20 ANOS DO DIA EM QUE BRIZOLA VENCEU A GLOBO. O MILAGRE EM QUE NEM A GENTE ACREDITAVA
Fernando Brito, extraído do Tijolaço
Hoje, se completam 20 anos do dia em que Cid Moreira, com
seu ar afetado e seus cabelos brancos (nem os muito velhos se lembram dele de
cabelos pretos…), começou a ler o histórico direito de resposta de Leonel
Brizola no Jornal Nacional.
Foi a penúltima
vitória do guri que saiu de Carazinho para enfrentar o mundo, um quixote
gaúcho, do tempo em que os gaúchos eram quixotes e provocavam os versos geniais
do pernambucano Ascenso Ferreira: Riscando os cavalos!/Tinindo as
esporas!/Través das cochilhas!/Sai de meus pagos em louca arrancada!/— Para
que?/— Pra nada!
Durante 22, 23 anos, convivi com ele, 19 dos quais
diariamente.
Praticamente formei, com ele, a minha vida adulta, pois era
um garoto de 22 anos quando esse contato começou, numa reunião num apartamento
na Rua Cabuçu, no Lins de Vasconcellos, subúrbio da Zona Norte carioca.
Deste convívio, de muita coisa mantenho reserva. Sei que estava ao lado de um mito – e via o
mito nos raros instantes em que ele conseguia se despir do personagem que
poucos minutos lhe deixava viver de outra maneira.
Mas chega a hora em que estes detalhes, que antes serviriam
para a intriga e o desmerecimento político, só fazem enriquecer a trajetória de
quem era, como ele próprio dizia, “o rei do improviso”.
Porque era assim: se tinha visão estratégica, Brizola não
era um calculista, muito menos frio.
As coisas iam acontecendo e ele, certo ou errado, farejava
os caminhos, alguns exatos, outros não, mas todos coerentes.
O impacto daquele texto – minto, não do texto, mas de
Brizola obrigar a Globo a ler uma mensagem sua – também não teve nada de
planejado, mas resultou do inconformismo que ele, com seu exemplo, injetou em
alguns de seus companheiros.
Um pouco antes de sua segunda eleição, Brizola passou a ser atacado,
sistematicamente, com artigos em O Globo, escritos – ou apenas assinados – por
um certo Alcides Fonseca, um ex-deputado estadual eleito do nada pelo PDT e que
se bandeou para a oposição a Brizola e, daí, para a poeira da história.
Por orientação do querido amigo Nilo Batista, Brizola passou
a pedir, um por um, direito de resposta em O Globo. E, ao pedir, tinha-se já de
oferecer o texto, e a tarefa me cabia, porque os anos e anos escrevendo com ele
os “tijolaços” me fizeram absorver um
pouco do estilo e da alma inconfundíveis.
Dr. Nilo começou a vencer as causas, alguns artigos foram
publicados e o “Fonsequinha” , como era chamado, foi despachado do jornal.
Já no Governo, em 1992, Brizola dá uma entrevista, dizendo
que por toda a sabotagem que a Globo fizera à Passarela do Samba, o prefeito da
cidade, Marcello Alencar deveria negar à emissora a exclusividade da
transmissão do Carnaval.
Foi o que bastou para que o jornal O Globo publicasse um
editorial violentíssimo contra Brizola – o título era ”Para Entender a Fúria de
Brizola”, acusando-o de senilidade,
“declínio da saúde mental”, e por suas relações, sempre institucionais, com o
Presidente da República, Fernando Collor.
À noite, o Jornal Nacional reproduziu, na voz de Moreira, o
texto insultuoso.
Naquela noite, Brizola conversou com dois advogados: Arthur
Lavigne e Carlos Roberto Siqueira Castro, seu chefe da Casa Civil no governo
estadual.
No dia seguinte, Siqueira me chamou e disse que Brizola
tinha me encarregado de fazer o texto de resposta, que teria de ser apresentado
ainda naquela tarde. Falei com ele, que se mostrou completamente cético em
relação ao resultado do pedido judicial e, como fazia quando se sentia assim,
despachava o auxiliar: “olha, Brito, você fala com o Dr. Siqueira e façam como
acharem melhor.”
Lá fui eu fazer o texto: tinha que ter três minutos, não
podia ter “compensação de injúria” – isto é, devolver na mesma moeda os
impropérios – e tinha de sair rápido, porque era uma sexta-feira (7 de
fevereiro) e havia prazo judicial.
Chamei dois companheiros de velha cepa, que me auxiliavam na Assessoria de Comunicação do
Governo, o Luiz Augusto Erthal e o Ápio Gomes, para cumprirem um dupla função:
anotar o que eu ditava e “segurar” a minha “viagem”.
Porque – começo aqui as difíceis confissões, que não são um
segredo porque uma boa meia-dúzia de companheiros sabem disso – quando eu tinha
de escrever pelo Brizola, eu não escrevia, “incorporava” . Parece coisa de
doido? Não, e ele próprio sempre dizia: o bem escrito é o bem falado. E, na
hora destes textos carregados, era assim que eu fazia, ditando, falando no
ritmo dele, com o milhar de vírgulas e os períodos longos com que se
expressava.
Era um exercício extenuante, massacrante, do qual não raro
eu saía às lágrimas, mal conseguindo falar, de tão embargada a voz.
Qualquer redator publicitário jogaria fora o que saía disto,
e com razão.
Porque não era um texto jornalístico ou publicitário.
Era o Brizola, não eu.
Feito o primeiro texto, mandamos ao Dr. Siqueira que fez
algumas correções de bom-senso e um veto.
Eu não podia devolver o “senil” com que Marinho brindara
Brizola. Mas isso eu tinha de devolver, ah, tinha.
E aí saiu uma obra de engenharia redacional.
“Quinta-feira, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de
citar editorial de ‘O Globo’, fui acusado na minha honra e, pior, apontado como
alguém de mente senil. Ora, tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador
Roberto Marinho, que tem 86 anos. Se é esse o conceito que tem sobre os homens
de cabelos brancos, que os use para si.”
Na verdade, eu tinha escrito “encanecidos”, mas o bom-senso
do Erthal me travou: pô, Brito, ninguém mais sabe o que é encanecido. É verdade, mas é o que o
velho teria dito.
Bem, o texto foi para o Tribunal sem que Brizola lesse o que ele estava “dizendo” na resposta.
Foram dois anos e um mês de espera pela Justiça.
Brizola levantava a sobrancelha, cético, quando Lavigne e
Siqueira Castro, teimosos e dedicados, diziam que íamos ganhar.
Passou tanto tempo que, dos 70, Brizola já tinha 72 anos e
Marinho, 88.
No final do dia 9 de março chega a notícia da vitória no
Superior Tribunal de Justiça, mas ainda havia um recurso possível e um
“notificaram a Globo ou não notificaram?”. O ceticismo, confesso, era maior que
a ansiedade.
No próprio dia 15, terça da semana seguinte, quando o texto
foi ao ar, não críamos – nem eu, nem Brizola – que aquilo iria acontecer.
Tanto que nem montamos esquema algum para gravar o Jornal
Nacional, senão o de um videocassete doméstico.
E foi o que se viu e que ficou na história.
Termina o texto, toca o telefone: ‘Olha, Brito, que
maravilha. Nós acertamos o tiro no cu de um mosquito”.
E assim foi. Não fiquei aborrecido, ao contrário. Porque era
nós, mesmo: era o Brizola introjetado em mim que escrevera.
Elogio mesmo – e maior não poderia haver – foi o de Roberto
Marinho, falando ao querido amigo Neri Victor Eich, da Folha, por telefone, no
mesmo dia do terremoto:
“Que nunca mais se reproduza isso. O direito de resposta
teve o tom de Brizola.”
Teve sim.
Foi a última vitória de Brizola, em vida e em memória,
despertando consciências que não se acovardam, não se ajoelham e não gaguejam,
como a dele, a minha e a sua.
Até hoje, a não ser pelos testemunhos dos personagens desta
história, a ninguém tinha revelado estes
detalhes. Faço-o agora, porque já são história e porque só aumentam o tamanho
de um homem a quem eu devo grande parte do que sou.
Um homem que era tão grande que estar à sua sombra foi também – e é para
sempre – estar sob sua luz.
DIREITO DE RESPOSTA
‘Todos sabem que eu, Leonel Brizola, só posso ocupar espaço na Globo quando amparado pela Justiça. Aqui citam o meu nome para ser intrigado, desmerecido e achincalhado perante o povo brasileiro.
Quinta-feira, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar editorial de ‘O Globo’, fui acusado na minha honra e, pior, apontado como alguém de mente senil.
Ora, tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador Roberto Marinho, que tem 86 anos. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que o use para si.
Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos, que dominou o nosso país.
Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo, que se manifestou na quinta-feira, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de princípios. É apenas o temor de perder o negócio bilionário, que para ela representa a transmissão do Carnaval.
Dinheiro, acima de tudo.
Em 83, quando construí a passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou inviabilizar de todas as formas o ponto alto do Carnaval carioca. Também aí não tem autoridade moral para questionar. E mais, reagi contra a Globo em defesa do Estado do Rio de Janeiro que por duas vezes, contra a vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior.
E isso é que não perdoarão nunca.
Até mesmo a pesquisa mostrada na quinta-feira revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Ninguém questiona o direito da Globo mostrar os problemas da cidade. Seria antes um dever para qualquer órgão de imprensa, dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no Palácio Guanabara governantes de sua predileção.
Quando ela diz que denuncia os maus administradores deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante do seu poder.
Se eu tivesse as pretensões eleitoreiras, de que tentam me acusar, não estaria aqui lutando contra um gigante como a Rede Globo.
Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para ser um acomodado.
Quando me insulta por nossas relações de cooperação administrativa com o governo federal, a Globo remorde-se de inveja e rancor e só vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível: quem sempre viveu de concessões e favores do Poder Público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesma.
Que o povo brasileiro faça o seu julgamento e na sua consciência lúcida e honrada separe os que são dignos e coerentes daqueles que sempre foram servis, gananciosos e interesseiros.’
Leonel Brizola
Quinta-feira, neste mesmo Jornal Nacional, a pretexto de citar editorial de ‘O Globo’, fui acusado na minha honra e, pior, apontado como alguém de mente senil.
Ora, tenho 70 anos, 16 a menos que o meu difamador Roberto Marinho, que tem 86 anos. Se é esse o conceito que tem sobre os homens de cabelos brancos, que o use para si.
Não reconheço à Globo autoridade em matéria de liberdade de imprensa, e basta para isso olhar a sua longa e cordial convivência com os regimes autoritários e com a ditadura de 20 anos, que dominou o nosso país.
Todos sabem que critico há muito tempo a TV Globo, seu poder imperial e suas manipulações. Mas a ira da Globo, que se manifestou na quinta-feira, não tem nenhuma relação com posições éticas ou de princípios. É apenas o temor de perder o negócio bilionário, que para ela representa a transmissão do Carnaval.
Dinheiro, acima de tudo.
Em 83, quando construí a passarela, a Globo sabotou, boicotou, não quis transmitir e tentou inviabilizar de todas as formas o ponto alto do Carnaval carioca. Também aí não tem autoridade moral para questionar. E mais, reagi contra a Globo em defesa do Estado do Rio de Janeiro que por duas vezes, contra a vontade da Globo, elegeu-me como seu representante maior.
E isso é que não perdoarão nunca.
Até mesmo a pesquisa mostrada na quinta-feira revela como tudo na Globo é tendencioso e manipulado. Ninguém questiona o direito da Globo mostrar os problemas da cidade. Seria antes um dever para qualquer órgão de imprensa, dever que a Globo jamais cumpriu quando se encontravam no Palácio Guanabara governantes de sua predileção.
Quando ela diz que denuncia os maus administradores deveria dizer, sim, que ataca e tenta desmoralizar os homens públicos que não se vergam diante do seu poder.
Se eu tivesse as pretensões eleitoreiras, de que tentam me acusar, não estaria aqui lutando contra um gigante como a Rede Globo.
Faço-o porque não cheguei aos 70 anos de idade para ser um acomodado.
Quando me insulta por nossas relações de cooperação administrativa com o governo federal, a Globo remorde-se de inveja e rancor e só vê nisso bajulação e servilismo. É compreensível: quem sempre viveu de concessões e favores do Poder Público não é capaz de ver nos outros senão os vícios que carrega em si mesma.
Que o povo brasileiro faça o seu julgamento e na sua consciência lúcida e honrada separe os que são dignos e coerentes daqueles que sempre foram servis, gananciosos e interesseiros.’
Leonel Brizola
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