declaração conjunta publicada após a reunião entre a troika ampliada e o Talibã realizada em Moscou na quarta-feira; e as verbas estatais do Afeganistão devem ser desbloqueadas.
Ele mencionou também, de forma indireta, que a grande base militar russa no Tajiquistão não é exatamente uma peça decorativa.
Putin voltou à questão do Afeganistão no decorrer da sessão de perguntas e respostas, ressaltando mais uma vez que a OTAN não deve se "eximir da responsabilidade". Ele argumentou que o Talibã "vem tentando combater os radicais extremistas". Quanto à "necessidade de partir de um componente étnico", ele mencionou os 47% de tajiques no total da população afegã - talvez um número superestimado - mas a mensagem era a de que um governo inclusivo era imperativo.
Ele também chegou a uma posição de equilíbrio: "da mesma forma que estamos compartilhando com eles [o Talibã] uma visão vinda de fora", a Rússia está "em contato com todas as forças políticas do Afeganistão", como ele fez questão de deixar bem claro.
Aqueles insuportáveis russos
Compare-se agora tudo o que foi dito acima com o atual circo da OTAN em Bruxelas, agora com o novo "plano diretor para conter a crescente ameaça russa".
Ninguém jamais perdeu dinheiro subestimando a capacidade da OTAN de alcançar os píncaros da estupidez inconsequente. Moscou sequer se dá ao trabalho de tentar novamente conversar com esses palhaços: como apontou o Ministro-Chanceler Sergey Lavrov, "a Rússia não irá mais fingir que algum tipo de mudança nas relações com a OTAN seja possível em um futuro próximo".
Moscou, de agora em diante, só conversa com quem manda - em Washington. Afinal, a linha direta entre o Chefe do Estado Maior, o General Gerasimov, e o Comandante Aliado Supremo da OTAN, General Todd Wolters, permanece ativa.
Na avaliação de Lavrov, isso ocorre pouco depois de "todos os nossos amigos da Ásia Central (…) nos dizerem que são contra (…) as abordagens, quer dos Estados Unidos quer de qualquer outro estado-membro da OTAN", no tocante a uma operação imperial de "contraterrorismo" vir a ser estacionada em qualquer um dos "istãos" da Ásia Central.
E, mesmo assim, o Pentágono continua a provocar Moscou. O Secretário da Defesa e lobista woke Lloyd "Raytheon" Austin, que supervisionou a Grande Fuga do Afeganistão, pontifica agora que a Ucrânia deve de fato se juntar à OTAN.
Essa será a última estaca a empalar o zumbi com "morte cerebral" (copyright de Emmanuel Macron), no momento em que ele se depara com seu destino, vituperando contra ataques russos simultâneos ao Báltico e ao Mar Negro usando armas nucleares.
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