Hegemonia e acumulação: os 100 anos do Grupo Globo na geometria capitalista e seus reflexos jurídicos

Sede do jornal O Globo em 31 de março de 1964. Imagem: Fundo Correio da Manhã / Wikimedia Commons

Por Luan Henrique de Melo Vilaça Dornelas
blogdaboitempo.com.br

No dia 29 de julho de 1925, Irineu Marinho faz nascer, no Rio de Janeiro, o jornal O Globo, que seria o motor inicial para a consolidação do principal entre os poucos conglomerados que comandam os meios de comunicação no Brasil, em um cenário de oligopólio. 

Esse oligopólio é a performatividade, no capitalismo tardio, da Lei Geral da Acumulação Capitalista, estruturada por Karl Marx no capítulo 23 d’O capital, volume 1, especialmente no que tange à centralização do capital. O caso do Grupo Globo evidencia como o reinvestimento de lucros, as expansões tecnológicas, fusões, aquisições e articulações com o Estado, como a concessão do serviço de comunicação e a ausência de uma efetiva e atual regulamentação, produziram um elevado nível de concentração, que não só tensiona, mas também neutraliza a retórica neoliberal da livre concorrência. 

Como principais reflexos jurídicos, têm-se que, apesar de a Constituição Federal de 1988, entre os artigos 220 e 224, prever limites à concentração e incentivar a pluralidade, a regulamentação infraconstitucional é limitada, grande parte em decorrência da influência desses grupos empresariais dominantes no Congresso Nacional.  

Dessa forma, na contramão da Constituição, a prática do mercado midiático se organiza em poucos, mas grandes conglomerados privados, muitas vezes familiares, com forte propriedade cruzada, que engloba não apenas jornais, mas, também, a TV aberta, rádios, podcasts e streaming, além de redes de afiliadas regionais, o que resulta em uma altíssima concentração setorial, determinante para a formação de oligopólios. 

O cenário atual dos meios de comunicação no Brasil 

Uma mídia independente e plural é condição indispensável para uma democracia efetiva, uma vez que os conteúdos que circulam exercem influência direta na opinião pública. Sem diversidade de informações e pontos de vista, o debate público fica empobrecido.  

No Brasil, contudo, os dados do projeto Media Ownership Monitor Brasil (MOM-Brasil) acendem um alerta vermelho: o sistema midiático brasileiro apresenta uma altíssima concentração, não só de audiência, mas, também, de propriedade, configurando um verdadeiro oligopólio. O projeto analisou os 50 veículos de maior audiência nos segmentos de TV, rádio, mídia impressa e online, pertencentes a apenas 26 grupos de comunicação. 

Os resultados do MOM-Brasil demonstram que, em cada segmento avaliado, os quatro maiores grupos de mídia concentram fatias exorbitantes de público, ultrapassando 70% da audiência no caso da TV aberta, o meio de comunicação mais consumido no país.  

Especificamente na TV aberta, apenas quatro redes (Globo, SBT, Record e Bandeirantes) respondem, juntas, por mais de 70% da audiência nacional, sendo que a TV Globo, sozinha, abarca cerca de metade do público desse meio. 

Apesar do peso crescente das Big Techs estrangeiras no mercado brasileiro, como plataformas de streaming e redes sociais — que disputam não somente a audiência por conteúdo e entretenimento, mas, também, receitas publicitárias, por meio de anúncios —, o domínio do Grupo Globo é avassalador. Essa empresa alcança, diariamente, cerca de 100 milhões de brasileiros, aproximadamente metade da população nacional, por meio dos seus diversos veículos de comunicação, logo, seu domínio ainda se mantém consolidado nos meios tradicionais e híbridos, ampliando preocupações sobre o pluralismo informativo em um ecossistema cada vez mais globalizado. 

Enquanto o conglomerado celebra esse alcance como um triunfo mercadológico, o fato de uma única entidade atingir tamanha parcela do público, na perspectiva do pluralismo informativo, é extremamente preocupante. 

A Lei Geral da Acumulação Capitalista 

No capítulo 23 d’O capital (Livro 1), Marx, ao analisar o desenvolvimento do capitalismo industrial, identificou uma tendência estrutural: a concentração de riqueza e a centralização dos meios de produção. Ele sintetizou essa observação como uma lei geral: à medida que acumula seu capital, a classe burguesa se reduz, de modo que as empresas menores são eliminadas ou absorvidas pelas maiores, consolidando a força dos capitais vencedores. Nas palavras do autor, “À medida que o capital se acumula, diminui o número dos capitalistas; cresce, porém, a sua força. Os capitais maiores devoram os menores.” (Marx, 2013, p. 784). Isso significa que o progresso do capitalismo é combinado, de forma inevitável, a um movimento de fusões, aquisições e falências, que concentra os meios de produção e o mercado em menos unidades controladoras ou conglomerados.  

Essa formulação, que é popularmente resumida na máxima “um capitalista mata muitos” aponta que a concorrência leva, de forma paradoxal, ao fim da própria concorrência, de forma que os vencedores no mercado passam a dominá-lo quase por completo, erguendo muros e barreiras com o objetivo de impedir a entrada de novos atores. 

No caso da indústria midiática, essa lei geral se expressa pela formação de gigantescos conglomerados, que, com o tempo, se tornam proprietários de múltiplos veículos de comunicação, levando a um número reduzido de grupos empresariais que controla a maior parte das fontes de informação e entretenimento da população. Historicamente, foi exatamente o que o Brasil testemunhou com a ascensão do Grupo Globo a partir do século XX.  

Para a melhor compreensão do próximo item, vale uma distinção importante: a concentração do capital refere-se ao aumento da riqueza nas mãos de poucos capitalistas, ao passo que a centralização diz respeito à fusão de capitais já existentes. 

Os mecanismos de centralização do capital 

A ascensão do Grupo Globo não se deu por acaso. Ela foi impulsionada por um conjunto de estratégias que, embora comuns no capitalismo, assumem contornos particulares no setor midiático. Essas estratégias foram identificadas por Marx como mecanismos de centralização capitalista, que podem ser nitidamente vistos nessa trajetória, dentre os quais destacam-se: 

a. O reinvestimento de lucros: em mercados capitalistas, empresas bem-sucedidas tendem a reinvestir grande parte de seus lucros na própria expansão, ampliando seus negócios. Esse reinvestimento leva a um ciclo vicioso para essas organizações, pois, com o superávit obtido, elas compram novos equipamentos, investem em melhores tecnologias, contratam mais profissionais, desenvolvem produtos e entram em novos segmentos, ganhando mais força.  

No setor midiático brasileiro, o Grupo Globo seguiu exatamente esse modelo: seus lucros obtidos foram continuamente aplicados na criação de novos canais, em tecnologia de transmissão, na contratação dos melhores profissionais e até na aquisição de outras empresas do ramo, inclusive incorporando integralmente empresas coligadas. 

Em suma, reinvestir os excedentes permitiu ao Grupo crescer continuamente, com a verticalização da sua cadeia produtiva, controlando desde a produção até à distribuição, e se horizontalizar, entrando em segmentos como rádio, TV aberta, TV por assinatura, e streaming. Isso exemplifica como, nas palavras de Marx, “quanto maior o capital acumulado, maior a sua centralização”, pois os ganhos dos líderes viram combustível para ampliar ainda mais sua fatia no mercado. 

b. A concorrência destrutiva: outro fator que eleva a centralização é a própria competição de mercado, que, frequentemente, assume formas desleais ou, até mesmo, predatórias por parte dos grupos já economicamente consolidados. Empresas dominantes, por exemplo, podem reduzir preços temporariamente para expulsar concorrentes menos capitalizados, em decorrência da acumulação já obtida.  

Com o Grupo Globo não foi diferente: em decorrência do seu aporte já consolidado no mercado e seu alto alcance, ele podia cobrar caro de anunciantes, mas, ao mesmo tempo, oferecer descontos ou bônus exclusivos nos pacotes de publicidade, inviabilizando economicamente que anunciantes estratégicos, que agregavam uma grande margem de lucro, migrassem para concorrentes. 

Além disso, a Globo adotou a captura estratégica de talentos e conteúdos, pois, uma vez que detinha recursos superiores, firmou contratos de exclusividade com artistas, autores, diretores e estrelas do esporte, de forma a obstar emissoras concorrentes de acessá-los, garantindo audiência pelo apelo popular.  

A performatividade da lei marxiana no “caso Globo” 

A expressão “performatividade”, aqui, sugere que a teoria de Marx não apenas descreve, mas parece encenar-se na trajetória real do Grupo Globo. É possível destacar como os elementos da Lei Geral da Acumulação Capitalista se manifestam no decorrer do desenvolvimento do império global da família Marinho. 

Marx previu que a acumulação do capital seria sistematicamente utilizada para engolir novos espaços, e o Grupo Globo mostra que ele não poderia estar mais certo. O lucro obtido no negócio principal, que, inicialmente, era o jornal, e, depois, sobretudo a TV aberta, serviu para financiar as expansões. Um exemplo notável foi a consolidação do setor editorial: a Globo já atuava com a Rio Gráfica Editora, mas, em 1986, pôde adquirir a tradicional Editora Globo de Porto Alegre, graças ao capital acumulado na década anterior com o boom televisivo. 

Essa aquisição lhe permitiu expandir seu portfólio de revistas e livros, eliminando uma concorrente de longa data no segmento editorial. Posteriormente, em 2016, repetiu o movimento ao comprar parte do Grupo Folha, tornando-se acionista único do diário econômico. Cada fusão ou compra foi fortalecendo o conglomerado, deixando cada vez menos espaços para empresas independentes, uma aplicação fiel do “devorar os menores” tal qual Marx descrevera. 

Marx apontou, também, que, conforme o capital se concentra, ele ganha força superior, inclusive em termos de eficiência produtiva, criando um ciclo de dificuldade para os menores. No caso Globo, suas economias de escala sempre foram a ferramenta ideal para inviabilizar concorrentes. Desde os anos 1970, a Globo verticalizou a produção de novelas, jornalismo e shows em imensos estúdios próprios, que, hoje, são conhecidos como os Estúdios Globo, no Rio de Janeiro, produzindo conteúdo em massa a custos médios decrescentes.  

Uma novela das 21h da Globo dilui seu altíssimo custo de produção por uma audiência de milhões e pela venda internacional para dezenas de países, ao passo que, uma novela de outra emissora, com metade do orçamento, atinge um terço ou menos do público e dificilmente consegue distribuição externa. Isso significa, para a outra emissora, um retorno muito inferior, fechando um ciclo em que apenas a Globo consegue sustentar, de forma continuada, produções de alta qualidade.  

Além disso, o Grupo Globo alcançou economias de escopo: suas diversas mídias integradas permitem reutilizar conteúdo, já que um personagem de novela vira reportagem na revista da casa, ou um comentarista esportivo de um programa é aproveitado no jornal da emissora, fazendo com que, de forma concomitante, se extraia valor de sinergias que grupos separados não conseguiriam. Essa eficiência maior do grande capital midiático frente aos pequenos confirma a tese marxiana de que a concorrência acaba favorecendo os que podem produzir a menor custo unitário.  

Marx também enfatizou que, com a acumulação, aumenta a distância entre o capital total social e cada capital individual, aprofundando desigualdades estruturais. No ecossistema da mídia brasileira, a disparidade entre o Grupo Globo e os médios ou pequenos empresários de comunicação ilustra isso claramente. Enquanto a Globo vale dezenas de bilhões de reais e dispõe de recursos tecnológicos e humanos incomparáveis, os veículos regionais independentes lutam pela sobrevivência.  

Muitos jornais locais e rádios pequenas fecharam nas últimas décadas por falta de viabilidade diante da concentração das audiências e receitas em poucos grupos. Os que persistiram, em grande parte, o fizeram associando-se a alguma rede nacional ou tornando-se afiliados. Assim, aquele proprietário local de TV que antes disputava audiência de igual para igual em sua cidade, hoje, ou integra o Grupo Globo, ou está confinado a uma parcela ínfima do público, ou está destinado à falência.

A força do grande capital midiático tornou-se tão superior que condiciona toda a cadeia: produtores independentes de audiovisual, por exemplo, dependem de vender seus projetos para a Globo ou para outras plataformas de streaming internacionais, se quiserem alcançar público; caso contrário, não possuem canais de difusão, no mínimo, equivalentes. Em última instância, isso limita o pluralismo e prova o ponto de Marx: a acumulação privada concentra não apenas meios econômicos, mas, também, poder de decidir quais produtos culturais ou informativos chegam à sociedade.  

A retórica de que “há espaço para todos em livre mercado” cai por terra quando se analisa o cenário atual, pois o espaço já foi tomado pelos gigantes, restando muito pouco ou quase nada para novos entrantes. 

Marx via nesse fenômeno o prenúncio de uma contradição insanável do capitalismo, que concentraria tanta riqueza e poder que acabaria por gerar tensões sociais. No caso da mídia, podemos pensar, por exemplo, na tensão entre liberdade de expressão e pluralidade de vozes contra o controle da informação por oligopólios. 

Em resumo, a evolução do Grupo Globo confirma empiricamente os mecanismos descritos por Marx. A empresa reinvestiu seus excedentes para crescer, praticou concorrência implacável que desestruturou concorrentes e absorveu ou eliminou os pequenos competidores, tornando-se um agente quase único em seu mercado. O resultado é a centralização pronunciada de capital no setor de comunicações, o que corrobora a análise de que a livre concorrência se nega ao produzir monopólios ou oligopólios.  

Breve crítica ao discurso neoliberal de “livre mercado” 

A existência de um oligopólio privado na mídia brasileira contradiz os princípios básicos propagandeados pelo imaginário neoliberal, especialmente na década de 1990, quando se promoveu a desregulamentação e privatização em diversos setores sob a promessa de maior competição e eficiência.  

No campo das comunicações, o neoliberalismo pregou que a abertura de mercado e a não intervenção estatal resultariam em diversidade e inovação. Ocorre, porém, que a realidade evoluiu no sentido oposto: consolidou poucos players e reduziu a competição real.  

Os defensores do livre mercado argumentam, em linhas gerais, que: (I) há livre entrada de novos competidores em qualquer setor, bastando que tenham competência e capital para investir; (II) a competição tende a ser perfeita ou pelo menos suficiente para impedir que uma empresa abuse indefinidamente, pois consumidores migrariam para empresas alternativas no caso de deslize de uma dominante; (III) os preços e qualidade dos produtos serão determinados pela oferta e procura em ambiente competitivo, beneficiando o consumidor.  

Aplicando isso à mídia, (I) acreditar-se-ia que qualquer empreendedor poderia montar uma nova emissora ou jornal, e, se oferecesse conteúdo melhor ou mais atrativo, poderia superar as grandes redes; (II) supõe-se que a audiência teria pleno poder de escolha; e (III) a dinâmica de mercado recompensaria os melhores conteúdos, punindo quem relaxasse devido à concorrência vigilante. Não foi o que ocorreu. Na prática, as indústrias culturais apresentam características que as afastam do modelo de concorrência perfeita, e o cenário brasileiro acentuou esses fatores. 

Várias barreiras estruturais e estratégicas impediram que o “mercado aberto” de mídia no Brasil gerasse diversidade, ou, ao menos, uma competição equilibrada. Dentre as principais, destacam-se: 

a. Altíssimos custos fixos e econômicos de escala: montar e operar um veículo de comunicação de massa requer investimento pesado, seja uma rede de TV (estúdios, transmissores, equipe artística e técnica numerosa) ou um portal de grande audiência (infraestrutura tecnológica, geração constante de conteúdo). Esses custos fixos iniciais criam uma barreira de entrada quase intransponível para novos entrantes sem capital robusto. Além disso, uma vez estabelecida, uma grande empresa de mídia se beneficia de custos médios decrescentes, como visto no caso da Globo, que produz para milhões de pessoas de forma simultânea, podendo, assim, praticar preços (no caso de publicidades) muito competitivos que um novato não consegue igualar.  

b. Concessões estatais limitadas e fator político: o setor de radiodifusão (TV e rádio aberta) depende de concessões de canais outorgadas pelo Estado. Esse fator regulatório deveria, em tese, ser usado para fomentar diversidade, de forma a distribuir canais para diferentes grupos e associações, mas, no Brasil, aconteceu o inverso: historicamente, as concessões foram distribuídas de forma clientelista para políticos e empresários aliados, fazendo com que a concentração das principais frequências ficasse nas mãos de poucos grupos comerciais.  

Nos anos neoliberais de 1990, não houve um processo de abertura de várias novas concessões competitivas; noutro giro, manteve-se o espectro praticamente fechado, apenas renovando as licenças dos mesmos atores. Além disso, a renovação de outorgas, que, por lei, deveria considerar aspectos como cumprimento de função social, tornou-se automática e politizada.  

A Globo e outras redes, por sua influência, nunca tiveram dificuldade real em renovar suas licenças. Por outro lado, grupos independentes ou críticos, dificilmente obtiveram novos canais de TV, exceto em raras exceções educativas ou comunitárias, e, ainda assim, com um alcance restrito. O alto teor político desse processo assegurou a perpetuação do oligopólio: para alguém “de fora” entrar, precisaria de um apoio político improvável ou comprar uma concessão existente.  

Assim, a livre entrada pregada pelos liberais simplesmente não existiu, pois as portas de entrada foram vigiadas e controladas por quem já estava do lado de dentro. 

Devido a todos esses fatores, a tão propagada “mão invisível” da concorrência falhou em produzir um mercado midiático plural no Brasil. O resultado prático é que a livre concorrência, na comunicação, mostrou-se pragmaticamente impossível.  

Com o advento da Internet, a qual muitos acreditaram que “democratizaria” a informação, esse mercado acabou dominado por plataformas ainda maiores, as Big Techs, e, no conteúdo local, quem mais se beneficia da internet são justamente os grupos dominantes, já que, a título de exemplo, os sites mais acessados de notícias no Brasil pertencem ao Grupo Globo ou Folha.  

Isso refuta na prática a narrativa de mercado plural difundida pelo neoliberalismo. Em resumo, sem regulações específicas e políticas de incentivo à diversidade, o mercado por si tende ao monopólio ou oligopólio, confirmando as análises críticas.

A influência dos conglomerados de mídia no Congresso Nacional 

No Brasil, evidências apontam que conglomerados que controlam os meios de comunicação exercem forte influência sobre o Congresso Nacional. Essa influência tem sido usada, principalmente, para barrar regulamentações mais rígidas contra a concentração midiática e impedir avanços legislativos em prol da pluralidade informacional. 

Um exemplo marcante é o Código Brasileiro de Telecomunicações de 1962: durante sua aprovação, as empresas de comunicação, organizadas na Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (ABERT), fizeram um lobby intenso, cuja pressão fez com que o Congresso derrubasse todos os 52 vetos presidenciais que visavam impor limites às concessões. Tentativas de descentralizar os meios ou fortalecer a mídia comunitária têm sido, de forma sistemática, derrotadas pela pressão dos grandes grupos empresariais, pressão essa que se soma à ação de políticos da bancada da mídia. 

Vale notar que a influência não se exerce apenas bloqueando novas leis, mas, também, moldando as existentes. Na década de 1990, por exemplo, os grandes meios pressionaram o Congresso para aprovar a entrada de capital estrangeiro nas empresas de comunicação, mudança essa que foi concretizada e permitiu até 30% de participação externa no setor. Em outras palavras, quando se trata de iniciativas que interessam aos conglomerados, o Legislativo atua rapidamente, mas, quando a pauta é limitar o poder desses grupos em prol da diversidade, os obstáculos são abundantes.

Assim, a relação entre mídia e Congresso no Brasil tem sido marcada pela tutela dos interesses dos grandes grupos de comunicação sobre o processo legislativo. Documentos históricos, pesquisas e casos recentes evidenciam essa influência, que freia avanços regulatórios e mantém a concentração. Reconhecer e enfrentar esse fenômeno, por meio de pressão social e vontade política, é fundamental para que o país avance em direção a um ambiente midiático mais plural, diverso e em sintonia com os princípios democráticos. 

Entre o texto constitucional e a escassez de regulamentação 

A Constituição Federal de 1988 dedicou um bloco de dispositivos (artigos 220 a 224) especificamente à comunicação social. Em conjunto, tais comandos pretendem assegurar pluralismo e competição saudável nos meios de comunicação, ao mesmo tempo em que fixam obrigações de conteúdo e institutos de controle público sobre as concessões de rádio e TV. 

Apesar da clareza constitucional, a legislação infraconstitucional permaneceu praticamente a mesma que antecedia a Constituição Cidadã de 1988. O setor de radiodifusão continua regido, em linhas gerais, pelo Código Brasileiro de Telecomunicações, o CBT, Lei 4117/1962, parcialmente atualizado pelo Decreto-Lei 236/1967 e seus regulamentos. Esses diplomas foram concebidos em plena era analógica, e jamais incorporaram os princípios do artigo 220 da CF/1988. 

No campo das telecomunicações, a Lei 9472/1997, Lei Geral de Telecomunicações, criou a Anatel e privatizou o Sistema Telebrás, mas se limitou às redes, deixando de fora regras sobre conteúdo ou pluralidade editorial. 

Já a Lei 12485/2011, que criou o Serviço de Acesso Condicionado (SeAC), inovou ao impor cotas de conteúdo brasileiro e fixar limites acionários entre programadoras e operadoras de TV por assinatura, mas só vale para o ambiente fechado; rádio, TV aberta, imprensa escrita e plataformas online continuam sem qualquer teto para propriedade cruzada. 

Em síntese, não existe no Brasil uma lei geral de meios que integre radiodifusão, audiovisual e internet sob a lógica antimonopólio prevista no art. 220, lacuna que o MOM-Brasil classifica como “alto risco” ao pluralismo: a única barreira legal efetiva é a do SeAC, insuficiente para conter a verticalização dos grandes conglomerados midiáticos. 

Projetos de lei para impor os princípios do art. 220 tramitam há décadas, com destaque para o PL 29/2007 (antigo PLC 29) e o Projeto de Lei da Mídia Democrática (Iniciativa Popular 2013), contudo, nunca avançaram, devido à forte oposição dos próprios conglomerados e de bancadas parlamentares ligadas a concessionários. 

A lacuna regulatória faz com que a garantia constitucional de pluralismo exista apenas no papel. Para alinhar prática e norma, seria necessária uma Lei de Meios: um estatuto abrangente que defina tetos de audiência nacional e regional, limite a participação cruzada e imponha regras de governança ao Conselho de Comunicação Social, à luz do que já existe em países como Argentina e França. 

Sem nenhuma medida, o hiato entre mandato constitucional e realidade oligopolista tende a crescer, perpetuando a concentração denunciada pelos indicadores mais recentes do MOM-Brasil. 

Conclusão 

A trajetória centenária do Grupo Globo, analisada à luz da Lei Geral da Acumulação Capitalista, de Marx, revela como a lógica de concentração e centralização do capital se manifesta de forma contundente no setor midiático brasileiro. A consolidação de um oligopólio de comunicação, sustentado por reinvestimentos estratégicos, práticas de concorrência predatória e articulações políticas, evidencia a performatividade da teoria marxiana no contexto contemporâneo. 

Apesar das previsões constitucionais que visam garantir pluralidade e diversidade informacional, a ausência de regulamentação eficaz e a influência dos grandes conglomerados sobre o Poder Legislativo perpetuam um cenário de concentração que compromete o ideal democrático de uma mídia livre e plural. A retórica neoliberal da livre concorrência, nesse contexto, mostra-se insuficiente para explicar, e, ainda menos, para corrigir as distorções estruturais do mercado de comunicação no Brasil. 

Portanto, a análise do caso Globo não apenas confirma os mecanismos descritos por Marx, como, também, aponta para a urgência de políticas públicas que enfrentem a concentração midiática, promovam a diversidade de vozes e fortaleçam o papel social da comunicação em uma sociedade democrática, promovam a diversidade de vozes e fortaleçam o papel social da comunicação em uma sociedade democrática, incluindo tanto a regulamentação dos meios de comunicação, quanto a regulação das plataformas digitais, com vistas a restringir esse oligopólio midiático e mitigar o avanço das Big Techs, assegurando pluralismo também no ambiente online, seja de grupos estrangeiros ou nacionais. 

Referências 

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Senado Federal, 1988. 

BRASIL. Emenda Constitucional n.º 36, de 28 de maio de 2002. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 29 maio 2002. 

BRASIL. Lei n.º 12.485, de 12 de setembro de 2011. Diário Oficial da União, Brasília, DF, 13 set. 2011. 

GLOBO. Roberto Marinho (1904–2003). História Globo: Memória Roberto Marinho. Rio de Janeiro, s.d. 

INSTITUTO DE ESTUDOS E PESQUISAS EM COMUNICAÇÃO. Quem são os donos. Carta Capital, São Paulo, p. 17–19, 6 mar. 2002. 

INTERVOZES. Concessões de rádio e TV: onde a democracia não chegou. nov. 2007b. 

INTERVOZES. Mobilizações nacionais pedem democracia e transparência nas concessões. 03 out. 2007a. 

INTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil 2017: Afiliações políticas. São Paulo: Intervozes, 2017. 

INTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil 2017: A hegemonia da concentração sem limites. São Paulo: Intervozes, 2017. 

INTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil 2017: Indicadores de riscos à pluralidade na mídia. São Paulo: Intervozes, 2017. 

INTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil 2017: Os outros negócios da mídia brasileira. São Paulo: Intervozes, 2017. 

INTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil 2017: Quem são os donos? São Paulo: Intervozes, 2017. 

INTERVOZES; REPÓRTERES SEM FRONTEIRAS. Media Ownership Monitor Brasil 2017: Transparência. São Paulo: Intervozes, 2017. 

KANTAR IBOPE MEDIA. Dados de audiência da TV aberta no Brasil (2016). São Paulo: Kantar Ibope Media, 2016. 

LENIN, Vladímir I. Imperialismo, estágio superior do capitalismo. São Paulo: Boitempo, 2012. 

MARX, Karl. O capital: crítica da economia política. Vol. I. São Paulo: Boitempo, 2013. 

NEGÓCIOS SC. Audiência da NSC TV é superior à soma das demais emissoras. 23 jan. 2025. 

PROCURADORIA GERAL DA REPÚBLICA. Parecer sobre a ADPF 246. Procurador-Geral da República, Roberto Monteiro Gurgel Santos, 12 ago. 2013. 

PORTAL INSIGHTS. Globoplay aparece em 3º lugar em audiência no Brasil. jan. 2025. 

REVISTA OESTE. Globo e SBT perdem espectadores em 2024. Publicado em 05 jan. 2025. 

SANTOS, Suzy dos; CAPPARELLI, Sérgio. Coronelismo, radiodifusão e voto: a nova face de um velho conceito. In: BRITTOS, Valério Cruz; BOLAÑO, César Ricardo Siqueira (Org.). Rede Globo: 40 anos de poder e hegemonia. São Paulo: Paulus, 2005. p. 77–101. 

SECRETARIA DE COMUNICAÇÃO SOCIAL DA PRESIDÊNCIA DA REPÚBLICA (SECOM). Pesquisa Brasileira de Mídia 2016: hábitos de consumo de mídia pela população brasileira – Relatório Final. Brasília, DF, 2016. 

THE RIO TIMES. Globo’s Audience Share Alone is Higher Than all Free TV Networks Together. Por Iolanda Fonseca, 17 nov. 2019. 

***
Luan Henrique de Melo Vilaça Dornelas é advogado e atua na área de Sociologia do Direito.




Comentários