domingo, 29 de dezembro de 2024

Documentos indicam que aliança da Folha com a ditadura foi mais forte do que jornal admite

Mais de 40 pessoas, entre jornalistas, militantes, ex-agentes e empresários deram depoimentos sobre a Folha na repressão

Por Vasconcelo Quadros

Grupo Folha teria emprestado carros à ditadura
Pesquisa reforça presença de 'seu Frias' no apoio ao regime

Documentos e testemunhos obtidos pelo Centro de Antropologia e Arqueologia Forense (Caaf), ligado a Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e analisados com exclusividade pela Agência Pública indicam que a colaboração da Folha de S. Paulo com a ditadura foi mais profunda do que se sabia.

Segundo a pesquisa, o grupo Folha teria emprestado carros de distribuição de jornais para que agentes da repressão os usassem para disfarçar operações do regime nas ruas e que teriam resultado em prisões, assassinatos e desaparecimento de militantes da esquerda armada. Um dos testemunhos mais importantes obtidos pela Unifesp/Caaf foi uma entrevista dada aos pesquisadores pelo ex-agente de informação do Exército, Marival Chaves do Canto, que atuou no DOI-CODI (Destacamento de Operações e Informações e Centro de Operações de Defesa Interna) do Exército, em Brasília.

Ele afirma que os carros eram usados como cobertura de pontos (encontros) entre militantes da esquerda armada que na maioria das vezes eram presos, torturados e assassinados: “Era um contato feito dentro da direção. Essa direção escalava um carro para tal lugar, tal hora, para estar ali naquele local. Ali, entrava-se em contato com pessoas, dirigentes da operação, posicionava o carro no local mais adequado e, a partir daí, o processo se desenvolvia. Para que não houvesse testemunha, o motorista era dispensado”, diz ele.

A pesquisa aprofunda também a compreensão sobre as relações íntimas do Grupo Folha no período mais agudo dos anos de chumbo com policiais que perseguiam a esquerda e, ao mesmo tempo, de acordo com testemunho colhido na pesquisa, estavam contratados pelo jornal, ora como repórteres e redatores ou prestando serviços de segurança à empresa. Entre eles estavam dois delegados do Departamento de Ordem Política e Social (DOPS), os irmãos Robert e Edward Quass, além do nome mais forte da repressão política no país, Sérgio Fleury, o delegado que chefiou o “esquadrão da morte” e depois recebeu carta branca do regime militar para torturar e matar oponentes políticos.

O nome de Fleury surgiu num depoimento de outro investigador do DOPS, Messias Ayrton Scatena, em 1973, que também trabalhou como jornalista do grupo e acabou sendo processado na auditoria militar paulista por ter vazado informações sigilosas para a namorada, uma jornalista que trabalhava na mesma empresa. Scatena diz em depoimento que Roberto Quass era do serviço secreto do DOPS e, junto com o irmão, chefiava os “serviços de segurança de toda a empresa Folha de S. Paulo”. Scatena faz a afirmação no mesmo trecho que relata que “outro delegado, Dr. Sérgio Fleury também participa dos mesmos serviços e mais especificamente relativamente a subversão e terrorismo”.

A Agência Pública teve acesso à íntegra das declarações de Marival. Ex-sargento que por 17 anos, entre 1968 e 1985, conheceu por dentro as engrenagens da ditadura, ele contradiz a principal versão dos antigos donos da Folha, Octavio Frias de Oliveira e Carlos Caldeira Filho, que sempre negaram ter dado apoio material à repressão.

Perguntado pelos pesquisadores se o empréstimo dos carros poderia ter ocorrido sem o conhecimento dos dois principais dirigentes da Folha, o ex-agente foi taxativo: “Em hipótese nenhuma. (…) É uma atividade super arriscada. (…) Já pensou surgir na imprensa, como isso ia depor contra o nome da empresa, se acontecesse um negócio desses sem a anuência dos dirigentes, do seu Frias e outras pessoas da direção da Folha? Em hipótese alguma”, sustentou Marival. “Alguém estava apoiando porque queria a perpetuação do regime (…), consequentemente estava levando algum tipo de vantagem econômico-financeira”, afirmou. Aos pesquisadores da Unifesp/Caaf, pelo menos outros 12 entrevistados, entre jornalistas, ex-agentes de repressão e ex-presos políticos, confirmam, em diferentes abordagens, o uso dos carros.

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