Jair Bolsonaro (Foto: Ueslei Marcelino/Reuters)
“O PT segue sendo o eixo de referência do sistema partidário brasileiro, os outros partidos revezando-se na posição antagônica”
Por Mario Vitor Santos
No caso de as eleições de outubro serem decididas mesmo entre, como tudo indica, Lula e Bolsonaro, algumas definições importantes já se deixam entrever.
A primeira delas é que o PT segue sendo o eixo de referência do sistema partidário brasileiro, os outros partidos revezando-se na posição antagônica. O PSDB, partido que polarizou nas últimas décadas com o PT até 2014, decaiu muito desde então, sendo incapaz de sustentar a bandeira do antipetismo já por duas eleições presidenciais. Pode perder agora até mesmo bastiões nos importantes estados de são Paulo e Rio Grande do Sul.
Ao defrontar-se com Bolsonaro mais uma vez, Lula e o PT cumprem o princípio político e bélico segundo o qual tão importante como arregimentar e preparar suas próprias forças para a disputa é selecionar contra qual será o inimigo.
É fato que Bolsonaro encarna o reacionário repugnante, defensor da ditadura militar e suas torturas, sem deixar de ter um programa econômico neoliberal, benéfico apenas para os ricos até as vésperas das eleições quando ele assume iniciativas voltadas para captar o voto dos necessitados.
Além de professar o racismo, exerce ações deliberadas de desproteçāo do meio ambiente, especialmente na Amazônia. Diante de um candidato assim, fazia todo sentido que o PT se sentisse mais à vontade para derrotá-lo nas eleições passadas, em 2018, deslocando os tucanos de sua posição antagônica.
O enredo não funcionou em função da Lava Jato, que resultou na prisão de Lula, criando uma situação difícil que foi agravada pela facada em Bolsonaro em 2018.
Com os mesmos protagonistas daquela, estas eleições de 2022 podem ser vistas como uma espécie de "segundo turno" de 2018.
As posições mudaram, Lula está inocentado e livre, Bolsonaro fragilizou-se por sua atuação na pandemia, pela crise econômica e por questionar o sistema de votação.
O PSDB ameaça entrar em decadência definitiva e por ora nenhuma outra agremiação exibe candidatos com carisma, estrutura ou ideário capaz de imantar o eleitorado nacional. Com todo o desgaste imposto a Lula e ao PT pela mídia conservadora e a Lava Jato, só mesmo um governo com falhas sérias em momentos de desespero poderia abrir as portas para o surgimento tão vigoroso de Lula.
Afinal, a opção do PT em 2018, ao preferir um candidato mais vulnerável, revela seu sentido. Só mesmo quatro anos de Bolsonaro poderiam fazer fluir tanto apoio para Lula, inclusive entre o tucanato, a mídia e o empresariado, num arco político amplo que antes seria impensável montar num primeiro turno em torno de um candidato petista. Até mesmo fora do país essa preferência se faz sentir, ainda que indiretamente.
Insinua-se um novo arranjo de certa forma "bipartidário" no nível nacional com o qual convivem pluripartidarismos estaduais. Estas instâncias nos estados são muito importantes não por sua capacidade de conquistar o Planalto diretamente, mas pelo potencial de municiar um domínio decisivo sobre o Congresso.
É nas províncias que se engendra essa outra forma de posse indireta do governo federal, tāo cobiçada quanto a eleição presidencial, e menos estreitamente vigiada do que a que se exerce sobre o Executivo.
Se o fiel da balança eleitoral que se vê hoje surpreender e pender para Bolsonaro, o esquema bipartidário em nível presidencial nacional se estabiliza por mais quatro anos.
Podem-se agravar as condições de sobrevivência de partidos "menores". O PT terá que tratar de uma inédita sobrevida sem Lula.
Se Lula e o PT vencerem, porém, Bolsonaro estará obrigado a sustentar seu movimento fora do governo.
Trump conseguiu fazê-lo via Partido Republicano. Bolsonaro parece desejar o mesmo. A depender da extensão da derrota, sobrevirāo as inevitáveis buscas dos responsáveis pelo fracasso, impensável até a pandemia. Ele talvez se transforme numa figura fantasmagórica.
Será que o projeto de Bolsonaro vai além do de evitar sua prisão? Mesmo agora, o bolsonarismo já se apresenta dividido, com Lira abandonando o conto das urnas fraudadas e do golpe. Se ficarem com Bolsonaro, depois de povoarem seu governo, os militares expõem-se a novo fracasso político, ainda mais desmoralizante do que foi a que os levou a sair do poder após a ditadura que leva seu nome.
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