Fontes: Rebelião/Socialismo e Democracia [Imagem: Lula durante sessão de posse no Parlamento brasileiro em 1º de janeiro de 2023. Créditos: Ranier Bragon/Folhapress, retirado de Socialismo e Democracia]
Neste artigo o autor analisa a chantagem a que é submetido o governo Lula 3 por um Parlamento hostil.
No próximo sábado, 1º de fevereiro, acontecerá a eleição do novo presidente do Senado e da Câmara dos Deputados do Brasil. O favorito ao Senado é Davi Alcolumbre, do Partido União Brasileira. Também há bastante consenso de que o candidato “coberto” para presidir a Câmara é Hugo Motta, do Partido Republicano. O que também é fato confirmado é que, desde antes da proclamação de ambos os candidatos, as reivindicações e pressões exercidas pelo Congresso Nacional sobre o Governo eram veiculadas em plena luz do dia.
Sabe-se que a atual gestão terá que fazer um ajuste ministerial num futuro próximo, porém, a Câmara dos Deputados aguarda a eleição do novo comando da Casa para negociar diretamente com o presidente Lula da Silva a reforma ministerial, pulando a rodada de negociações com o atual ministro da Secretaria de Relações Institucionais e, portanto, que deveria ser o responsável por liderar a articulação política, Alexandre Padilha.
O argumento dos líderes da Câmara é que só vão negociar com o presidente Lula, pois é ele quem tem a discricionariedade para decidir no final as cotas ministeriais reivindicadas pelos membros do centrão , que mais do que dominam as ações dentro do Congresso. Embora a posição de Padilha conte com o apoio de Lula e faça parte do quadro institucional do Governo, os deputados não reconhecem a sua legitimidade para conduzir negociações sobre o futuro da composição ministerial.
Também enviaram ao Palácio do Planalto a informação de que preferem que os líderes dos partidos da ampla coligação não participem dessa negociação, mas que os acordos sejam feitos diretamente pelos presidentes das duas Casas do Congresso Nacional. Para tanto, sabe-se que existe um desenho com todas as mudanças propostas para a reforma ministerial, com candidatos marcados para assumir os novos cargos, todos de partidos de direita que já haviam feito parte do Governo de Bolsonaro.
Num acto de chantagem política direta, vergonhosa e inescrupulosa, os líderes do Congresso têm apontado ao Governo que esta é a única forma de manter o atual equilíbrio de forças entre ambos os Poderes do Estado, o que por sua vez é uma condição que permitiria afirmar e garantir a governabilidade da atual administração.
Na verdade, na primeira metade deste terceiro mandato do Governo Lula, ficou evidente a falta de colaboração e pressão exercida pelos congressistas, que se dedicaram a boicotar a maior parte dos vetos levados a cabo pelo Executivo, ignorando a vontade de o presidente e substituindo praticamente todos os projetos propostos pelo Legislativo, que tem a prerrogativa de dar a palavra final para a aprovação de medidas provisórias e leis.
Atualmente, as emendas parlamentares são o principal instrumento utilizado pelos parlamentares para fortalecer seus currais eleitorais, que destinam grande parte do seu tempo de trabalho legislativo à gestão de recursos para obras e investimentos em seus redutos e à articulação de cotas mais elevadas com os poderes locais e estaduais que o exercem. permitir-lhes reproduzir as suas ações políticas nesses territórios.
De 2015 até hoje, os valores das emendas vêm adquirindo um crescimento acelerado que os levou a ocupar um volume chocante dentro do orçamento nacional, algo em torno de 50 bilhões de reais (aproximadamente 8,5 bilhões de dólares). Além desse enorme fluxo de dinheiro, o Congresso aprovou a execução obrigatória da maior parte desses recursos, mesmo com as contraindicações e bloqueios feitos pelo Supremo Tribunal Federal, que tem procurado garantir a transparência e a rastreabilidade do dinheiro transferido dos cofres públicos.
Com os grandes montantes acumulados pelas emendas tributárias, que em muitos casos ultrapassam os orçamentos de determinados ministérios, o poder de negociação e a influência dos congressistas aumentaram consideravelmente. Anteriormente, tanto a ocupação de ministérios como os montantes públicos atribuídos a vários tipos de empreendimentos conferiam aos governos grande capacidade de negociação. Atualmente, esta capacidade está definitivamente concentrada no parlamento.
O carácter excessivo que tem assumido este empoderamento das hostes do atraso fisiológico do Congresso coincide com a derrota sistemática que as forças progressistas e de esquerda têm sofrido nas últimas eleições parlamentares e autárquicas o que confere aos representantes da direita e a extrema direita uma presença majoritária nas decisões mais significativas do legislativo, muitas delas marcadas pela corrupção e pela cooptação do aparato institucional do país. Na verdade, tais setores estão mais acostumados com práticas dessa natureza há décadas na história política brasileira.
Embora seja verdade que Lula da Silva venceu as eleições de 2022 -e, aliás, por uma margem estreita-, a composição do Congresso Nacional tem sido francamente adversa a ele, tendo que expandir a base de sua administração para incluir a direita. partidos de ala que até muito recentemente faziam parte do Governo Bolsonaro. Dessa forma, Lula teve que distribuir no início de seu mandato nada menos que nove ministérios entre partidos dessa ampla coalizão, entre eles, a União Brasileira, o Partido Social Democrata (PSD) e o Movimento Democrático Brasileiro (MDB), aumentando posteriormente a transferência de novos ministérios para outros dois partidos ontologicamente de direita, o Partido Popular (PP) e os Republicanos.
Contudo, apesar de participarem nesta base governamental “muito ampla”, muitos deputados e senadores que atuam nos partidos acima indicados, continuam na oposição, raramente apoiando as iniciativas emanadas do Executivo ou boicotando diretamente os projetos apresentados pelo Palácio do Planalto.
Se somarmos a isso a sempre latente ameaça de sanção ao Governo devido a qualquer possível acusação de irresponsabilidade fiscal e, por isso, a consequente aplicação de medidas de contenção de custos promovidas pelo seu atual Ministro da Fazenda, Fernando Haddad, este Presidente Lula terceiro mandato é claramente mais deficiente na promoção de programas sociais de alto impacto, como o Bolsa Família, Fome Zero, Minha Casa/Minha Vida ou os diversos tipos de apoio à investigação científica e à formação universitária.
Pressionado por uma oposição ativa e assediado pelos seus próprios erros, o Governo Lula parece uma administração enfraquecida que deve enfrentar um Congresso empoderado, manipulador e influenciado pelo conjunto de emendas parlamentares que lhe conferem poder expressivo na hora de decidir sobre políticas públicas e. inúmeros outros assuntos. Estes órgãos assumiram um nível de destaque não só no processo político, mas especialmente na definição das prioridades do orçamento fiscal, que especificamente são as prioridades dos interesses de cada um dos “excelentes” deputados e senadores.
Longe do escrutínio popular, os parlamentares não precisam prestar contas a ninguém, muito menos aos eleitores e cidadãos brasileiros que até agora aceitaram passivamente o curso dos acontecimentos. Ou seja, estamos perante uma instituição que detém poderes quase omnipotentes e que atua sem grandes contrapesos institucionais. Isto permite-nos vislumbrar um cenário sombrio e trágico que exigirá a mobilização ativa, empenhada e permanente da sociedade civil e de outros poderes, para garantir uma maior transparência e um exercício efetivamente democrático nos processos de decisão política por parte dos vários agentes que o compõem. ambas as Casas Legislativas. Caso contrário, o despotismo parlamentar pode comprometer seriamente o futuro do Brasil.
Fernando de la Cuadra é doutor em Ciências Sociais, editor do blog Socialismo y Democracia, autor do livro De Dilma a Bolsonaro: itinerário da tragédia sociopolítica brasileira (editora RIL, 2021) e coeditor do livro EP Thompson no Chile: solidariedade, história e poesia de um intelectual militante (Ariadna Ediciones, 2024).
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