- Gerar link
- X
- Outros aplicativos
Veremos as cenas dos próximos capítulos, mas a guerra está apenas começando e já tem um perdedor. O de sempre.
Não haverá mais guerras como as do passado, em que o lado vitorioso era facilmente identificado? A verdade é que, considerando as declarações e a propaganda dos três principais concorrentes envolvidos no conflito desencadeado por Israel, algo incomum aconteceu: todas as partes se declararam vencedoras!
Antes de analisar as posições relativas de cada concorrente, devemos estabelecer os seguintes pontos preliminares:
- Essa ambiguidade na forma como classificamos o resultado da disputa para cada parte é típica do momento intermediário em que nos encontramos.
- Consequentemente, as avaliações de cada parte sofrem com a forma parcial como analisam o evento, concentrando-se na relação entre seu ponto de partida e seu ponto final autodefinido. O problema é que o "ponto final" não só difere para cada parte, como também o resultado — a síntese dialética da contradição Israel-EUA/Irã-Islã-BRICS — permanece imprevisível nesta fase. Nenhuma das partes pode afirmar ter alcançado ou conhecer o resultado final.
Nesse sentido, todos se contentam com vantagens táticas, mais ou menos significativas. Nesse contexto, todos podem reivindicar a vitória, pois ainda estamos naquela fase intermediária em que avanços, recuos, perdas e ganhos não são apenas mútuos, mas também podem ser supervalorizados por alguns em detrimento de outros. Quando chegar o momento do acerto de contas final, essa ambiguidade desaparecerá — para ressurgir mais tarde.
Lembremos que, mesmo na fase embrionária da guerra na Ucrânia, todo o Ocidente reivindicou a vitória. Do outro lado, a Federação Russa fez o mesmo. À medida que o conflito evoluía e seus componentes fundamentais se tornavam mais claros, tornou-se cada vez mais difícil para as partes classificarem suas posições de forma ambígua. Hoje, é inegável que a Federação Russa detém uma vantagem significativa, e o Ocidente começa a admitir a derrota. A paranoia belicista e militarista que se apodera da União Europeia decorre desse desespero causado pela iminente sensação de derrota, agora impossível de esconder.
Não importa o quanto o conflito entre o Irã e os EUA/Israel esteja congelado, não importa o quanto a escalada final seja evitada, chegará um momento de acerto de contas. Até lá, todos reivindicarão a vitória — até que não possam mais fazê-lo.
Um conflito que não começou agora, mas há 78 anos
Este conflito tomou forma decisiva — tornou-se inevitável — com a Nakba em 1948 e continuou com o estabelecimento do Estado de Israel em 1948. As ondas de choque da ocupação dos territórios palestinos e mais de um século de intervenção ocidental na região levaram inevitavelmente a eventos como a Revolução Islâmica, secretamente apoiada pelos EUA e pelo Reino Unido na época. Em 1979, nascia o mais poderoso concorrente que o Ocidente e Israel enfrentariam em seu domínio hegemônico do Oriente Médio. Um concorrente endurecido por décadas de sanções, tentativas de mudança de regime, uma guerra brutal travada pelos EUA e Saddam Hussein, e constantes sabotagens, boicotes e corrupção em seu território. Como diz o ditado, o que não te mata te fortalece.
Sherman Narwani, do The Cradle, observa acertadamente que esta intervenção dos EUA marca um novo momento na Ásia Ocidental, sinalizando o fim das "guerras por procuração". Em sua avaliação, em uma guerra convencional, com tropas em solo e considerando vantagens geográficas, o Irã está no mesmo nível dos EUA.
Desta vez, testemunhamos um império já despojado de seus anéis, agora forçado a sacrificar seus dedos. Na ausência de um país suicida cuja elite se lançasse contra o Irã em nome da "democracia e dos direitos humanos" — como outros fizeram, como o Iraque, sempre com resultados desastrosos para si — e com os emires árabes pagando com petróleo e petrodólares para serem deixados em paz, a oligarquia americana teve que recorrer ao seu filho pródigo e aos seus recursos para atacar o Irã. Isso foi feito sob a premissa de que, se as coisas corressem mal para Israel, o posto avançado sempre poderia contar com o irmão mais velho (literalmente, figurativamente e no sentido orwelliano).
Na Ucrânia, a OTAN e os EUA também consideraram necessário envolver-se diretamente no conflito, mesmo que mascarando — com o consentimento da Rússia — essa intervenção com "contratados", "técnicos", "consultores" e similares. O exemplo da Geórgia, entre outros, mostra que o exemplo ucraniano está sendo estudado na região, assim como os da Síria, Líbia e Iraque. Com os anéis perdidos, é hora de o império usar seus dedos.
Trump pressionou e Grossi tornou-se o carrasco da AIEA e do TNP, criando a justificativa para prolongar o conflito, seja frio ou quente.
Nesse processo, assistimos também ao fim do multilateralismo herdado da Segunda Guerra Mundial. A verdade é que Grossi não queria para si o mesmo destino de Scott Ritter, o inspetor que, na época, certificou ao mundo, ao Congresso, contra a CIA, contra Biden (no Senado) e George W. Bush que não havia armas de destruição em massa no Iraque. Mariano Grossi manteve a dúvida acesa, de uma forma desajeitada que só os alpinistas sabem fazer, e assim como no caso da Usina Nuclear Energodar, em que alegou desconhecer a origem dos drones, desta vez adotou a mesma atitude mesquinha e tendenciosa — impensável para quem representa uma instituição com tamanha responsabilidade.
No comando de uma agência criada para impedir que o mundo acabe em um holocausto nuclear está alguém que não conseguiu nem exigir que Israel admitisse que suas instalações nucleares fossem monitoradas pela organização que ele afirma liderar.
Grossi tornou-se assim o principal executor da destruição do Tratado de Não Proliferação Nuclear e da Agência Internacional de Energia Atômica. Sua relutância em emitir uma simples nota afirmando — mesmo sem condenar — que Israel estava violando o direito internacional ao bombardear instalações nucleares monitoradas pela AIEA já deu seus primeiros frutos: o Parlamento iraniano acaba de determinar que a AIEA e seus inspetores não mais monitorarão o programa nuclear iraniano.
Veremos se o Sr. Grossi também conseguiu justificar uma guerra total contra o Irã, como veremos mais adiante! Israel dificilmente perderá a oportunidade apresentada pela ausência de monitoramento "independente", e os EUA terão que se apresentar, desta vez definitivamente. E quando chegar a hora, vitórias ou derrotas não serão mais contabilizadas pelas próprias partes, mas por outras.
A vitória contada por Trump
Vale a pena notar que os EUA têm duas cabeças neste caso. A tensão entre Trump e o estado profundo não é novidade. Portanto, Trump insinuou que só fez o que fez porque foi forçado. E não é difícil encontrar evidências que apontem nessa direção, como a afirmação de Trump de que tudo acabou e o programa nuclear foi desmantelado. Enquanto isso, o Pentágono e os think tanks dizem o contrário — que os danos são limitados e o programa poderia ser restaurado em apenas dois meses.
Assim, podemos dizer que Trump reivindicou a vitória, acreditando que poderia entrar, lançar alguns MOPs (Massive Ordnance Penetrators), satisfazer os neocons (aqueles que a comentarista Diana Soler, da CNN Portugal, diz que não existem) e continuar com seus negócios como sempre. Como ninguém, ele elogiou a Força Aérea e o comando militar, talvez na esperança de enchê-los de orgulho para que parassem de incomodá-lo com guerras. Mas o que aconteceu é que, enquanto Trump reivindicou a vitória, o establishment americano não o fez e está profundamente relutante em aceitar que tudo acabou. Assim, temos uma postura bicameral e ambígua dos EUA, onde o presidente reivindica a vitória, mas a estrutura, embora não admita a derrota, também não se considera vitoriosa.
A vitória de Trump é fácil de entender e está ligada, mais uma vez, ao seu ponto de partida, à sua posição relativa e aos seus objetivos para o conflito. Trump enfrentou uma economia americana crescendo abaixo das expectativas, com um crescimento industrial anêmico contradizendo as expectativas do MAGA, um mercado de trabalho em declínio (o que nos EUA é crítico devido à falta de uma rede de apoio público), dívida crescente, um dólar em queda e uma fuga para o ouro. Prometendo à sua base que governaria internamente, é fácil ver o que a vitória significaria para Trump: conter a escalada e impedir movimentos econômicos que aumentem a inflação e desvalorizem ainda mais o dólar.
Para conseguir isso, Trump teve que apaziguar os neoconservadores e os sionistas, deixá-los saborear o gosto da vitória — sempre banhada em sangue — e impor a contenção do conflito, por mais frágil que fosse, para impedir o Irã de fechar o Estreito de Ormuz. Em sua mente, Trump conseguiu as três coisas. Para isso, teve que jogar um jogo arriscado e se juntar à aposta voluntarista e aventureira de Netanyahu. O risco é enorme, e veremos se Trump conseguirá contê-lo. Por enquanto, as mensagens que ele está enviando mostram que o risco era de fato muito alto e que uma caixa de Pandora foi aberta com o seu consentimento.
Por que Trump, supondo que não deseja uma guerra prolongada, assumiu uma aposta tão arriscada? Primeiro, seu sionismo; segundo, a pressão do complexo militar-industrial; e, finalmente, as "vitórias" táticas que ele conseguiu extrair.
A primeira dessas "vitórias" táticas seria uma mordida na sustentabilidade energética e comercial da China. Sabe-se que 90% do petróleo e gás do Irã vão para a República Popular da China. Não foi sem desprezo que Trump disse: "Agora o Irã pode voltar a vender petróleo para a China", como se dissesse: "Vá em frente, tente com tudo em ruínas". Não é algo muito significativo, mas é uma provocação vencida pelas regras de Trump.
Além disso, nesse aspecto, Trump e sua estratégia para os EUA ganham outro ponto: a ideia de que, quando quiserem, podem destruir a infraestrutura iraniana, crucial para a BRI, os BRICS, a sustentabilidade energética da China e sua influência na região. E os líderes de Trump e os neoconservadores acreditam nisso com tanto vigor que alguns rapidamente alegaram que os BRICS assistiram à destruição do Irã e não fizeram nada, que a Rússia e a China não defenderam seu aliado... Em termos de comunicação, Trump promove a ideia de que são os maiores e que ninguém ousa enfrentá-los. Ao mesmo tempo, teme os efeitos econômicos que uma guerra de alta intensidade poderia ter.
Além disso, Trump e seus EUA ganham algo muito importante com todo esse teatro: não apenas retiraram equipamentos significativos da Ucrânia, distanciando-se ainda mais daquele câncer que criaram e alimentaram com o fanatismo e a subserviência europeus, como também produziram um filme de guerra que aumenta a sensação de insegurança das elites europeias e fornece mais uma justificativa esfarrapada para que os "líderes" europeus baixem a cabeça e aceitem, como visto (exceto a Espanha), investir 5% do PIB em armamentos. Considerando que a UE não pode produzir tais quantidades de armas, fica claro onde eles as comprarão.
Trump também extrai outras vitórias pessoais importantes disso:
- Demonstra que os “líderes” europeus são meros executivos servindo ao Tio Sam e, como qualquer CEO, sua arte se limita a ser bons subordinados.
- Ultrapassa as barreiras morais de Biden e estabelece como política de Estado que a OTAN nada mais é do que um supermercado de armas para a Europa.
- Mostra que o trumpismo não é mais prejudicial à sociedade americana do que o centrismo radical da "liderança" europeia, capaz de tirar saúde, educação, moradia e justiça das pessoas que eles dizem representar, para entregar os recursos a Trump.
- O caminho seguido pelo centrismo radical levará à vitória do trumpismo na Europa, pois não deixará de explorar as contradições levantadas por governos que prometem uma coisa e entregam outra.
- Trump se apresenta como o plenipotenciário da política dos EUA, uma espécie de líder faraônico, messiânico, de origem divina.
Claro, nem tudo são vitórias para Trump, mas eu diria que, dadas suas necessidades pessoais e objetivos de política externa, diante da ameaça de desintegração de sua base de apoio, Trump se sai muito bem do risco que assumiu. Pelo menos por enquanto!
Não podemos argumentar que a destruição das instituições multilaterais do século XX seja uma derrota para Trump, porque Trump não as respeita nem parece contar com elas. Como pilares do soft power de ontem e tentáculos de uma visão globalista, Trump as considera obsoletas. A visão de Trump é a força bruta como fator de negociação, algo como tortura: não aceita? Perde um dedo! E Trump, em sua perspectiva, cortou a mão do Irã. A destruição da arquitetura multilateral proposta e construída pelos EUA após a Segunda Guerra Mundial é uma derrota a longo prazo para os EUA, mas para Trump, dada sua estratégia para os EUA, o valor dessa estrutura é insignificante. Na minha opinião, ele se arrependerá mais tarde. E descobrirá que, para as vítimas, as mãos não são tão importantes quanto para os agressores. Lutar por causas significa lutar com tudo! Nem os EUA nem Israel, viciados em conforto e luxo, enfraquecidos por suas próprias guerras limitadas, terão vida fácil em um conflito aberto com um povo consciente e unido como o iraniano.
Para Trump, como um imperador faraônico que anulou o Congresso e a estrutura de poder representativa dos EUA (outra vitória pessoal), reforçando o que Biden já havia feito — que a democracia que um dia existiu está morta e enterrada (veja o que Bruce Springsteen disse sobre o assunto) — o poder é transacional e imposto por meio de uma relação de forças construída com trunfos. Para o globalismo, os trunfos só foram jogados quando o blefe da democracia e dos direitos humanos falhou. Trump dispensa tudo isso. Ele tem pressa e precisa de resultados rápidos para convencer sua base, possivelmente expandi-la e, quem sabe, por meio de muitas reviravoltas, garantir um terceiro mandato. Como? Veremos.
Mas não pense que tudo acabou, pois isso seria um erro em um conflito que ganhou seu maior concorrente em 1979, com o nascimento da República Islâmica do Irã, que desde o início proclamou sua intenção de pôr fim à ocupação israelense. Presumir que o próprio Trump definiria os termos sob os quais tudo se desenrolaria é prematuro. Trump e os EUA iniciaram um processo que, se o Irã jogar bem suas cartas, dará à nação persa a palavra final sobre o desfecho do conflito.
Também não podemos descartar a possibilidade de Trump ter percebido, em meio a tudo isso, que o ataque ao Irã era uma armadilha para enredar e envolver diretamente os EUA. Mesmo sabendo disso, ele assumiu o risco e deixou Israel arrastar o "Big Brother" para um conflito mortal para defendê-lo. Quer tenha participado voluntariamente ou com relutância, Trump pode, por enquanto, contentar-se com o resultado, mas o futuro incontrolável voltará para assombrá-lo mais tarde.
Israel, o maior perdedor, foi mais longe e declarou que todos os objectivos foram alcançados
Para Netanyahu, não havia dúvidas: o Domo de Ferro não deixava passar nada e todos os alvos eram atingidos! Enquanto isso, ele censurou a mídia, as redes sociais e impôs regras draconianas a qualquer um que divulgasse os danos causados por mísseis iranianos que nunca penetraram o Domo de Ferro.
Israel de fato sofreu danos que nunca havia sofrido antes. Também é verdade que, por menor e mais concentrado que seja seu território, o Irã atacou apenas alvos estratégicos e militares. Assim como o Irã, Israel possui mais infraestrutura subterrânea do que na superfície, e essa infraestrutura não parece ter sido afetada. Por mais assustados que os israelenses estivessem — como nunca antes —, a verdade é que, em seu poder, o ataque iraniano não foi brutalmente desumano, como o de Israel. Os israelenses não experimentaram verdadeiramente o que é ver seus alvos civis transformados em alvos militares porque os reservistas estão lá, como Israel. Em um conflito desenfreado, o Irã não hesitará em escalar, e então ninguém poderá escondê-lo.
Para fanáticos, a humanidade inimiga é interpretada como fraqueza. Em True Promise 1 e *2*, o Irã limitou seus ataques a meras manifestações. Assim como a Rússia fez na Ucrânia com sua operação militar especial, poupando civis sempre que possível e a infraestrutura básica. Para neonazistas e sionistas, tal comportamento é visto como vindo dos fracos ou dos desprovidos de recursos. O regime neonazista em Kiev parece ter percebido que estava errado, mas Netanyahu ainda não.
No caso de Israel, devemos também distinguir os objetivos pessoais de Netanyahu daqueles do posto avançado sionista. Israel, o território, só perdeu com este ataque ao Irã. Seu povo emergiu com uma sensação de insegurança e paranoia persecutória que continuará a ser lançada sobre crianças, idosos e mulheres palestinos — especialmente agora que uma patente militar reconheceu que o ritmo da aniquilação do Hamas não está produzindo os resultados desejados. Mas Netanyahu ganhou tempo, especialmente quando intimado a comparecer perante o julgamento em andamento na Suprema Corte. O estado de emergência poderia ser invocado para mantê-lo no poder.
De acordo com Netanyahu e seus comparsas, Israel alcançou:
- Atrasar — ou aniquilar — o programa nuclear do Irã de forma inequívoca.
- Atrasando o desenvolvimento industrial do Irã, assim que a ferrovia que ligava a China a Teerã se tornou operacional.
- Arrastando o irmão mais velho — os EUA — para um conflito regional de proporções imprevisíveis, garantindo que Trump seguiria seu aventureirismo e não o contrário.
- Cometer genocídio em Gaza, onde Harvard já fala de 377 mil palestinos desaparecidos , ao mesmo tempo em que recebe apoio incondicional da Europa, concluindo que tem tapete vermelho para continuar.
É claro que essa sensação de "vitória" não pode ser total ou verdadeira. A tentativa de mudança de regime não aconteceu — muito pelo contrário —, mas Netanyahu não diz nada sobre isso, o que não pode ser interpretado como desistência. Tampouco foi comprovado que a Força Aérea israelense tinha tanta liberdade de movimento quanto alegou: o blogueiro "Simplicius The Thinker", que oferece algumas das melhores análises militares que conheço, diz que há apenas um vídeo de um avião israelense sobrevoando o Irã, em uma cidade periférica, fornecido pelos próprios israelenses. Sabemos também que muitos dos ataques que Israel alega terem sido realizados com drones foram lançados de dentro. Isso demonstra o que já sabemos: o Mossad tem uma capacidade brutal de infiltração social, o que não é uma vitória neste caso. O Irã aproveitou a oportunidade para expurgar colaboradores e traidores.
Apesar de conhecerem as ineficiências dos sistemas Iron Dome e Arrow, e do medo de ficar sem interceptadores, Netanyahu e seu aparato acrescentam mais objetivos à sua lista. Para aqueles que desejam uma mudança de regime, atrasar o desenvolvimento do Irã significa ganhar tempo para capitalizar as contradições sociais que surgem em sociedades estagnadas, incapazes de atender às necessidades de seus povos. Como o programa nuclear iraniano significa energia barata e limpa, seu atraso trará dificuldades econômicas, que Israel (e os EUA) não deixarão de explorar. Veremos quão danificado o programa está, quanto tempo levará para ser restaurado e o que acontecerá quando isso acontecer.
Como podemos ver, as supostas "vitórias" de Israel são condicionais, efêmeras e meramente temporárias. Nenhuma é verdadeiramente definitiva e nenhuma representa algo novo além do que já sabíamos: as capacidades do Mossad; o fanatismo aventureiro e suicida de Netanyahu; seu desejo de permanecer no poder; e a proteção dos EUA.
No entanto, não nos esqueçamos: muitas vezes, os objetivos declarados não correspondem aos reais. Netanyahu pretendia destruir os programas nuclear e de mísseis do Irã e mudar seu regime, ou estava mais preocupado em arrastar os EUA para o confronto? No primeiro caso, ele não pode reivindicar vitória, mas no segundo? Ele conseguiu ou não? Alguém duvida que Netanyahu esteja convencido da vitória sobre o Irã com os EUA ao seu lado?
Isso significa que devemos ler todas as instruções, declaradas e visíveis, bem como invisíveis e tácitas, em um conflito. O que não pode ser confessado pode ser uma vitória mais importante do que o que é declarado. E se há alguém pervertido, cínico e obstinado — igualmente messiânico — é Netanyahu. Se todos sabemos que ele esteve por trás da destruição de vários Estados, da manipulação de outros e da aniquilação de milhões, como podemos duvidar de sua eficácia ou de sua capacidade de perseguir objetivos?
O equilíbrio é fundamental nessas coisas. O exemplo sírio deve permanecer conosco. Um dia, Israel foi cercado, e depois não foi mais!
O Irã declara vitória ao sobreviver
O Irã vence porque sobreviveu a um ataque de dois exércitos brutais e poderosos — sem dúvida, os mais poderosos e sanguinários da história da humanidade. As vítimas vencem quando sobrevivem a ataques que visam aniquilá-las. Aqueles que fracassam são derrotados!
O Irã conseguiu infligir danos nunca antes vistos a Israel, gerando dúvidas na sociedade israelense sobre a estratégia de Netanyahu. Por enquanto, o Irã resiste, apesar das perdas maiores. Mas um país centenas de vezes maior que Israel tem uma capacidade muito maior de absorver danos. Além disso, a sociedade iraniana está endurecida por décadas de agressão ocidental, produzindo níveis de resiliência e consciência muito mais elevados.
A consciência do povo iraniano também é o que permite que sua liderança reivindique a vitória. Se o inimigo queria desacreditar o regime, conseguiu o oposto. Os exemplos do Iraque, Líbia, Síria e Ucrânia estão vívidos na memória de todos, especialmente dos iranianos, que vivem ao lado do Iraque, um país de maioria xiita como o Irã, que, outrora alvo de mudanças de regime por forças externas, nunca se recuperou.
A verdade é que mesmo as facções da sociedade iraniana que não se identificam com o regime demo-teocrático de Al-Khamenei — exceto aquelas corrompidas pelo Mossad e pela CIA — ponderaram suas diferenças e chegaram a duas conclusões importantes:
- Entre a cruz e a espada, o regime atual é melhor do que o que os EUA e Israel têm a oferecer.
- Apesar de todas as contradições, o regime atual tem credibilidade para pelo menos defender a existência, a integridade e a soberania do Irã.
Sem este último, o desenvolvimento que almejam jamais será possível. Aqueles que caíram na armadilha e agora vivem em países destruídos, cujas almas sociais, nacionais e coletivas foram destruídas em nome da existência e da "segurança" de Israel, são a prova disso. Os EUA e Israel carecem de exemplos na região de por que vale a pena trabalhar com eles e deixá-los tomar o poder. Todos os que o fizeram lamentaram profundamente. Essa também é a vitória do Irã — uma vitória da resistência. A "segurança" de Israel se alimenta da decadência alheia. Ao não cair na armadilha do Ocidente, o Irã conquistou um futuro. Um futuro turbulento e desafiador, mas um futuro. Algo que outros não têm — a Ucrânia pode atestar.
Mas o Irã também ganha outras coisas:
- Amplo apoio e simpatia do Sul Global.
- O sentimento e a coesão nacionais são fortalecidos.
- O mundo agora sabe que tem forte apoio da China e da Rússia.
- Ele pode enfrentar Israel e, por enquanto, sobreviver.
- Isso assustou Trump a ponto de ele parecer temer mais os danos econômicos do fechamento do Estreito de Ormuz do que a continuação do comércio entre Irã e China.
- Manteve seus programas nucleares e de mísseis.
- Ela deixou de ser uma imagem de agressor e passou a ser uma imagem de vítima.
Agora é muito mais difícil para o Ocidente retratar o Irã como o bicho-papão que invade e destrói tudo, já que Israel foi o agressor não provocado. Finalmente, o Irã permanece conectado aos seus parceiros estratégicos sem cair na armadilha de Israel: usar este conflito para isolar o Irã novamente.
Isso não significa que o Irã não tenha perdido algo neste conflito. O Irã perdeu alguns de seus melhores líderes. Mas, ao longo dos dias de conflito, o Irã foi muito falado, e isso foi, em parte, usado para aumentar a conscientização sobre o que o país realmente é, projetando uma imagem nova e reforçada para o mundo. Mas nunca nos esqueçamos de que as vitórias das vítimas são sempre mais caras para elas do que as derrotas dos agressores. As vítimas sempre pagam o preço mais alto, simplesmente porque são mais pobres.
O maior sacrifício ainda pode estar por vir. Mas quando isso acontecer, Israel e os EUA terão pelo menos uma certeza: a guerra com o Irã não será um passeio na Síria nem um treino de tiro em Gaza.
O Irã também ganha o poder de decisão. Na minha opinião, cabe ao Irã dizer quando a guerra termina ou não. Quando o Líder Supremo Ali Khamenei diz: "Nós nunca nos renderemos", ele está anunciando ao mundo que eles, e não seus inimigos, decidirão quando ela terminará. Além disso, o Irã tem outro trunfo — doloroso, mas decisivo: sua melhor chance de vencer uma guerra com esses contendores e, por meio dela, acabar com Israel e o império americano reside em sua capacidade de atrair os EUA para uma invasão terrestre. Isso alienaria a base MAGA, esgotaria os cofres imperiais e terminaria com um Irã exausto, mas vitorioso. Nesse caso, o Irã poderia contar com medidas poderosas como o fechamento do Estreito de Ormuz, bloqueios chineses e talvez russos de vendas de minerais essenciais para o Ocidente e a desestabilização dos mercados de energia, bens de consumo, componentes e matérias-primas. Enquanto isso, a Rússia venderia petróleo a US$ 300 o barril, o que todos desejariam comprar.
Veremos por quanto tempo esse cenário será evitado, mas parece que Israel está inclinado a caminhar para algo assim, por mais que os EUA e Trump temam. Esse medo é um trunfo para o Irã. Em tal conflito, provaria mais uma vez que a doutrina militar americana não funciona, assim como não funcionou no Iêmen ou no Afeganistão, ou a de Israel em Gaza, apesar do massacre de milhares.
E a derrota? Houve alguma derrota?
Em todo esse processo, houve um perdedor anunciado — já que os outros vencedores são provisórios — e esse é a União Europeia! A UE não só testemunhou a destruição das estruturas multilaterais que dão importância aos seus principais membros (França e Reino Unido fazem parte do Conselho de Segurança da ONU, o que já não corresponde à sua real importância), como também se mostrou incapaz de qualquer pensamento independente, coletivo, coordenado e estrategicamente relevante.
A UE seria a mais afetada pelo fechamento do Estreito de Ormuz. Em vez de acalmar as tensões, conter a escalada, proteger a ordem internacional e usar uma carta poderosa que ela possui — o tratado de associação com Israel — o que os líderes europeus fizeram? Mais uma vez, falharam em proteger os países europeus, os povos europeus e a ordem internacional que fez a Europa prosperar e se reconstruir após a Segunda Guerra Mundial.
Mas isso não é tudo. A antagonização com o Irã e o fim do JCPOA sob o governo Trump 1.0 afetaram severamente os negócios europeus com o Irã, especialmente em uma área em que a UE é extremamente carente: petróleo e gás. Mais uma vez, a UE, que já sinalizou que permitirá motores de combustão interna até 2040 e visa construir uma indústria de armamentos tecnologicamente atrasada, de baixo valor agregado e com um perfil energético brutal, alienou a possibilidade de competir com a China por petróleo e gás iranianos mais baratos.
Além disso, a UE, que não consegue se unir em relação ao genocídio que Israel está cometendo na Palestina, viu figuras como Merz, Rutte ou Kallas, com suas declarações infantis e irresponsáveis, destruírem o último resquício de credibilidade que qualquer um cego poderia lhes atribuir. Tudo o que acusam a Federação Russa e Putin de fazer, aceitam de bom grado de Netanyahu, e em uma escala impressionante. Netanyahu atacou cinco países em um ano: Palestina, Líbano, Síria, Iêmen e Irã! E o que dizem essas figuras? Continuem!
A maior desgraça ainda estava por vir quando, vendo Trump usar todo esse circo para impor 5% de gastos na OTAN (exceto para a Espanha), todos eles concluíram a ordem e aceitaram os 5% — que agora dizem ser 3,5%, mas sabemos que são 5%, já que 1,5% são gastos indiretos em infraestrutura e coisas do tipo, mas essenciais para a estratégia de defesa.
Esta UE faz tudo isto e quer convencer-nos a todos de que se armará e, uma vez armada até aos dentes, ganhará a capacidade de se defender, quando tudo o que fez até agora prova apenas uma certeza: uma vez na posse dessas armas, a UE usá-las-á para se aniquilar!
Os "líderes" da UE se comportam como aqueles indivíduos muito fracos que de repente recebem uma arma. Eles confundem a afronta que Putin lhes fez, o caráter afiado de Xi e a arrogância de Trump como algo relacionado às armas que possuem... nada poderia estar mais errado! Caráter não se constrói em fábricas de metal. Um tolo armado é apenas um tolo perigoso! No caso da UE, muito perigoso mesmo! E como não pode ser perigoso para os outros por falta de coragem ou habilidade, se voltará para dentro e acabará punindo as Hungrias, Espanhas ou Eslovaquias do mundo por ousarem contradizê-lo.
Dizer que a Turquia se preservou desse comportamento seria redundante. Nesse processo, que tanto preocupou a Turquia, o Sr. Erdogan também se comportou como um menino de recados! Mais envergonhado, claro, mas um mero garçom de Trump.
Veremos as cenas dos próximos capítulos, mas a guerra está apenas começando e já tem um perdedor. O de sempre!
Entre em contato conosco: info@strategic-culture.su
- Gerar link
- X
- Outros aplicativos

Comentários
Postar um comentário
12