quarta-feira, 14 de outubro de 2020

E assim voltamos ao complexo de Vira Lata

   Omar dos Santos* 

 Escrevi este artigo em 2018, contudo, devido à contumácia da mídia brasileira e de seus jornalistas em seu hercúleo esforço para desmoralizar o nosso futebol decidi revisitar o tema para atualizar dados do texto e reeditá-lo.

Este texto tem a pretensão de tornar o debate sobre o futebol nacional, a maior paixão do povo brasileiro, mais inteligente e mais participativo. Pretende ainda contribuir com a tarefa, que é de todos, de ajudar o cidadão brasileiro a adquirir uma posição mais crítica e mais ativa em relação aos meios de comunicação de massa do país.

Após a primeira conquista da copa do mundo pelo Brasil na Suécia, o escritor Nelson Rodrigues escreveu: “A conquista da Taça Jules Rimet por nossa seleção serviu para que o futebol brasileiro perdesse o complexo de vira-lata”. Em nossa modesta opinião, da inteireza de sua razão, não há o que contestar. Tanto assim, que depois disso, ganhamos mais quatro vezes a dita copa e nos tornamos referência internacional de futebol e exportadores de craques e treinadores. Podendo-se afirmar, sem exagero algum, que o mundo inteiro reconhece a importância e a preeminência do nosso futebol.

É no Brasil que os grandes clubes de futebol dos mais importantes centros futebolísticos do mundo, sobretudo os da Europa, vêm contratar, muitas vezes a peso de ouro, jogadores e jogadoras para reforçar seus times. Raras são as equipes da Europa, da Ásia e mesmo de parte da África, sobretudo as que disputam os grandes campeonatos regionais e continentais, que não contam com pelo menos um jogador brasileiro. No jovem futebol feminino, a quase totalidade das jogadoras de nossa seleção jogam mundo afora. São inúmeros os atletas que adquiriram dupla cidadania para defenderem outras seleções, como também são muitos os técnicos brasileiros que dirigiram e dirigem equipes e seleções por todo mundo. Muitos deles, como é o caso de Zico, Parreira, Felipe Scolari, tiveram papel decisivo no aperfeiçoamento e na consolidação do futebol como esporte de massa em vários cantos do mundo.

Pois bem, o mundo inteiro reconhece a grandeza e a importância de nosso futebol, mas nossa mídia esportiva, com seus jornalistas e críticos deslumbrados e obcecados pelo que é ádvena não. É ou não a volta ao “complexo de vira-lata”?

Forjada nas fôrmas da nossa elite conservadora, essa categoria profissional herdou os mesmos europeísmo e americanismo que engendrou aquela classe social. Assim, muito mais que admiração e respeito por outro povo, o que é prova de civilidade, nossos comunicadores veneraram o que vem dos nossos antigos colonizadores e dos nossos exploradores de hoje tanto da Europa quanto do Norte, numa revelação inconteste de submissão e servilismo.

Nossa elite e seus pau-mandados tem o mau costume de desdenhar nossos valores e nossas condições, assim também se dá no futebol. A avaliação feita pelos “doutos” na matéria não é diferente é a pior possível. Quando se analisa o discurso dessa gente, conclui-se que o lugar que o esporte predileto do povo brasileiro ocupa no concerto mundial é o da insignificância. Sinceramente não podemos acreditar que os profissionais da comunicação, a grande maioria deles, diga-se de passagem, não têm consciência do mal que fazem ao orgulho de um povo já tão desdenhado e à já tão combalida economia do país.

Para que se possa entender a dimensão do desserviço que o jornalismo esportivo presta ao nosso futebol, vamos analisar alguns dados desse esporte na atualidade mundial.

Comparemos, inicialmente, as condições estruturais do futebol brasileiro com as do futebol europeu e asiático, ou mesmo com as do incipiente futebol americano.

Vamos imaginar o que aconteceria a qualquer time estrangeiro, e incluo aqui os Reais, os Barcelonas, os Chelseas, os Bayeres, os Paris Saint-Germains, os Milans, os Benficas etc. da vida, disputando o Brasileirão, e aqui o aumentativo não é ufanismo, enfrentado a realidade desse que é um dos maiores e mais difíceis campeonatos de futebol do mundo.

Analisemos as distâncias continentais, as deficiências de logística e de infraestrutura que nossos craques enfrentam no exercício de seu trabalho.

Costumo usar a seguinte imagem para retratar a peleja desses profissionais no desempenho de seu ofício. Despedem da família, por exemplo, na sexta feira, enfrentam duas horas de engarrafamento até o aeroporto, onde ficam em torno de duas horas aguardando o voou. Como é de lei em nossa aviação comercial, muda-se de avião, de portão, atrasa a conexão, mais tempo perdido. Até o aviso “avião no pátio”, lá se vão mais duas horas em média. Fim da viagem, desembarque feito, prossegue-se a via-crúcis. Nossos heróis vão desperdiçar mais uma hora, isso se não houver problemas com o enfadonho “resgate da bagagem”, para entrarem em um ônibus e experimentarem nova dose de engarrafamento até o hotel.

Chega o sábado e esses cidadãos têm que fazer o clássico exercício de desintoxicação, que nossos criativos repórteres esportivos batizaram de “tirar o avião do corpo”, expressão que revela desinteligência e mau gosto dos que a usam, entram em campo no mesmo dia ou no domingo, repetindo, na volta para a casa, o mesmo ritual da ida. Muitas vezes não voltam, mas vão de Recife, por exemplo, direto para Curitiba ou Porto Alegre. Ao voltarem para a família, o tempo que têm é o de dar um beijo na esposa e nos filhos, pois logo estarão repetindo essa “doce” rotina.

Mas isso não é a pior situação! Pois se estamos falando de viagens áreas, temos que pensar em aeroportos fechados, atrasos e cancelamentos de voos. Para piorar tem ainda as doces viagens complementares de ônibus, muitas vezes animadas por manifestações populares que fecham o trânsito, interdições de vias por alagamentos, reparos etc., situações tão comuns em nosso país. Não vamos nem comentar as vezes, não raras, em que as equipes enfrentam viagens de cinco, seis horas ou mais, feitas em ônibus por falta de cobertura aérea no local da partida.

Mas esses não são, de forma alguma, os maiores problemas enfrentados pelos profissionais da bola.

Sabemos que a qualidade de uma partida de futebol é diretamente proporcional à qualidade do campo de jogo, o gramado e sua estrutura, e neste aspecto nossos dirigentes se superam na incompetência e no desprezo pelo futebol. Os mesmos não conseguem oferecer condições minimamente adequadas à prática do esporte mais amado por nosso povo. Gramados que mais parecem pastos, inclusive os de algumas das novíssimas e majestosas arenas feitas para a copa do mundo, a custo de ouro e bancadas com dinheiro público, vestiários piores que pocilgas de muitas fazendas, estádios mal iluminados e em ruinas, falta de segurança etc. Isto é a regra geral. E pensarmos que já fomos reconhecidos pelo mundo “como o país do futebol”.

Para atender a avareza dos empresários, os interesses políticos e econômicos particulares dos dirigentes e políticos, muitos deles inconfessáveis, e a vontade soberana da mídia, nossos jogadores são submetidos a um calendário que só não se compara a trabalho “análogo ao escravo”, eufemismo imposto pela mídia para definir as novas formas de escravidão no Brasil, porque não ficam, ainda, enclausurados. A média anual de jogos feita por cada jogador do país é o dobro da dos profissionais mundo afora.

Por falta de lisura, para dizer o mínimo, e por absoluta incompetência administrativa dos dirigentes futebolísticos e pela deliberada transigência da mídia – e da maioria dos jornalistas esportivos – com o cumprimento de seu papel de informar o público e fiscalizar as autoridades, os clubes brasileiros estão em estado falimentar. A maioria deles acumulam dívidas históricas, que em condições normais são impagáveis. As consequências imediatas dessa desordem administrativa e econômica são os já naturais atrasos de pagamento dos salários aos jogadores e funcionários, aos fornecedores e os históricos calotes no recolhimento das contribuições trabalhistas, sociais e fiscais obrigatórias pelos clubes.

Sob o olhar complacente dos jornalistas e de seus patrões, o poder financeiro, alegando a necessidade de modernização de nosso futebol, engendrou uma nova estrutura para ele, a qual, em pouco tempo, revelou-se nefasta e trouxe, entre outros, os seguintes problemas:

Como primeiro fruto da nova ordem, porque não dizer “desordem”, o nosso futebol experimenta uma verdadeira “diáspora” de seus melhores jogadores.

Empresários do ramo, mancomunados com dirigentes esportivos, contando com a histórica omissão dos governantes, a pretexto de libertar os jogadores do jugo da “Lei do Passe” e modernizar a administração dos clubes, criaram uma nova legislação futebolística nacional. Tal legislação veio, na verdade, servir à ganância dos empresários e dirigentes, fomentar a já colossal corrupção do meio e aprofundar o caos financeiro no qual se estrebucha a quase totalidade de nossos clubes.

Assim, a consequência imediata da “nova ordem” foi que os empresários passaram a obter lucros exorbitantes e os dirigentes transformaram as agremiações em trampolim político e em um negócio extremamente lucrativo para si, mas extremante deficitário para os clubes. Como não poderia ser diferente, a quase totalidade dos clubes brasileiros, célula-mães do futebol, perdeu sua autonomia financeira e administrativa, vivendo hoje em situação de falência e sem horizonte. Alguns deles, com história centenária, desapareceram do cenário esportivo ou figuram somente nas categorias amadoras.

Nesse processo, há que se ressaltar a importância do papel desempenhado por dois de nossos maiores ídolos, o Senhor Edson Arantes do Nascimento, o Pelé, e o Senhor Artur Antunes Coimbra, o Zico, que avalizaram a criação dessas leis, cedendo, “sem nenhum receio”, seus respeitadíssimos nomes aos políticos. Não cabe aqui dúvida alguma sobre o caráter e as boas intenções dos dois ídolos, estando também fora de questão o fato de que os dois foram vítimas da truculência e do embuste dos políticos e empresários do esporte.

Contudo, a nova e “salvadora” legislação simplesmente legalizou a “desapropriação” do maior patrimônio dos clubes, seus jogadores. Pois a legislação atual torna quase impossível o investimento desses, os clubes, na formação de novos craques. Vale lembrar que “de boas intenções, o inferno está abarrotado”.

Atualmente a grande maioria dos empresários, obviamente em conluio com dirigentes de clubes, apropria-se de quase todas as jovens promessas de nosso futebol e viram donos de seus “direitos econômicos, ou federativos”, como queira, mesmo nos casos em que o clube tenha descoberto o talento e nele investido trabalho e dinheiro. Simples assim.

Para driblar a legislação que protege os direitos familiares e trabalhistas dos jovens, os empresários cooptam as famílias, aproveitando-se de sua miséria e ignorância sobre a emaranhada legislação nacional, comprando-as com “trinta dinheiros”.

Para agravar ainda mais a situação, vem o já referido quadro de falência em que estão nossos clubes. Esses não têm nenhuma condição financeira para manterem em suas fileiras um craque ou uma fulgurante promessa, logo esta vira presa fácil da ganância dos empresários, sendo “exportado” à custa de grandes de muita grana. Qualquer clube, mesmo da 3ª ou 4ª divisão da Europa, Ásia ou América do Norte – pega, paga e leva –, sendo comum tal processo destruir uma promissora carreira.

Houve épocas em que cada convocação da seleção brasileira era cercada de grandes debates entre torcedores, em defesa da convocação dos craques de seu time. Hoje, a situação é bem outra. Raramente um jogador que atua no Brasil é chamado, – os jornalistas, sempre eles –, dão até o nome ao time brasileiro de seleção de estrangeiros. Outro fato interessante é o de que já é rotina nas convocações de nosso selecionado, o povo ser surpreendido pela convocação de jogadores absolutamente desconhecidos no Brasil. É que o mercado estrangeiro está preferindo contratar jovens, as vezes ainda crianças, pois assim economizam na compra e aumentam o lucro na venda.

“Para não dizer que não falei de flores”, lembramos que igual diáspora se dá no jovem futebol feminino do Brasil. A grande maioria das componentes de nossa seleção atua no futebol estrangeiro, visto que aqui, em que pese uma pequena melhoria na situação dessas profissionais, mercê a decisão da Confederação Brasileira de Futebol – CBF, que obriga os clubes das séries A e B do Campeonato Brasileiro a constituírem times profissionais. Mesmo assim situação ainda é de muito amadorismo, o que não dá as mínimas condições de sobrevivência a elas. Neste cenário podemos afirmar que não acreditar na prodigalidade do nosso futebol é uma demonstração inequívoca de desonestidade e de aversão pelas boas coisas do Brasil.

Mas voltemos à mídia esportiva brasileira e a seus jornalistas. Com sabemos, a primeira existe, e sempre existiu, para defender os interesses do capital, sobretudo do capital internacional, e para depreciar a riqueza de nossa cultura, na tentativa de impor ao nosso povo outros valores. Os últimos foram acometidos de uma doença muito grave: sua admiração pelo futebol europeu chega a uma veneração que tange as barras da sandice. Para a esmagadora maioria deles, só é possível assistir futebol na Europa.

Considerando alguns dados publicados pela imprensa brasileira, só há uma conclusão possível: Seus jornalistas não entendem nada do “esporte bretão” ou usam de má fé no desempenho de seu trabalho. A mim me parece as duas coisas. Senão vejamos:

Entre esses profissionais, é unânime a opinião de que o melhor e mais rico campeonato do planeta é a Liga dos Campeões da UEFA. Alguns mais alucinados chegam a afirmar que esse certame é melhor e mais importante do que a copa do mundo.

Pois bem, sustento as minhas avaliações sobre o caráter antinacionalista de nossa imprensa com dados da própria imprensa.

Na atual disputa, o referido torneio conta com nada menos que 69 jogadores brasileiros, distribuídos por quase todas as grandes equipes participantes.

Na partida decisiva dessa liga do ano de 2018, disputada entre Paris Sant Germain (PSG) e o Chelsea, estiveram presentes nada menos que 11 jogadores brasileiros.

Estudo realizado pelo Centro Observatório do Futebol – CIES indica que o Brasil foi o país com maior número de jogadores atuando no exterior em 2019, 1600 deles defenderam equipes de fora do país, sendo que desses, 74,6% atuaram em times da primeira divisão.

Dados do Blog do Rafael Reis apontam que 2.913 jogadores brasileiros estão espalhados por 100 países, sendo 1.500, a esmagadora maioria, pela Europa. Mais ainda, de acordo com a Fifa, o Brasil é o maior exportador de jogadores deste esporte no mundo.

No campo das conquistas, do ano 2000 para cá, os clubes brasileiros já foram 4 vezes campeões mundiais de clubes, 4 vezes vices, 2 vezes terceiros, só são superados pelos clubes espanhóis que ganharam 5 vezes. No mesmo período, nossos craques ganharam 5 Bolas de Ouro, 4 Bolas de Prata e 4 Bolas de Bronze da FFIFA;

Segundo a CBF, no ano passado, o faturamento dos clubes brasileiros com a exportação de jogadores ultrapassou a marca dos R$ 800 milhões. 

 Pesquisa realizada pelo Banco Central do Brasil desde 2003, estima que nesse período, clubes e empresários internacionais desembolsaram a bagatela de R$ 3,7 bilhões de Reais com a aquisição de nossos craques. Assim, pode-se dizer com toda segurança que o mercado do futebol tem enorme importância para o equilíbrio do “balanço de pagamentos” do Brasil.

É muito recente a formação e a profissionalização do futebol na Ásia, na África e na América do Norte, esses povos, sobretudo os asiáticos e os africanos, reconhecem a importância da participação de nossos futebolistas para o aperfeiçoamento de seus jogadores e para a popularização do mesmo entre seus habitantes. Prova disso é o fato de os Estados Unidos e o Japão terem contratado o Pelé e o Zico para que eles emprestassem seu talento e sua fama na divulgação do futebol entre as massas. Os dois países sempre reconheceram a importância dos dois brasileiros no processo de popularização do esporte entre sua população.

Diante dessa realidade, não soa razoável a contumaz e obstinada crítica negativa que os jornalistas tupiniquins fazem a nosso futebol e a nossos jogadores. Qualquer pessoa que entenda um mínimo deste e goste de criatividade, originalidade e arte, ao comparar nossos jogadores com os europeus, asiáticos e americanos, verá o quanto nossa crônica esportiva é ávida para depreciar nossos atletas e clubes, e até seleção brasileira.

Num tempo em que muitos têm acesso a jogos de quase todos os campeonatos do mundo, a imprensa deveria ser mais cuidadosa e consequente, ou se preferir, – mais honesta –, em suas informações e críticas a respeito da qualidade do futebol nacional.

Vejo jogos de vários países do mundo, sobretudo dos principais campeonatos europeus e, inevitavelmente, faço comparações. Sugiro ao amigo leitor e entusiasta do futebol arte que ao assistir partidas internacionais, observe alguns pontos importantes que definem a qualidade desse esporte. Por exemplo:

Veja quantos lances como drible, lançamento longo, chapéu, elástico, letra, folha seca, pedalada, carretilha etc. acontecem em uma partida. Observe também a correria desenfreada, o grande número do famoso chuveirinho, os chutes longos para se livrar da bola, o enfadonho tique-taque (que aliás é a nova moda entre nossos jornalistas esportivos) e o comportamento robotizado dos jogadores.

Isto feito, os que gostamos do verdadeiro futebol, mas do futebol elegante, alegre e moleque, que para ser assim tem que ser arte, chegaremos à conclusão, que certamente contrariará os “papas”, os “donos de todas as verdades sobre esse jogo”. Aqueles que apartados no conforto de suas cabines e de seus estúdios, posto que boa parte deles se quer vai ao estádio ver ao vivo o jogo que transmite ou comenta, por arrogância, presunção e aversão ao contraditório, valem-se do monólogo para “sacramentar” suas doutrinas absolutistas, tentando  obscurecer o brilho de nossos jogadores, negando a obviedade de que ainda é o brasileiro que joga o melhor futebol do mundo.

Para sustentar sua ojeriza, perguntarão, certamente, aqueles que hoje só veem defeitos em nosso futebol:

Porque será que a nossa seleção não ganha mais a Copa do Mundo?

Porque os nossos times não ganham a Copa do Mundo de Clubes? 

Respondo-os com a maior segurança.

Tais perguntas denotam uma de duas situações: desinteligência ou falta de compostura. Em alguns casos as duas.

Como já disse em outro texto, nossa elite tem dificuldades de assumir sua origem brasileira. É antinacionalista e entreguista, comportamento esse que contaminou o jornalismo e os jornalistas, sobretudo os esportistas. Sem nenhuma dúvida, este fenômeno sociocultural explica a adoção do “Complexo de Vira-lata”, resgatado por eles ao longo de sua formação acadêmica e carreira profissional, resultando em décadas de verdadeiro aviltamento do nosso futebol e permanente glorificação do futebol europeu. Em vista disso, nossos profissionais da comunicação esportiva defendem com uma veemência quase mórbida, a necessidade de copiarmos estilos, estratégias e técnicas estrangeiras, que acabaram levando nosso esporte maior a alguns recuos, que felizmente, dá para sentir, estão sendo superados.

Reflitamos sobre esta questão central para a consumação dos referidos recuos.

Se o Pelé e o Zico tiveram papel decisivo na criação do engodo legislativo que nossos políticos aprovaram no Congresso Nacional, muito mais nocivo foi o papel de alguns técnicos de nosso futebol, com destaque para os Senhores Cláudio Coutinho; Carlos Alberto Parreira; José Mário Lobo Zagalo; Luiz Felipe Scolari; Sebastião Lazaroni; Carlos Caetano Blendom Verri, o Dunga; Luis Antônio Venkes de Menezes, o Mano Menezes, que em nome da modernização deste esporte no Brasil, desfiguram-no a ponto de levá-lo a perder sua identidade, e por conseguinte, o respeito que o mundo inteiro sempre lhe tributou. Nenhuma equipe do mundo ousava enfrentar as nossas sem montar uma retranca para não ser goleada.

Quando esses e outros técnicos invadiram nosso futebol, pregavam mudanças radicais, pois para eles, o mesmo estava ‘gaga’ e ultrapassado.

Do alto de sua “sapiência”, eles afirmavam que insistíamos em jogar com pontas especialistas, volantes clássicos, meias-armadores pensadores do jogo e centroavantes íntimos da área adversária. Viam como pecado mortal a valorização da individualidade do craque, de sua capacidade inventiva e de sua técnica apurada, e, sobretudo, do jogo ofensivo. Assim nasceu a reforma de nosso futebol, que só não foi mais ortodoxa e conservadora do que as reformas sociais e econômicas liberais, suas contemporâneas.

Modernizar é preciso, jogar não é preciso. Esse era o pensamento desses Senhores. Tiremos os pontas e adotemos o ouverlap. Chique né. Vamos conquistar, a qualquer custo, “o ponto futuro”, ele é que nos garantirá o presente. E iam mais adiante: futebol é força física, velocidade, correria. A tática é jogar a bola para frente e correr atrás. Afinal, o colonizador joga assim. Eles devem saber o que é certo e o que é errado.

Assim, nossos times foram deixando de formar craques como Leônidas da Silva, Domingos da Guia, Zizinho, Didi, Nilton Santos, Garrincha, Pelé, Ademir da Guia, Gerson, Tostão, Rivelino, isto para citar só alguns, passando a formar maratonistas, jogadores muito esforçados, mas desprovidos de talento; homens corpulentos, verdadeiros guerreiros; atletas bonzinhos, mas com imensas dificuldades com a bola; atletas que chamam esse brinquedo, a bola, de “Vossa Excelência e não de você, como um craque deve chamá-la”. Enfim, o que importa nessa nova realidade não são mais o talento e a estratégia original. “O importante mesmo é ser uma família”.

E o papel da imprensa nesse processo?

Seria engraçada se não fosse trágica a posição adotada por ela ao longo da revolução e até os dias de hoje. Iniciada a implantação do atraso e da descaracterização do futebol nacional, os jornalistas esportivos, quase que por unanimidade, aprovaram, estimularam e defenderam as ideias ‘mudernas’. Hoje, por mais inacreditável que possa pareça, esses mesmos Senhores têm “a cara de pau” de criticarem e reclamarem do “monstrengo” que eles mesmos, juntos com um punhado de ‘treineiros’ com status quo de técnicos, hoje guindados a “professores”, enfiaram goela abaixo dos amantes de futebol do Brasil.

A única diferença entre esses profissionais jornalistas, são as motivações que sempre os moveram e que os movem até hoje. De um lado, há os inocentes úteis, que sabem muito pouco da profissão que exercem, mas que têm de garantir seus empregos. Esses formam a imensa maioria. De outro, estão os mercenários e inconfidentes que usaram e usam, até hoje, a influência da imprensa marrom e entreguista para apoiarem esse verdadeiro atentado contra uma de nossas mais fortes manifestações culturais.


Omar dos Santos | Professor aposentado

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