A atriz e professora de história Danielle Anatólio comenta a
polêmica envolvendo a música Trepadeira, do rapper paulistano Emicida
Por Danielle Anatólio, do Blogueiras Negras
Assim como o RACISTA se justifica dizendo: ”eu peço
desculpas, foi apenas um comentário infeliz” (Fala de Micheline Borges) o MACHISTA
se explica dizendo ”é apenas uma música, é ficção e poesia” (Fala de Emicida ao
justificar a música Trepadeira).
Micheline é uma jornalista que disse: ”Me perdoem se for
preconceito, mas essas médicas cubanas têm uma cara de empregada doméstica” e
Emicida é um rapper, eu disse rapper, que fez uma música cheia de violência
contra a mulher negra: “essa nega é trepadeira, devia era levar uma surra de
espada de São Jorge’’
Ambos se justificaram pelos atos de racismo e machismo que
cometaram, mas aqui neste texto quero me ater ao segundo caso, o de Emicida.
Poesia? Música? Arte??? Não há poesia, teatro, música, dança
ou arte alguma que justifique o preconceito e violência contra o outro. Eu, em
meus trabalhos artísticos, tenho enorme cuidado e respeito no que proponho,
faço, penso e represento, isso porque estou fazendo também para o outro e
porque sei que naquele momento, em cena, eu sou referência.
Uma letra que diz ”Dei todo amor, tratei como flor, mas no
fim era uma trepadeira. Mamãe olhou e me disse: isso aí é igual trevo de três
folhas, quer comer, come, mas não dá sorte. Devia era levar uma surra de espada
de São Jorge” para mim é, sim, violenta,
agressiva, desrespeitosa para com a mulher, especialmente porque nesta letra,
segundo as característica que o músico expressa, é uma mulher negra.
Outro dia na escola em que trabalho uma aluna apanhou dos
colegas (meninas e meninos) por que foi taxada e considerada “TREPADEIRA”. Isso por que ela teve
maturidade e independência ao assumir que transou com um rapaz e depois não
quis continuar a relação com ele, iniciando nova relação com outra pessoa.
Música como esta de Emicida só contribui para este tipo de
mentalidade e desvalorização da mulher. Ela é tão machista quanto algumas de
Zeca Pagodinho, por exemplo, Faixa Amarela: ” Eu quero presentear a minha linda
donzela, não é prata nem é outro, é uma coisa bem singela. Mas se ela vacilar,
vou dar um castigo nela, Vou lhe dar uma banda de frente, Quebrar cinco dentes
e quatro costelas’’ e tão racista quanto
a música de Tiririca: “Essa nega fede, fede de lascar. Bicha fedorenta, fede
mais que gambá”.
(Reprodução)
Estamos caminhando para onde? Estamos naturalizando o
racismo e machismo? Ah pois! Este tipo de violência (que nem todo mundo
enxerga, ou melhor, não quer enxergar) me fez também lembrar que, em minha
infância, Xuxa e sua trupe, em suas
músicas e filmes, violentaram meus sonhos ao me dizer que eu, menina negra, não
poderia ser paquita, não poderia ser atriz. Percebem? Tudo isso é violento,
é estupro e genocídio contra as mulheres
negras.
Ao fim de sua justificativa, Emicida responde às mulheres
afirmando: ”mulheres, estamos do mesmo lado”. Não, não estamos mesmo! O lado
que estou é o que luta pela dignidade DO SER MULHER NEGRA; O meu lado não
reforça o machismo já existente; o meu lado não pode justificar o preconceito
usando para isso licença poética; o meu lado está morrendo aos poucos sendo
estuprado há séculos por uma sociedade falocrática; o meu lado sabe da urgência
e luta pelo empoderamento da MULHER NEGRA; O meu lado construiu e ainda
constrói os pilares de continuidade ao Dia da Mulher Negra Latino Americana e
Caribenha.
Se atente ao Tempo, respeite nossa Ancestralidade!
#CAMPANHASOUTREPADEIRA PORQUE GOZAR NÃO É UM PRIVILÉGIO
MASCULINO, NÃO!
Nenhum comentário:
Postar um comentário
12