quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

CIP diz que Vale decide sair do negócio de carvão depois de usufruir de generosos benefícios fiscais

           https://cartamz.com/

Em análise, o Centro de Integridade Pública (CIP), uma organização da sociedade civil, afirma que o recente anúncio da Vale, de querer retirar o seu investimento em Moçambique, levanta questões que devem ser cuidadosamente analisadas, de modo a evitar que as empresas multinacionais se instalem em Moçambique, maximizem os seus ganhos em prejuízo dos nacionais e, ainda, se beneficiem de isenções fiscais e encerrem actividades sem contribuírem para a economia com o potencial existente.

No documento, a organização começa por expor que, de acordo com o comunicado, a Vale comprará a participação em cada um dos activos da mina e logística da Mitsui a 1 USD, mas sem avançar o valor concreto da compra, abrindo assim espaço para especulação, visto que se trata de heads of agreement um acordo que poderá ser não vinculativo, a bem da transparência.

Perante a realidade acima exposta, o CIP sugere que seja anunciado o valor concreto da transacção para efeitos de provável cobrança de imposto sobre as mais-valias.

Fora a falta de clareza do valor total da compra dos 15% de acções da Mitsui, aquela organização afirma que, no mínimo, é “curioso que o encerramento das actividades da Vale, em Moçambique, aconteça numa fase em que os benefícios concedidos pelo Governo de Moçambique estejam a expirar”.

Na análise, o CIP expõe mais de uma dezena de benefícios fiscais que o Governo concedeu à Vale, como forma de incentivar a empresa a continuar a explorar o carvão mineral na província de Tete.

De entre os vários, a fonte fala de benefícios fiscais no tocante ao imposto de produção. Sobre esse tipo de incentivos, a organização calculou que durante os anos de produção (2011 a 2019) da Vale, em Moçambique, o país perdeu cerca de 4,6 mil milhões de Meticais referentes aos benefícios fiscais sobre esse imposto.

“Acresce-se a este valor, os valores referentes aos benefícios fiscais sobre o IRPC e outras categorias que não foi possível apurar devido à falta de dados nos documentos publicamente disponíveis”, sublinha o CIP, em análise.

Tendo em conta as constatações acima, aquela organização que, há mais de 10 anos luta pela integridade, transparência e contra a corrupção na gestão da coisa pública, apresenta uma série de recomendações a quem de direito.

Sugere uma análise profunda de custo-benefício dos benefícios fiscais concedidos às empresas do sector mineiro; fiscalização e controlo de custos incorridos; aceleração da instalação da Alta Autoridade da Indústria Extractiva (AAIE) para reforçar o controlo das actividades, bem como a menção do preço concreto da venda dos activos da Mitsui à Vale.

Lembre-se que, a 20 de Janeiro corrente, a Vale Moçambique informou, em comunicado, a sua pretensão de adquirir os 15% de participação da Mitsui da mina de carvão de Moatize e do Corredor Logístico de Nacala (CLN), como um primeiro passo para o desinvestimento no negócio de carvão. Depois disso, a empresa pretende vender o projecto de carvão a potenciais investidores.

E, conforme o CIP apurou, a Vale contratou bancos de investimento (Barclays Plc e Standard Chartered) para vender o projecto de carvão de Moatize e o CLN, muito provavelmente à China e Índia, actualmente os dois maiores importadores de carvão a nível mundial. (Carta)

__________________


DOMÍNIO COLONIAL PORTUGUÊS EM ANGOLA NOS SÉCULOS XV E XVI 

Lucas Caregnato 
Mestrando em História - UPF 
Email: lucarato@gmail.com 

Resumo: A partir do último quartel do séc. XV, os territórios angolanos, no centro-sul do continente africano, tiveram grande destaque para a exploração colonial portuguesa e europeia. O processo se iniciou com a chegada do explorador português Diogo Cão, que desembarcou na foz do rio do Congo, em 1482, dando início a um longo período de dominação e espoliação das riquezas das terras “recém-descobertas”. O ápice dessa relação colonial foi a organização do comércio de africanos escravizados, destinados, sobretudo, às colônias portuguesas na América. Para compreender esse processo, é necessário analisar as relações existentes entre as comunidades aldeãs bantos, que viviam nessa região e desenvolviam há séculos práticas econômicas, sociais e culturais alicerçadas na caça, na coleta, na pesca e na agricultura. Nossa comunicação abordará sinteticamente a relação de domínio colonial entre portugueses e as comunidades bantos que viviam na costa, do atual território de Angola, nos séculos XV e XVI. 
Palavras-chave: Angola. Colonialismo. Escravidão.

Domínio colonial português 

Pelo ímpeto expansionista, Portugal, a partir do século XIV desenvolveu muitas ações para ampliar seus domínios políticos e econômicos, sendo o continente africano um dos espaços catalisadores para a aquisição de riquezas materiais e humanas. A lógica mercantilista alterou profundamente a dinâmica organizacional das inúmeras etnias que viviam na África e tinham seus hábitos e práticas profundamente modificados pelo processo exploratório lusitano. Dentre esses espaços de exploração, o presente artigo se propõe a analisar como se desenvolveu a lógica colonial portuguesa no território que compreende, atualmente, a costa de Angola. Porém, para que se faça essa análise, é necessário um resgate da dinâmica política e econômica que centrou as ações portuguesas à frente desse processo. 

Com a crise do feudalismo e o surgimento das monarquias nacionais europeias houve uma situação propícia para o desenvolvimento de um novo sistema econômico, o mercantilismo. Esse sistema compunha as práticas econômicas dos estados absolutistas europeus entre os séculos XV a XVII, tendo como principal característica a intervenção do Estado na economia, por meio das grandes navegações e, consequentemente, desenvolvendo o colonialismo nos locais dominados. Dentre os principais países que se destacaram nesse processo, salientam-se a Inglaterra, França, Espanha e Portugal. Essa última nação foi pioneira nesse processo, conquistando o continente africano, em 1415, no porto de Ceuta (COSER, 2007, p. 706). 

Unido aos interesses portugueses, e ao dos demais países, e inserida na dinâmica das grandes navegações, constata-se a participação direta da Igreja católica nessa dinâmica de exploração. Isso porque, afligida pelo processo das Reformas protestantes, necessitava buscar novos fiéis, substituindo as grandes perdas em países como Alemanha, Suíça, Inglaterra e França. Nessa conjuntura, ocorreu relação de colaboração entre as potências europeias e a Igreja Católica Apostólica Romana, a partir dos interesses de cada parte. Dentre os principais anseios destacam-se as viagens, a catequização dos povos nativos e a organização de sistemas coloniais, balizados na exploração de africanos escravizados e o posterior tráfico internacional de trabalhadores, apoiado pela Igreja católica. Isso pode ser evidenciado nas bulas de Nicolau V, Dum Diversus e Divino Amore Communiti, ambas de 1452, que autorizavam os portugueses a reduzirem os africanos à condição de cativos, com o pretenso intuito de cristianizá-los (TINHORÃO, 1988, p. 56). Destaca-se o caso de Angola que “exportará” milhões de “peças” para a colônia portuguesa na América, havendo assim um processo de naturalização da escravatura (OLIVEIRA, 2009, p. 359). 

Inúmeros foram os fatores que colaboraram com o protagonismo português no processo das grandes navegações, entre eles, destaca-se a centralização política de Portugal. Isso porque, já no século XIV o Estado português passou por um processo de unificação política, por meio da Dinastia de Avis (1385-1582), que facilitou a organização de sistema de arrecadação de impostos e estrutura administrativa centralizada. Em segundo lugar, está uma burguesia mercantil, que, na ausência de investimentos efetivos do Estado, que não vislumbrava inicialmente resultados positivos nessas ações, abriu espaço para que a iniciativa privada o fizesse Salienta-se, também, como fator favorável, a posição geográfica portuguesa, banhada pelo mar Mediterrâneo e pelo oceano Atlântico, verdadeiramente debruçado sobre a África, o que a colocava numa situação de contato direto com as possibilidades de navegação pelas vias marítimas. 

A compreensão desse momento histórico também demanda a análise da relação que Portugal manteve com as práticas escravistas. Desde os tempos pré-românicos, constata-se a presença da escravidão em Portugal. A instituição se manteve, em forma subordinada, ao longo do Império Romano, perdurando durante o Reino Visigodo, diminuído com o processo de feudalização da sociedade européia (CAPELA, 1978, p. 40). Partindo dessa observação, Capela aponta 

“Nos séculos XII e XIII o comércio dos escravos fazia-se por todo o país e era semelhante a do gado cavalar. A escravatura viria a manter-se até os tempos modernos. Quando os portugueses passaram ao continente africano, levaram, portanto, consigo, uma experiência e um proveito da escravatura, que bem conheciam. O fazer escravos nada tinha de novo para a aventura que começava”. (1978, p. 41). 

Havendo essa “herança” escravocrata portuguesa, desenvolvida ao longo de vários séculos, com a centralização monárquica do século XIV (TOMA, 2005, p.58), somada, ao processo das grandes navegações, que se desenvolveu nos séculos seguintes, a dominação, e consequente escravização dos povos africanos fez parte da lógica do processo desenvolvido por Portugal, em diversas regiões africanas, como é o caso de Angola. 

Ao longo do século XV, Portugal aportará no continente africano pelo litoral atlântico, estabelecendo-se em diversas regiões, como é o caso da região angolana, localizado na Região Sul do continente africano. O território angolano dominado pelos portugueses é banhado pelos rios Zaire, Cuanza, Congo, entre outros, onde coexistiam muitos reinos organizados como o reino do Congo, do Ndongo, de Matamba, entre outros. (MAESTRI, 1988, p, 73). 

Comunidades aldeãs bantus 

Ao realizar uma análise das comunidades étnicas que compõem o continente africano, anterior ao período da dominação colonial européia, deparamo-nos com uma dificuldade evidente: a raridade de fontes escritas. Isso ocorre pelo fato de essas comunidades não terem desenvolvido sistemas grafais, sendo necessária uma análise acerca de suas tradições orais e, mais especificamente, dos relatos e textos escritos deixados pelos europeus, em sua maioria religiosos, que registraram suas impressões sobre o que encontraram na África. (VANSINA, 1967) 

Para objetivarmos a análise acerca de um dos objetos deste artigo, cabe delimitarmos o conceito de comunidades aldeãs bantus. A nos referirmos a elas, estaremos nos reportando à população que vivia no atual território de Angola, na região litorânea, composta por membros de uma família etno-linguística que pode ser dividida em nove grandes grupos: ambós, bacongos, hereros, lunda-tchoukué, nganguelas, nhanecas-humbes, ovimbundos, quimbundos e xindongas. (MENEZES, 2000, p. 102). 

Como principal característica social e econômica dessas populações, citaremos o modo de produção doméstica, proposto por Claude Meillassoux, na obra Mulheres, celeiros e capitais. Segundo esse autor, as comunidades agrícolas angolanas précoloniais tinham, no contexto de formas gerais de organização, especificidades em cada comunidade, que se distinguia pelas leis, pelos costumes, pelas línguas e pelo modo de viver. Assim, não havia antagonismos de classe; as distinções fundamentais estavam na diferença de idade e de sexo, detendo os mais velhos – ou, em alguns casos, os pretensamente mais velhos – o uso dos meios de produção (terra) e o acesso às mulheres. (PANTOJA, 2000, p. 23) 

A organização familiar bantu se dava pelo sistema da matrilinearidade ou patrilinearidade, podendo haver a coexistência dos dois regimes. No sistema matrilinear, a descendência passava por meio das mulheres, aparecendo sempre um epónimo feminino, sendo que o tio materno tinha autoridade sobre os filhos das suas irmãs. Já no sistema patrilinear, o filho pertence à família do pai, reagrupando os descendentes por via masculina, de um antepassado varão, conhecido ou mítico.

Destaca-se o papel fundamental desempenhado pelas mulheres nas comunidades aldeãs bantus. Historicamente, devido à necessidade contínua de manter e aumentar o número de integrantes das comunidades, as mulheres engravidavam em continuação, o que as dificultavam de irem em busca de caça e coleta em regiões distantes, tarefa voltada aos homens. Por motivo de segurança, as cobiçadas mulheres não se afastavam igualmente das aldeias. Em função dos empecilhos, das mulheres saírem das aldeias, havia um contato íntimo entre elas e o meio ambiente, as plantas e as estações, o que acabou se revertendo no processo de início das práticas agrícolas, tendo as mulheres como protagonistas. Segundo Maestri, 

O fundamental da atividade agrícola recaía portanto sobre os ombros da mulher africana. Assim sendo, ser-nos-ia importante procurar definir se na época estudada a totalidade do esforço agrário era desenvolvido pelo sexo feminino ou, se a parte mais trabalhosa e que requer mais esforço físico, a limpeza do terreno e a colheita, era, como o é contemporaneamente tarefa masculina ou executada com o auxílio do homem.” (MAESTRI, 1978, p. 49). 

Entre os principais produtos agrícolas produzidos, estavam os cereais e tubérculos, e os nativos dividem o ano em seis estações: Massanza, Nsasu, Ecundi, Quitombo, Quibisso, Quimbangala ou Massanza. Além do domínio agrícola, com o protagonismo feminino, os bantus desenvolveram técnicas para fundição de metais, produzindo instrumentos de uso cotidiano e artefatos cerimoniais. (MAESTRI, 1978) 

Um fator referente às comunidades bantus que têm instigado as produções acadêmicas de muitos africanistas e colonialistas, refere-se às práticas escravistas nas dinâmicas sociais da África pré-colonial. Essa discussão é controversa, pois foi criada uma visão contraditória a seu respeito. De um lado, havia os defensores das colônias europeias, que justificavam o sistema escravista colonial, a partir de pretensa préexistência de práticas escravistas africanas. De outro lado, os que negavam a existência de qualquer prática escravista no período anterior ao domínio colonial, sendo esse sistema responsável por toda a dinâmica escravista em território africano. 

Algumas produções recentes de historiadores, sociólogos e cientistas sociais abordam transversalmente essa questão, e a partir de fontes primárias existentes, como: A Monumenta Missionária Africana, As Cartas do Manikongo, entre outras, que se explicitam às práticas servis existentes na África no período anterior ao domínio colonial. Cabe precaução na análise dessas fontes, pois foram elaborados por uma visão etnocêntrica determinada pelo espírito da época. Porém, a partir de alguns indícios, pode-se apontar características e causas dessas práticas. 

Entre as relações sociais existentes nas comunidades aldeãs bantus estavam práticas servis não escravistas. Ou seja, incompletas. Categorizam-se como práticas porque não havia uma uniformidade nessas instituições, diferentemente, por exemplo, do modo de produção escravista colonial, com forte uniformidade e fins econômicos. As pessoas eram transformadas em cativos basicamente devido a algum crime, dívida, venda, captura, etc. Após isso, podiam ser mortos cerimonialmente, como em alguns casos, ou incorporados à comunidade doméstica ou de linhagem, em situação de subordinação ao patriarca. Alguns autores identificam incorretamente essas práticas como escravidão colonial, ou como escravidão doméstica. O que é incorreto, pois esta última não constituía igualmente escravidão plena. Comumente, esses agregados tinham famílias e cultivavam a terra, devendo, porém, tributos aos patriarcas. Destaque-se que, na segunda ou terceira geração, os descendentes desses agregados eram incorporados à comunidade como homens livres. Os fatores apresentados diferenciam essas práticas do sistema escravocrata colonial luso. 

Exploração portuguesa em Angola 

Com a chegada dos portugueses em Angola, no último quartel do século XV, havia uma alteração significativa no quadro político, econômico e cultural da região. Em 1482-3, a mando do reino português, Diogo Cão aportou na foz do rio Zaire, chegando pela primeira vez no atual território angolano. (SOUZA, 2003, p. 72), Os povos que viviam naquela região ficaram conhecidos como bantus, tendo como principal fator característico a questão linguística. É relacionada a esses povos a introdução de práticas agrícolas e de metalurgia na África central. 

O primeiro contato entre o representante do reino português e os povos nativos ocorreu no reino do Kongo. Esse reino era forte e estruturado, contando com a presença de milhares de habitantes. Ele tinha como líder o Manikongo. Supõe-se que, em termos territoriais, o Kongo estava organizado em seis províncias: Soyo, Mbamba, Nsundi, Mpango, Mbata e Mpemba. (PANTOJA, 2000, p. 57) 

Além dessa organização política, havia as mbanzas, lubatas e estados independes, como o Ndongo, Matamba, Loango, Ngoyo, Dembe, Cakongo, entre outros. (PANTOJA, 2000, p. 58) O poder central do Manikongo organizava-se por meio de cobranças de impostos em produtos, cobrados entre as províncias, estados independentes, mbanzas e lubatas. Esses tributos podiam ser pagos em produtos como ráfia, marfins e cativos, mas os povos do Kongo desenvolveram uma espécie de moeda local, as conchas de nzimbo, vindas da Ilha de Luanda. (PANTOJA, 2000, p. 62) 

O contato entre os angolanos do reino do Kongo com os portugueses, segundo as fontes, seria balizado numa tradição mitológica que justificava a chegada dos “invasores”, relacionado-a com seus deuses. Segundo Vainfas e Souza: 

Ao olhos dos congoleses, o rei português passava, pois, a ser assimilado a Zambem-apongo, divindade suprema dos povos banto, senhor que reinava no mundo dos mortos, pois, vale dizer, a festa era também para João da Silva, congolês batizado e embaixador do rei do Congo morto na viagem.” (2006, p. 51) 

Uma dos fatores que explica essa relação entre Zambem-apongo e os portugueses relaciona-se a um contato entre eles. Ocorre que, em 1485, quando Diogo Cão desembarcou no Zaire pela segunda vez, enviado por Dom João II, alguns dos homens que acompanhavam sua esquadra foram enviados até o Manikongo para um contato inicial. A demora do retorno desses lusos fez com que Diogo Cão retornasse a Portugal sem a presença deles, porém levando consigo alguns sujeitos bantos, oriundos do Reino do Kongo, que comprovavam a chegada em novas terras. Os africanos levados a Portugal aprenderam alguns hábitos linguísticos e religiosos e, propositalmente, foram bem-tratados, para que tivessem uma boa impressão do reino português, difundindo essa informação aos demais integrantes do Reino do Kongo, assim que aportassem em seu território.

Após anos em Portugal, eles retornaram às terras angolanas e foram devolvidos aos seus conterrâneos, que, por sua vez, já haviam perdido as esperanças em relação a sua seguridade. Esse fato resultou numa ressignificação por parte dos bantos, relacionando os portugueses ao deus banto, que fazia a ligação entre a morte e a vida, colocando assim os lusos numa situação privilegiada. Sendo que, no decorrer desse processo, eles se privilegiaram substancialmente dessa situação. 

Aproveitando-se desse processo, os portugueses desenvolveram uma lógica de dominação balizada em uma relação “amistosa” com os líderes ou reis das comunidades bantus existentes, justamente para estabelecer relações de confiança, que posteriormente possibilitassem desenvolverem a lógica colonial pretendida. No reino do Kongo, especificamente, a partir da chegada de Diogo Cão, as relações entre portugueses e os manikongos seria centradas na conversão ao catolicismo, como foi o caso do Manikongo Nsoyo, convertido ao catolicismo e recebendo o nome de Dom João I, quando foi batizado. 

Nas entrelinhas desse processo, que teria como principal característica a conversão ao catolicismo e as relações dadas como amistosas, os portugueses desenvolveram um sistema organizado, isto é, as lideranças políticas eram cooptadas e auxiliavam o poderio português na apreensão de indivíduos, que eram destinados aos portos principais de Luanda e Benguela e, posteriormente, enviados principalmente ao Brasil, colônia portuguesa na América, que necessitava de mão de obra para a manutenção do sistema escravocrata.

Considerações Finais 

Durante séculos, os povos que viviam na região atualmente conhecida como Angola, denominados bantus, tiveram, como forma de organização familiar predominante, o sistema patrilinear e matrilinear, inseridos numa organização de linhagens. Como meio de subsistência, destacava-se a agricultura, com participação protagonista e predominantemente feminina. Esses povos dominavam a metalurgia e tinham como práticas, formas de escravidão semelhantes ao escravismo antigo. 

Entretanto, o domínio colonial português alterou drasticamente essas relações. Pela necessidade de os lusitanos ampliarem seus domínios em terras até então desconhecidas, Diogo Cão, em 1483, aportou no reino do Kongo e iniciou um processo de espoliação nas terras angolanas. Suas práticas coloniais em território angolano resultaram num processo que se organizou pela cooptação das lideranças políticas locais, voltando seu poder interno para a captura de nativos, que serão direcionados para o tráfico de escravos voltado à América. 

Como resultado dessa dinâmica colonial, houve uma desorganização do sistema familiar centrado na matrilinearidade e patrilinearidade, uma significativa diminuição populacional, resultado do tráfico de escravos e a polarização de rivalidades políticas entre as diversas etnias existentes naquele território, que facilitassem o domínio português.


Referências bibliográficas 

BRASIO, Antonio. Monumenta Missionária Africana. África Ocidental. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian e Academia da História. 1985.

CAPELA, José. Escravatura, conceitos: a empresa do saque. 2. ed. Porto: Afrontamento. 1978.

COSER, Miriam C. A dinastia de Avis e a construção da memória do reino português. Especiaria, UESC, v. 10, p. 703-727, 2007.

MAESTRI, Mário. A agricultura africana nos séculos XVI e XVII no litoral angolano. Porto Alegre: Ed. UFRGS, 1978. 

_______________. História da África negra pré-colonial. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988.

MEILLASSOUX, Claude. Mulheres, celeiros e capitais. Porto: Afrontamento, 1977. 

MENEZES, Solival. Mamma Angola: sociedade e economia de um país nascente. São Paulo: Edusp, Fabesp, 2000. 

OLIVEIRA, A. J. M. Igreja e escravidão africana no Brasil colonial. Especiaria, UESC, v. 10, p. 356-388, 2009. 

PANTOJA, Selma Alves. Nzinga Mbandi: mulher, guerra e escravidão. Brasília: Thesaurus, 2000.

SOUZA, Talita Tavares Batista Amaral de. Escravidão interna na África antes do tráfico negreiro. VÉRTICES, ano 5, Nº 2, maio / ago, 2003. 

TINHORÃO, José Ramos. Os negros em Portugal. Lisboa: Caminho, 1988. 

TOMA, M. História, legislação e degredo em Portugal. Justiça & História, Porto Alegre, v. 10, n. 5, p. 51-92, 2005. 

VAINFAS, R.; SOUZA, M. M. E. Catolização e ressurreição: o reino do Congo da conversão coroada ao movimento antoniano, séculos XV-XVIII. In: BELLINI, Lígia; SOUZA, Evergton Sales; SAMPAIO, Gabriela dos Reis. (Org.). Formas de crer: ensaios de história religiosa do mundo luso-brasileiro, séculos XIV-XXI. Salvador: Corrupio, 2006. 

VANSINA, Jan. La tradición oral. Barcelona: Labor, 1967.

Nenhum comentário:

Postar um comentário