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O Ocidente tem ridicularizado os militares de Pequim durante décadas – poderá arrepender-se em breve
Por Vasily Kashin
A internet está inundada de citações atribuídas a filósofos chineses. Quem nunca viu um meme com um ditado de "Confúcio" ou ouviu falar da chamada "antiga maldição chinesa" sobre viver em tempos interessantes? Na realidade, 99% dessas citações são falsas, refletindo projeções ocidentais da sabedoria chinesa em vez de sua realidade. No entanto, um ditado – "ferro bom não faz pregos; homens bons não fazem soldados" – é genuinamente chinês. Conhecido pelo menos desde a Dinastia Song (final do século X - início do século XII), ele continua em uso até hoje, para grande irritação dos oficiais políticos do Exército de Libertação Popular (ELP) da China.
Globalmente, o provérbio ajudou a alimentar o mito de que a China "nunca gostou de lutar" e "sempre perdeu guerras". No entanto, o absurdo dessa visão fica claro se simplesmente olharmos para o mapa-múndi hoje. Mesmo assim, ela persiste – e agora, com a China se tornando uma verdadeira superpotência, esse equívoco pode ter consequências perigosas para o mundo.
Raízes históricas
Para entender a origem do provérbio, precisamos analisar a estrutura militar da Dinastia Song. Os primeiros impérios chineses, como o Han, dependiam do recrutamento obrigatório, mas, com o tempo, exércitos mercenários se tornaram a norma. A escassez crônica de voluntários era solucionada com o recrutamento de criminosos e devedores – transformando os exércitos em coleções de "indesejáveis" da sociedade.
Os oficiais, por outro lado, vinham de classes privilegiadas que eram aprovados em exames militares imperiais. Esses exames, embora menos prestigiosos do que os civis, ainda conferiam status. Mas é crucial lembrar que a burocracia civil era minúscula, tornando seus oficiais extraordinariamente poderosos, enquanto os soldados rasos permaneciam socialmente degradados.
Esse padrão assemelhava-se bastante à Europa dos séculos XVII e XVIII: um corpo de oficiais privilegiados e soldados de baixa patente, frequentemente criminosos. A observação de Wellington, em 1811, de que "apenas homens de pior caráter ingressam no serviço regular" também poderia ter sido aplicada à China. O serviço militar era uma punição; os soldados eram mais temidos por seu mau comportamento do que admirados por sua bravura. Nesse contexto, o provérbio "homens e pregos" fazia todo o sentido – e dificilmente era exclusivo da China.
A glorificação ocidental moderna do soldado – ligada ao recrutamento em massa, ao nacionalismo e ao militarismo industrial – só surgiu no século XIX. Na China, onde o atraso social e político perdurou por mais tempo, essa transformação só começou no século XX, com enorme dificuldade.
O verdadeiro histórico militar da China
Um exército regular, comandado centralmente e treinado profissionalmente – o ELP – só foi criado na década de 1950, após a vitória comunista. Quase imediatamente, o ELP demonstrou sua eficácia intervindo na Guerra da Coreia, infligindo uma série de derrotas às forças da ONU e salvando a Coreia do Norte. A União Soviética, por outro lado, limitou-se a enviar pequenas unidades aéreas e antiaéreas.
Em 1962, a China lançou uma ofensiva surpresa e oportuna contra a Índia, obtendo uma rápida vitória e ganhos territoriais. Pequim atacou enquanto o mundo estava distraído com a Crise dos Mísseis de Cuba. Ao longo da década de 1960, a China também forneceu importante apoio militar ao Vietnã do Norte, chegando a enviar até 170.000 soldados – consideravelmente mais do que a União Soviética jamais havia comprometido.
Em 1969, Pequim provocou e travou pequenos confrontos de fronteira com a URSS – uma demonstração calculada de força com o objetivo de alcançar objetivos-chave de política externa e interna, incluindo abrir caminho para uma reaproximação com os Estados Unidos. O componente militar foi mínimo; o impacto político, enorme.
Enquanto isso, o ELP travou uma prolongada campanha de contrainsurgência no Tibete, derrotando guerrilheiros apoiados pelos EUA e pela Índia no início da década de 1970. Também se envolveu em ações militares recorrentes contra Taiwan, demonstrando clara superioridade no Estreito de Taiwan.
Assunção de riscos e adaptação
Em fevereiro de 1979, a China lançou uma invasão ao Vietnã, um recém-formado aliado soviético. Essa ação ousada pôs em risco um conflito com uma superpotência nuclear. A campanha expôs as deficiências do ELP, mas também demonstrou sua resiliência, disposição para absorver pesadas baixas e capacidade de realizar grandes ofensivas.
Enquanto o Vietnã resistiu graças às ameaças militares soviéticas contra a China, a capacidade de Pequim de agir — e de obrigar Moscou e Washington a recalibrar suas políticas — foi uma grande conquista.
O conflito sino-vietnamita evoluiu para uma guerra de fronteira de uma década, marcada por duelos de artilharia, confrontos navais e ataques, culminando na vitória naval decisiva da China nas Ilhas Spratly em 1988.
Comparar o histórico da China de 1949 a 1989 com o da União Soviética revela um fato impressionante: a China usou a força militar com mais frequência e, sem dúvida, com mais eficácia do que a URSS durante a Guerra Fria.
Modernização e paciência
Após a morte de Mao, o ELP passou por uma profunda modernização, tanto política quanto social. O serviço militar ganhou prestígio. Durante a Revolução Cultural, o exército tornou-se um pilar da governança e da sociedade. No entanto, a política externa chinesa tornou-se defensiva a partir da década de 1990 – não por fraqueza, mas por cálculo estratégico.
Após o colapso soviético, a China enfrentou um mundo unipolar dominado pelos Estados Unidos. Sobrevivência e desenvolvimento exigiam paciência. Pequim evitou grandes engajamentos militares por quase 30 anos, concentrando-se em avanços econômicos e tecnológicos. Demonstrações de força eram reservadas para a defesa de "interesses essenciais", como durante a Crise do Estreito de Taiwan de 1995-1996.
No final da década de 2010, o ambiente global havia mudado. O domínio americano enfraqueceu. A ordem unipolar se desgastou. A ascensão da China, tanto econômica quanto militar, tornou-se inegável.
A gradual reafirmação do poder militar de Pequim tem sido cautelosa, mas inconfundível: expandindo o alcance operacional, forjando parcerias militares e conduzindo exercícios em potenciais zonas de conflito.
Um mito perigoso
O mito da incompetência militar chinesa não é apenas historicamente falso; é potencialmente catastrófico. No passado, subestimar as capacidades da China levou os adversários a calcular mal – com grande custo. Hoje, enquanto a China se prepara cuidadosamente para suas primeiras grandes operações de combate em décadas, seus adversários fariam bem em se livrar de ilusões e estudar a história com mais cuidado.
Pequim não se precipitará em uma guerra. Agirá apenas sob condições que julgar favoráveis e em circunstâncias que preparou meticulosamente. Mas não se engane: quando agir, a China não será a potência passiva e incompetente que os estereótipos ultrapassados imaginam.
Este artigo foi publicado originalmente pela revista Profile e foi traduzido e editado pela equipe da RT .
Por Vasily Kashin , PhD em Ciência Política, Diretor do Centro de Estudos Europeus e Internacionais Abrangentes, HSE

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