terça-feira, 30 de abril de 2024

O NEGÓCIO DO JAIR - A História secreta do clã Bolsonaro (gota 02)



A preparação dos Bolsonaro para disputar as eleições de 2018 começou muito antes do período autorizado pela Justiça Eleitoral. Contando com a vitória, o clã fazia planos. Numa tentativa de maquiar o passado, o então pré-candidato, ciente de seus pontos sensíveis, do que podia atingir a ele e à família, dava início a uma operação pente-fino.

Seus assessores tinham tarefas a serem cumpridas. O policial Fabrício Queiroz, por exemplo, ficou encarregado de dar um jeito em algumas pessoas que, embora lotadas no gabinete, não davam expediente lá. Eram os funcionários-fantasmas do gabinete de Flávio Bolsonaro, e cabia a Queiroz ajudar a administrar o grupo. 

No meio da manhã de 5 de dezembro de 2017, Queiroz enviou uma mensagem a Danielle Mendonça da Nóbrega. A conversa começou às 10h11 e durou 45 minutos.* 

“Quando você puder, queria te encontrar e entregar seus contras [contracheques] e conversar [com] você.” 

“Oi meu amigo. Bom dia. Ah podemos sim. Só me avisar. É conversa boa ou ruim?” 

“Sobre seu sobrenome não querem correrem risco, tendo em vista que estão concorrendo e [a] visibilidade que estão. Eu disse que você está separada e está se divorciando.” 

“Ah entendi. Verdade meu amigo.” 

“Vocês estão se divorciando?” 

“Não.” 

“Hummm.” 

“Continuamos casados. Separados de corpos. Você acha que vai pegar alguma coisa?” 

“Estão fazendo um pente-fino nos funcionários e família deles. Saiu uma matéria já no Globo de domingo.”  

“Ah não leio jornal. Nem vejo tevê. Fico por fora. Mas me segura lá.” 

“Tentarei.”

O alerta do clã Bolsonaro foi disparado por uma reportagem de O Globo. Dois dias antes, o jornal publicara que entre os assessores de Flávio havia dois familiares da advogada Ana Cristina Siqueira Valle, segunda mulher de Jair Bolsonaro,1 conhecida como Cristina. Ela mesma havia sido assessora de Carlos, outro filho do pré-candidato.

Mesmo assim, não se sabe como, Queiroz conseguiu manter Danielle Nóbrega na lista de funcionários de Flávio na Alerj. E o tempo foi passando. A situação ilegal era favorecida pelo fato de que a própria Assembleia não divulgava a lista de nomes dos assessores de cada deputado. Aquela troca de mensagens entre Queiroz e Danielle, em dezembro de 2017, seria um prenúncio do que viria a acontecer. 

O problema com Danielle era exatamente o que Queiroz havia mencionado na conversa: o sobrenome. Até 2011, ela fora casada com Adriano Magalhães da Nóbrega, ex-capitão do Bope da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Conhecido pela coragem, Nóbrega terminou expulso da corporação em 2014 por se envolver em crimes do jogo do bicho. Matador de aluguel, ingressou como miliciano nas fileiras do crime organizado carioca e passou a liderar um grupo que ficou conhecido por “Escritório do Crime”, em Rio das Pedras. 

Esse grupo de assassinos profissionais, há muito ignorado por setores da polícia civil e da promotoria fluminense, entrou no radar dos investigadores que tentavam identificar os executores da vereadora Marielle Franco, do PSOL, em março de 2018. Assim, com tantos detalhes vindo à tona, o segredo da proximidade entre os Bolsonaro e Nóbrega não ia durar muito. Danielle, porém, parecia ignorar o risco que o ex-marido corria. Tampouco se preocupava com sua conexão com Nóbrega. 

Já Queiroz tinha noção do problema e deixou evidente que a família Bolsonaro também temia ser relacionada àquele sobrenome. Mesmo assim, no primeiro semestre de 2018, o assessor de Flávio foi, sigilosamente, ao apartamento onde Adriano morava na Barra para almoçar com o ex-colega de farda e sua nova mulher, Julia Lotufo. Os três falaram da campanha presidencial em tom animado, mas ainda em dúvida sobre as reais chances de Bolsonaro vencer. Meses depois, em 6 dezembro de 2018, de homem forte dos bastidores do clã, Queiroz foi rebaixado a pária, catapultado para os holofotes de um escândalo, após a publicação de uma reportagem do Estadão

Faltava cerca de um mês para a posse do presidente eleito e a calçada na frente da guarita do condomínio Vivendas da Barra tinha virado uma espécie de acampamento de jornalistas desde o fim da eleição, um mês antes. Os funcionários do local até haviam fixado umas grades para controlar o movimento de pessoas. 

Jair Bolsonaro tem uma casa no Vivendas desde 2009, onde vivia com Michelle Bolsonaro, sua terceira mulher, e a filha mais nova, Laura. No mesmo condomínio, a poucos metros, em outra casa também pertencente a Jair, mora o vereador Carlos Bolsonaro, o segundo filho do presidente. 

O Vivendas fica na avenida Lúcio Costa, de frente para a praia da Barra da Tijuca, na Zona Oeste do Rio, entre o Posto 3 e 4. Quando um morador quer dar um mergulho no mar, é só atravessar a rua. Protegido por muros e uma cerca de arame farpado, abriga casas de alto padrão, mas não chega a ser um condomínio de luxo. Da rua, na entrada, não se vê a casa de Bolsonaro. 

A fachada do Vivendas aparecia na tevê com frequência naquele fim de 2018. As pessoas se postavam em frente à portaria, ansiando pela oportunidade de ver Jair. Se não tivessem tempo de esperar por ele, só gritavam “Mito” e tiravam uma foto do local. 

A alguns metros da portaria está o hotel Windsor Barra, palco de alguns encontros importantes para a história de Bolsonaro. Flávio também mora a poucas quadras dali. É um pedaço da Barra que funciona como se fosse um refúgio do clã. 

O modo como Bolsonaro se comportava com os jornalistas nesse período que antecedia à posse já sinalizava sua difícil, para dizer o mínimo, relação com a imprensa. O presidente eleito passava a maior parte do tempo em casa desde o fim de setembro, antes do primeiro turno, se recuperando das complicações do atentado que sofrera no início daquele mês. Mas, mesmo depois de recuperado e já eleito, ele não despachava em nenhum escritório. A imprensa teve que fazer plantão na frente do condomínio, era o único jeito de acompanhar os planos de Bolsonaro para o país, sobretudo a escolha e o anúncio do time de ministros. 

Os vizinhos não gostavam da presença dos repórteres, mas não havia alternativa. As equipes se revezavam todos os dias. Chegamos a levar cadeiras de praia para ter onde sentar, do contrário eram horas e horas em pé. Quando alguém queria ir ao banheiro, recorria aos hotéis das redondezas. Das primeiras horas da manhã até tarde da noite, passávamos o dia, com chuva ou sol. Fizemos amizade com ambulantes que vendiam água e outros itens. Almoço ou jantar eram pedidos por aplicativos.

O Jornalista Fábio Serapião, então repórter do jornal O Estado de S. Paulo, estava de férias no Rio de Janeiro na primeira semana de dezembro de 2018. Tomava um chope no Jobi, no Leblon, na Zona Sul, quando surgiu a possibilidade de encontrar uma fonte. E a pessoa chegou com uma dica: o nome dos Bolsonaro era mencionado nos arquivos de uma operação relacionada aos processos da Lava Jato fluminense. Na hora o repórter lembrou que pouco tempo antes alguém lhe havia sugerido acessar documentos do Coaf (Conselho de Controle de Atividades Financeiras), nos quais haveria uma menção a Jair. 

Na sequência, a fonte, ainda no bar, entregou a Serapião uma cópia digital de uma gama enorme de dados, e as férias do jornalista se encerraram ali. Ele voltou para o hotel e varou a noite lendo documentos, até que encontrou um relatório de 422 páginas, no qual o nome citado não era o de Jair, mas o de um ex-assessor de Flávio Bolsonaro. 

O documento registrava uma movimentação atípica de 1,2 milhão de reais na conta de Fabrício Queiroz, descrito ali como assessor de Flávio, na época da produção daquele relatório. O filho mais velho de Bolsonaro se elegera para o Senado, mas ainda não havia tomado posse. 

Movimentação atípica é o nome que se dá a uma transação não usual efetuada em uma conta bancária. Não é necessariamente ilegal, mas gera um alerta para órgãos de controle como o Coaf. Nesse caso, haviam entrado cerca de 600 mil reais na conta de Queiroz e o mesmo montante havia saído ao longo de um ano, de janeiro de 2016 a janeiro de 2017. Um dado importante, e que reforçava o alerta, era que o salário do correntista não era compatível com tal movimentação. Ele recebia 8,5 mil reais da Alerj e mais 12,6 mil reais da PM do Rio. Ou seja, em sua conta havia entrado muito mais dinheiro que a soma de seus vencimentos — na verdade, o dobro. E o que também chamava a atenção era que Queiroz não retinha os valores depositados: ele os sacava periodicamente. O dinheiro entrava mas também saía e seguia, em espécie, para outro lugar, já que não era o assessor quem enriquecia. Parte dos valores que entraram na conta de Queiroz vinha de pessoas que também apareciam lotadas no gabinete de Flávio. A suspeita era de que os milhares de reais fossem entregues ao primogênito de Bolsonaro, que afinal era o chefe de Queiroz. 

Na quinta-feira, 6 de dezembro de 2018, a reportagem “Coaf relata conta de ex-assessor de Flávio Bolsonaro” sacudiu o Brasil. Desde as primeiras horas da manhã, a matéria de Serapião pautou a imprensa. Levou um dia para a família Bolsonaro dar as caras e começar a tentar se explicar sobre o escândalo. Foi por isso que, na sexta-feira, 7 de dezembro, quando o senador eleito Flávio Bolsonaro chegou ao Vivendas da Barra em um Toyota preto no fim da tarde, um batalhão reforçado de jornalistas o esperava.

O Senador saiu da automóvel funcional da Alerj e caminhou em direção à portaria. Informal, vestia calça jeans e camisa polo cinza. Na mão esquerda, o celular. Andava olhando para os lados, tentando aparentar tranquilidade. Atrás dele, vinha um homem cuja expressão meio envergonhada demonstrava que ele não queria aparecer nas fotos. Mas era inevitável. Victor Granado havia cursado direito com Flávio e estava ali não só como amigo, mas também como assessor e advogado do senador eleito. 

Os dois entraram no condomínio sem falar com os jornalistas e foram à casa do presidente. Algum tempo depois saíram e Flávio não evitou a imprensa. Na “rodinha do quebra-queixo”, como costumamos nos referir às coletivas de rua, ele foi questionado pela primeira vez sobre o assunto. Como se explicava todo aquele dinheiro na conta de Queiroz, seu ex-assessor? De onde viera aquele valor? “Não posso dar detalhes do que ele [Queiroz] vai falar para o Ministério Público, que vai ouvir e ter que se convencer ou não”, disse Flávio. 

Só que, para aumentar o caos, Fabrício Queiroz não era localizado. Nem sequer havia atendido às convocações de depoimento feitas pelo Ministério Público fluminense. No dia seguinte, sábado, o próprio Bolsonaro tomou a frente e ensaiou uma explicação. O clima continuava pesado. Em uma formatura na Marinha, no Rio de Janeiro, o presidente eleito foi confrontado pelos jornalistas e tentou se justificar. Mais do que dizer que conhecia Queiroz, Bolsonaro admitiu uma amizade longa: 

Conheço o senhor Queiroz desde 1984. Vamos aí 34 anos. Depois, nos encontramos novamente, eu deputado federal e ele sargento da Polícia Militar do Rio de Janeiro. Somos paraquedistas. Nasceu ali… Continuou uma amizade… Em muitos momentos estivemos juntos, em festas… Até porque me interessava, tinha uma segurança pessoal ao meu lado. Um tempo depois foi trabalhar com meu filho. Em outras oportunidades, eu já o socorri financeiramente. Nessa última agora, houve um acúmulo de dívida. E resolveu pagar com cheques. Não foram cheques de 24 mil reais, nem seis cheques de 4 mil reais. Na verdade, dez cheques de 4 mil reais. E assim foi feito. E eu não botei na minha conta, porque eu tenho dificuldade pra ir em banco, andar na rua. Eu deixei pra minha esposa. Eu lamento o constrangimento que ela está passando, com sua família, no tocante a isso. Mas ninguém dá dinheiro sujo por cheque nominal, meu Deus do céu.

 Na ocasião, me pareceu curioso ouvir Bolsonaro falar que tinha dificuldades de ir ao banco. Quem acompanhou aqueles plantões na portaria do Vivendas sabia muito bem que um de seus passatempos era justamente ir ao caixa eletrônico sacar dinheiro nas manhãs de domingo para depois comprar carne para o churrasco. Bolsonaro nem se preocupava com o transtorno que aquela situação causava aos policiais federais que atuavam em sua segurança — alguns nem mesmo escondiam a irritação. 

A temperatura do escândalo era sentida em grande parte devido a um conjunto de cheques que Queiroz havia depositado para a primeira-dama, o que também estava citado no documento. Apareciam seis cheques de 4 mil reais, portanto, 24 mil reais. O nome de Michelle no meio desse escândalo a incomoda desde o primeiro dia em que o caso veio à tona. Ela nunca falou da situação e, a portas fechadas, já cobrou o marido. Não à toa, Bolsonaro se desculpou publicamente. 

Na movimentação atípica de Queiroz também apareciam várias transferências de um grupo de assessores de Flávio, que somavam 116,5 mil reais. E ainda havia outros 216,4 mil reais em depósitos fracionados, sem origem identificada. Valores inferiores a 5 mil reais, o mais das vezes. Esses depósitos e transferências sugeriam que as pessoas entregavam para Queiroz, sistematicamente, todo mês, a maior parte de seus salários. 

Aquela situação levantou um alerta. Queiroz também fazia vários saques em dinheiro vivo — o policial retirou, de modo fracionado, 320 mil reais, e quase a metade desse total em um caixa que ficava dentro da Alerj. Ele tirava todo esse dinheiro de sua própria conta, em espécie. É difícil imaginar uma pessoa, mesmo um policial, andando com tanto dinheiro vivo no centro do Rio. 

Era a “rachadinha”. Uma das práticas mais antigas no serviço público. Funciona assim: ao contratar o assessor, o parlamentar exige que o funcionário lhe entregue mensalmente parte ou todo o salário. Com isso, o vereador, deputado ou senador passa a enriquecer com um dinheiro que não é seu. Muitas vezes esses assessores não prestam nenhum serviço. São os funcionários-fantasmas. 

À medida que os casos começaram a ser investigados, essas práticas passaram a ser denunciadas por três tipos de crime. Primeiro, peculato, mau uso do dinheiro público. Depois, lavagem de dinheiro, uma vez que quem recebe verba desviada — em geral em espécie — a usa para comprar imóveis, carros, pagar contas, ocultando sua origem ilegal. Mas se a prática existe de modo organizado, e possui um comando, então pode estar configurado o que conhecemos por formação de quadrilha. 

“Rachadinha” é só o apelido para um esquema criminoso. Mas era o nome usado dentro da Câmara ou da Alerj. Até para apurar a história, era preciso falar a linguagem interna. Depois o termo foi parar nas matérias jornalísticas e o caso ficou conhecido assim, tornando-se uma referência quase impossível de modificar. Mas o diminutivo está apenas no apelido. Na prática, o esquema espúrio rende milhões para quem se vale dele. 

Naquele dezembro de 2018, a família Bolsonaro demonstrava constrangimento e irritação. Mesmo os ministros escolhidos por Bolsonaro se recusavam a falar do assunto. Onyx Lorenzoni, futuro titular da Casa Civil, irritou-se numa coletiva, chegando a questionar o salário dos repórteres. Como se assessores parlamentares, funcionários públicos por definição, não tivessem que dar explicações sobre seus salários, pagos com dinheiro dos brasileiros. 

Já Sergio Moro, ex-juiz da Operação Lava Jato em Curitiba e a poucos dias de tomar posse como ministro da Justiça do novo governo, levou uma semana para tocar no assunto e foi sucinto: “Vou colocar uma coisa bem simples. Fui nomeado para ministro da Justiça. Não cabe a mim dar explicações sobre isso”. Era um tanto inusitado que um juiz federal, especializado em lavagem de dinheiro e organização criminosa, considerasse suficiente a mera declaração do presidente citando um empréstimo para explicar aquele dinheiro todo, sobretudo as quantias entrando e saindo da conta de um policial. Moro havia justamente deixado a magistratura para integrar o governo Bolsonaro dizendo que ampliaria o combate à corrupção. 

O tempo passava e Queiroz seguia sumido, o que só reforçava as suspeitas. Aliás, o relatório que detalhava a movimentação em sua conta não falava só dele. O documento tinha sido o estopim para a abertura de 22 procedimentos independentes de investigação no MP-RJ e que citavam outros assessores da Alerj. O calhamaço original de 422 páginas existia desde janeiro de 2018, mas todo o restante do Brasil só teve conhecimento dele a partir da reportagem do Estadão, onze meses mais tarde.

Desde 2017, os procuradores da Lava Jato no Rio preparavam uma operação, a Furna da Onça, e investigavam parlamentares da Alerj que recebiam suborno da Fetranspor (Federação das Empresas de Transportes de Passageiros do Estado do Rio de Janeiro). A operação, que só aconteceria em novembro de 2018, apurou uma movimentação financeira suspeita de vários servidores. O documento relacionava 75 assessores ou ex-assessores de parlamentares com mandato no Palácio Tiradentes, antiga sede da Assembleia. E quase no final, na página 325, detalhava depósitos e saques na conta de Fabrício Queiroz. 

Só que quando os procuradores da Lava Jato tomaram conhecimento do relatório, ainda no início de janeiro de 2018, eles verificaram que não podiam atuar naquele tipo de investigação, pois não se tratava de um crime federal. O calhamaço foi então enviado para a sede do Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro, e foi parar no oitavo andar, no escritório da Procuradoria-Geral de Justiça do Rio. Durante todo o ano de 2018, a papelada ficou sobre uma mesa do Gaocrim (Grupo de Atribuição Originária Criminal da Procuradoria-Geral de Justiça). 

Naquela época, o responsável por atuar no caso era o procurador-geral José Eduardo Gussem. E ele não falava do assunto publicamente. Tampouco sua equipe. Na realidade, ele nos evitava a todo custo. Só em janeiro de 2019, um mês depois do escândalo do Coaf, ao tomar posse para um segundo mandato na Procuradoria-Geral do Rio, é que Gussem tocou no assunto. Admitiu que meses antes o relatório do Coaf fora usado para abrir investigações a respeito de diferentes núcleos de assessores da Alerj: 

Chegaram ao Ministério Público, inicialmente, no mês de janeiro de 2018. Foram para o laboratório de combate à lavagem de dinheiro. Nele ficaram até julho de 2018, quando nós abrimos as primeiras portarias que os senhores estão recebendo aí, sem identificar esses deputados estaduais. 

Com aquele discurso, de informações pouco claras, Gussem não explicou por que todos aqueles procedimentos ficaram parados ao longo de todo o segundo semestre de 2018, período eleitoral. Ele ainda chegou a dizer que Flávio Bolsonaro não era investigado. Que o estava apurando fatos e não pessoas. Mesmo assim, o senador tinha sido chamado para depor naquele mês de janeiro e, até aquele momento, não existiam informações financeiras suspeitas do primogênito de Bolsonaro. Tudo soava confuso e contraditório.

O clima na família Bolsonaro era tenso desde que a história do dinheiro na conta de Queiroz fora divulgada. O clã tentava disfarçar, mas entrou em parafuso. Por mais que naquele dia, em frente ao condomínio do pai, Flávio tentasse transparecer tranquilidade, a verdade é que ele parecia prestes a ter um colapso nervoso. 

Dias depois da notícia sobre a conta do assessor, o jornal Folha de S.Paulo publicou outra matéria envolvendo o amigo do presidente. A filha mais velha do policial, Nathália Queiroz — lotada como assessora no gabinete de Jair Bolsonaro quando deputado —, trabalhava como personal trainer e tinha entre seus clientes atores famosos como Bruna Marquezine e Bruno Gagliasso. Morena e atlética, Nathália contava em seu perfil no Instagram mais de 10 mil seguidores e havia postado fotos que cobriam anos de seu trabalho como personal. Nenhuma menção a atividades de assessoria na Câmara dos Deputados. E antes de ser lotada no gabinete do presidente, Nathália constara da lista de funcionários de Flávio Bolsonaro na Alerj por quase dez anos. Como assessora de Jair, foram quase dois, até 2018. No relatório, ela teria depositado 84,1 mil reais para o pai entre 2016 e 2017. 

Pouco depois, o Jornal Nacional identificou um dos oito assessores mencionados no relatório, com repasses de 1,5 mil reais a Queiroz: o tenente-coronel Wellington Sérvulo Romano da Silva. O militar vivia em Portugal e tinha passado 248 dias na Europa durante o período em que constou como funcionário de Flávio. Dias depois, soube-se que ele havia movimentado 1,59 milhão de reais entre 2015 e 2018. 

A cada dia surgia um dado novo sobre uma das pessoas citadas no relatório. E Fabrício Queiroz seguia fora do radar. Apenas sua família e os assessores mais próximos de Flávio tinham acesso a ele. 

No meio dessa tormenta, Jair aconselhou Flávio a montar uma defesa jurídica sólida, com os melhores advogados dispostos a assumir o caso. Gente capaz de resolver aquele problema logo. Todos no círculo íntimo de Bolsonaro sentiam que o imbróglio, mais do que complicar o primogênito, estava atingindo o presidente. 

Flávio vivia momentos de muito estresse. Sempre o mais político dos filhos e aquele com maior capacidade de diálogo e articulação, ele submergiu. Evitou se expor e só atendia aos pedidos de explicações de jornalistas por meio de sua assessoria de imprensa. Aos próximos, porém, não negava seu estado emocional. 

Na noite do dia 12 de dezembro de 2018, Flávio desabafou com um amigo sobre a pressão dos últimos tempos. A conversa, por telefone, beirava o desespero. Reclamou da imprensa, das reportagens, mas também se queixou do pai. No íntimo, o senador se preocupava com o rumo do futuro governo, mas também se sentia acusado por algo cuja responsabilidade não era dele: “De quem é o Queiroz? E cheque para Michelle? Para quem foram esses cheques? O que eu tenho com isso?”.2

A lamúria fazia sentido. Jair sempre dizia que os quatro atuavam juntos, um Bolsonaro era a continuidade do outro. Eles operavam como um clã, e o líder, idealizador de tudo, dera os primeiros passos na criação desse negócio trinta anos antes.

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