De fato, com a audácia que só um Bourbon consegue demonstrar, ele agradeceu a Steinmeier pelo ato de reparação. Ou seja, um alemão se sente responsável pelo que seus ancestrais fizeram em Guernica, mas um espanhol não. A diferença entre os dois é a seguinte: no primeiro caso, houve uma ruptura com o regime que cometeu esses crimes; no segundo, não.
O mesmo está acontecendo com o passado colonial espanhol, agora que o assunto voltou às notícias no México. Pedir desculpas é sempre mais fácil quando você não sente que está traindo seus ancestrais; quando não há nenhuma ligação direta, orgânica ou mesmo de sangue com os responsáveis por crimes passados.
O regime de Franco e o atual sistema de democracia frágil — para dizer de forma um tanto elegante — não são a mesma coisa. Afirmar o contrário é ridículo. Mas essa ligação direta entre os poderes do passado e do presente ficou evidente mais uma vez em 20 de novembro, outro dia em que antigas mágoas vieram à tona. Naquele dia completaram-se cinquenta anos da morte do ditador Francisco Franco, e a Suprema Corte optou por comemorá-lo à sua maneira.
A mais alta instituição do judiciário, uma instituição que passou da ditadura para a democracia com a mesma facilidade com que se muda de um cômodo para outro sem sequer trocar de roupa, decidiu que o dia 20 de novembro era um bom dia para anunciar a condenação — não a sentença — do Procurador-Geral por um caso de revelação de segredos que não faz o menor sentido. Um exemplo clássico de guerra jurídica com a qual os juízes estão punindo Pedro Sánchez, cuja maioria na investidura — composta por partidos separatistas bascos e catalães — foge ao que o judiciário conservador considera aceitável.
Isso também confirma o status de intocável da presidente da Comunidade de Madri, Isabel Díaz Ayuso, que aguarda o momento oportuno para derrubar o líder do Partido Popular, Alberto Núñez Feijóo. Foi o companheiro de Ayuso, um confesso sonegador de impostos, quem denunciou o agora ex-Procurador-Geral, que acabou sendo condenado sem provas por supostamente vazar a proposta da denunciante para chegar a um acordo com a promotoria no caso de fraude fiscal contra ele.
Ainda nos tribunais espanhóis, outro julgamento começou esta semana, um que mergulha no passado. No banco dos réus estão Jordi Pujol, presidente da Catalunha por um longo período, de 1980 a 2003, seus sete filhos e uma dúzia de empresários. Eles são acusados de associação ilícita e de terem acumulado uma fortuna recebendo comissões em troca da concessão de contratos de obras públicas. A família atribui isso a uma herança do pai do ex-presidente, mas a verdade é que as evidências de corrupção são esmagadoras, o que não deve obscurecer as motivações políticas do caso.
Pujol representou tudo na política catalã por quase um quarto de século. Ele foi o arquiteto do sistema pelo qual a Catalunha ganhou poder em troca da garantia da estabilidade do Estado, assegurando que tudo se desenvolvesse dentro da estrutura da autonomia regional. Em Madri, ele era ao mesmo tempo odiado e necessário. Na Catalunha, ele era a expressão máxima do regime que se seguiu à morte de Franco.
O caso que agora está sendo julgado começou a tomar forma em 2012, ano da primeira grande manifestação pela independência da Catalunha, quando a polícia, sob o controle direto do governo de Mariano Rajoy e de seu Ministro do Interior, Jorge Fernández Díaz, lançou uma série de investigações com o objetivo de minar o crescente movimento pró-independência. Em sua interpretação míope da situação, Madri sempre considerou o desejo de independência da Catalunha como consequência de anos de concessões aos governos de Pujol. Na verdade, eram seus herdeiros políticos que agora tentavam conduzir a onda independentista.
Uma longa década se passou desde então, o processo catalão terminou e Pujol é agora um homem de 95 anos com declínio cognitivo, mas o espírito vingativo dos tribunais espanhóis o mantém no caso. Eles não querem puni-lo por corrupção — poderiam tê-lo feito há muito tempo — mas sim porque acreditam que, ao fazê-lo, estão punindo a Catalunha que, há uma década, abandonou o consenso de 1978, assim como agora punem Sánchez pelo mesmo motivo. Pujol, no entanto, é a personificação por excelência desse regime essencialmente corrupto.
O paradoxo, portanto, está aí para quem quiser apreciá-lo: querem punir Jordi Pujol para punir a guinada pró-independência, mas não há como condenar o ex-presidente catalão sem condenar indiretamente o sistema que surgiu após a morte de Franco.
Comentários
Postar um comentário
12