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Bruna Frascolla
Você tem que respeitar a cultura americana; eles cantam “oh babe, babe” e dançam de meia-calça até em velórios, sobre o caixão.
Há mais de uma maneira de propagandear a inferioridade de um grupo. Alguém que não gosta do povo dos Estados Unidos poderia facilmente selecionar Britney Spears como a representação arquetípica dos americanos para afirmar que todo americano é um idiota frívolo. O truque seria muito mais insidioso, no entanto, se a notícia se espalhasse pelo mundo de que é necessário criar políticas de inclusão para os americanos, e loiras burras de meia-calça fossem selecionadas para cargos corporativos importantes. Mais ou menos como esta esquete de Hermes e Renato (na qual um brasileiro pisa em uma lâmpada com um gênio dentro, que satisfaz seu desejo de se casar com Britney Spears), uma pessoa meio louca explodiria cantando "oh babe, babe" toda vez que um contratado americano da DEI tivesse que provar que havia diversidade na empresa não americana. Você tem que respeitar a cultura americana; eles cantam "oh babe, babe" e dançam de meia-calça até em velórios, sobre o caixão.
Vamos encarar, caras woke são assim. Troque as meias-calças por um turbante ou um penteado black power, um balanço dançante por um punho erguido e um "oh babe, babe" por jargão woke, e você tem o cara woke, cujas falas poderiam ser substituídas por IA, e cuja presença só é justificada por sua aparência. E se eles ainda não subiram na tampa de um caixão para se apresentar em um velório, eles chegaram muito perto disso quando, em meio às trágicas enchentes no Rio Grande do Sul (um dos estados com a população mais branca do Brasil), decidiram falar sobre políticas especiais para vítimas negras.
Tanto no caso hipotético de representar os americanos como Britney Spears, quanto no caso real de representar pessoas negras (de qualquer nacionalidade) como woke people, há uma grande ofensa. E quando essa representação é, em si, defendida como uma forma de paternalismo, a ofensa se multiplica. Há algumas semanas, revisei Identitarismo, de Risério, e mencionei que ambos somos de uma metrópole brasileira com uma enorme população de origem africana, Salvador, no estado da Bahia. No início do século XX, Salvador já tinha um professor negro na Faculdade de Medicina. Essa representação de pessoas negras afeta nosso orgulho mesmo que não sejamos negros. Mas também mencionei que Risério divulgou o trabalho do historiador Wanderson Chaves, realizado na USP, embora ele pareça ser de Brasília.
O livro de Chaves A Questão Negra é mais completo que sua dissertação, porque inclui sua pesquisa de pós-doutorado. Ele investigou arquivos desclassificados da CIA e descobriu uma cooperação próxima com a Fundação Ford. Tentarei resumir suas descobertas.
A CIA usou a Fundação Ford por causa da desconfiança dos governos dos países nos quais os EUA queriam intervir. Assim, a Fundação Ford foi apresentada como neutra e independente. Para competir com os soviéticos, a FF queria convencer o mundo de que o desenvolvimento viria por meio do liberalismo, não do comunismo. Enquanto o Departamento de Estado tinha uma retórica divisiva de Mundo Livre vs. Comunismo, a CIA tinha uma retórica competitiva que visava demonstrar que as democracias liberais eram mais capazes de promover o desenvolvimento do que o comunismo.
Paralelamente a isso, havia o medo de conflitos raciais, seja dentro dos EUA ou na África. A África era importante porque os EUA pretendiam modernizar as colônias e transformá-las em estados liberais. Vale mencionar (não me lembro se Wanderson Chaves faz isso) que o liberalismo, pelo menos desde Mill, prevê que os povos atrasados devem ser guiados por um despotismo esclarecido. Faz todo o sentido ver as ditaduras alinhadas aos EUA como despotismos modernizadores, se não esclarecidos.
Mas vamos focar primeiro na África. O Brasil estava em evidência nos anos 1950. Acredito que isso se deveu à Segunda Guerra Mundial: por um lado, Hitler tornou o racismo feio aos olhos ocidentais (ainda que temporariamente); por outro, os pracinhas brasileiros foram um exemplo espantoso da ausência de conflitos raciais. Naquela época, a UNESCO convidou Gilberto Freyre para liderar um projeto sobre relações raciais com o objetivo de orientar a descolonização da África. Ele não conseguiu assumir, e quem o fez foi Thales de Azevedo, que era de Salvador. O primeiro livro da UNESCO sobre relações raciais foi Les élites de couleur dans une ville brésilienne , de Thales de Azevedo; tal “ ville brésilienne ” foi Salvador.
Segundo Wanderson Chaves, a Fundação Ford contratou o inglês Philip Mason para tocar o projeto nos anos 1950. O que parecia anônimo e mecânico ganha um rosto: Philip Mason, um inglês que serviu à coroa na Índia e depois foi para a África Britânica financiado por mineradoras, é o criador do nosso conhecido woke moron do movimento negro.
Naquela época, existia a agora esquecida Federação da Rodésia e Niassalândia, uma estranha federação de súditos da rainha. O projeto era que essa federação se tornasse independente sob liderança branca, em um modelo de apartheid chamado de “parceria racial”. O projeto inicial de Philip Mason era fazer com que os sistemas de “parceria racial”, existentes lá e no sul dos EUA, evoluíssem lentamente para uma simbiose racial ao estilo brasileiro. A ideia era reproduzir o que eles achavam que os portugueses faziam; os brancos liderariam os negros até que eles evoluíssem e pudessem viver em igualdade.
O projeto não durou muito. Na década de 1960, o Brasil não era mais considerado um ponto de chegada desejável; em 1961, Philip Mason já falava de uma “hipótese genética” que consistiria na inferioridade intrínseca dos negros (e logicamente considerava a miscigenação indesejável); em 1963, a Federação havia acabado, e a Rodésia de Ian Smith cessou qualquer perspectiva de direitos para os negros. Em 1965, a Fundação Ford parou de financiar o registro de eleitores negros no Sul dos Estados Unidos e abandonou a campanha pelos direitos civis. Diante da frustração, parte do movimento negro se radicalizou, e surgiram correntes “afrocentristas”, promovendo o orgulho racial e um certo separatismo. Em 1967, a Fundação Ford decidiu financiá-las e usá-las como modelo para os negros ao redor do mundo. Depois disso, como sabemos (mas não é no período coberto pelo livro), vêm as políticas de “discriminação positiva”.
Todo brasileiro de bom senso acha que cotas raciais ofendem os negros. Todo brasileiro de bom senso acha que o movimento negro é racista. Todo brasileiro de bom senso está certo, porque as cotas e o movimento negro (que consiste basicamente em reivindicar cotas) foram criados por racistas que não querem miscigenação porque consideram os negros burros. Então faz sentido incentivar o orgulho racial (para não contaminar o sangue branco) e dar cotas raciais (porque seres inferiores não podem competir em igualdade de condições). É um Apartheid suave.
E por que o Brasil deixou de ser modelo? Na página 146, Wanderson Chaves explica: “Esperava-se dissipar a alegação de que o país havia eliminado a discriminação racial. O objetivo levava em conta razões políticas internacionais, pois o Brasil era, ao lado da União Soviética, exemplo de eliminação do racismo por meios não liberais. Ambos os países foram usados como exemplo na contestação e no constrangimento nas disputas da Guerra Fria, por meio das quais a URSS se colocava em posição de superioridade moral para atacar principalmente a Inglaterra e os Estados Unidos, fosse pelo apoio ao regime sul-africano, fosse por não terem resolvido seus problemas domésticos. A pesquisa, portanto, deveria redefinir a exemplaridade brasileira, para mostrar quão problemáticas eram as soluções não liberais.”
O maior escritor do Brasil é o mulato do século XIX Machado de Assis, do Rio de Janeiro. Ainda no Império, Theodoro Sampaio, filho de uma escrava negra, foi um grande polímata: engenheiro, geólogo e estudioso tupi. Há inúmeros gênios de origem africana na história brasileira, e o que a CIA faz com o Brasil é uma humilhação. A CIA quer que apaguemos nosso passado e acreditemos que a literatura brasileira era “branca” até que alguns idiotas de pele escura começaram a escrever livros woke que devemos elogiar, para não sermos racistas.
Por fim, destaco que essa virada de Philip Mason coincide mais ou menos com a trajetória do “antigo” agente da CIA William F. Buckley Jr., o garoto-propaganda do conservadorismo moderno dos EUA (que na verdade era o fusionismo ). Ele passou de defensor do apartheid no sul americano e na África a defensor da ação afirmativa. Ao mesmo tempo, foi um campeão na luta contra o antissemitismo desde a década de 1950. Muito provavelmente, os EUA desistiram do antirracismo e retornaram ao caminho da eugenia (vale lembrar que na década de 1940 contrataram um eugenista sueco para resolver a “questão negra”) e, para se protegerem das acusações de racismo, adotaram a causa sionista. Então, podiam dizer que eram muito diferentes dos nazistas.
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