A ditadura do corpo ideal e o preconceito velado: A beleza é
tão somente uma contemplação subjetiva e relativa, não deveria ser enquadrada
em padrões que excluem e discriminam
http://www.pragmatismopolitico.com.br/
Amanda Nunes, Blogueiras
Feministas
(Ilustração: Pragmatismo Politico)
“Com a estética, o sujeito entra em uma relação sensível com o mundo
que se diferencia conscientemente da natureza objetiva concebida a partir da
revolução copernicana. A subjetividade torna-se então, por meio do sentimento
representado, o fundamento de uma presença estética de uma natureza”. Rolf
Kuhn¹.
A palavra estética refere-se à cognição pelos sentidos, ou
seja, a “compreensão pelos sentidos”. É um ramo da filosofia que perpassa e
ultrapassa o campo visual já que compreende um conjunto de sensações que
refletem a percepção da beleza. Além das avaliações e julgamentos do que é o
belo, contempla-se também a emoção que ela suscita nos seres humanos. Essa
concepção está presente especialmente na arte, mas diz respeito a toda a
natureza. Dessa forma, infere-se uma questão: “o que é a beleza?” e com ela, o
chavão de que gosto não se discute.
É claro que não se pode definir objetivamente a beleza,
visto que ela não é uma propriedade imutável que se atribui ou não aos objetos,
mas uma sensação própria do sujeito que a percebe, ajustada aos seus valores
pessoais, ainda que tais valores estejam inevitavelmente subordinados aos
valores culturais e histórico-sociais de determinada sociedade em dado tempo
histórico. A beleza é relativa, não há como negar, mas essa relativização é
profundamente ofuscada pela busca de uma essência ideal, um padrão de beleza.
As transformações dos padrões de beleza do corpo feminino ao
longo do tempo marcaram a evolução de diferentes visões sociais acerca do
modelo estético que deveria ser incorporado pelas mulheres. A forma como as
mulheres eram retratadas no período colonial, por exemplo, distancia-se
bastante do modelo buscado atualmente. Além desse processo corrente, isso
evidencia também que os padrões são produtos de uma cultura.
ditadura corpo perfeito
(Ilustração: Pragmatismo Politico)
Ideal de beleza ao longo do tempo
O corpo da mulher durante o período colonial era tido como
dentro dos padrões de beleza ao apresentar um aspecto saudável, simbolizado
pela aparência rechonchuda, ou seja, quanto mais gorda a mulher fosse, mais
bonita ela era considerada, isso porque o perfil untuoso do corpo remetia a um
corpo bem nutrido e ao seu volume era atribuída uma visão de saúde e vigor. Já
durante a antiguidade clássica, o ideal grego da beleza era outro, com base em
uma construção intelectual artística, os gregos valiam-se da perfeição e
equilíbrio das formas, bem como a harmonia e a proporcionalidade de todas as
medidas, é quando surge o nu feminino e a valorização do movimento. Para a antiga
sociedade Egípcia, a juventude era muito valorizada bem como o corpo esbelto e
os traços finos e alongados.
Durante o século XIX, a forma mais avantajada ganha destaque
novamente na classe da burguesia, mulheres gordas e de semblantes corados
remetiam a riqueza e ostentação. Com a revolução industrial esse modelo
estético foi resgatado do período renascentista, o uso de espartilhos também
estava presente com força nessa época, e as mulheres os utilizavam cada vez
mais apertados. O século XX recupera o ideal de boa forma, marcado, entre
outros, pela emancipação feminina.
Após o fim da segunda guerra, o corpo feminino curvilíneo,
valorizando quadris e seios ganha ênfase. A mulher dos anos 50 é mais
sofisticada, adornada e a beleza é de grande importância e preocupação social,
bem como o uso de joias, cosméticos, salto alto, tintura para cabelo, entre
outros assessórios. Os anos 60 foram marcados pelos movimentos de contracultura
e o movimento hippie foi o precursor dos novos perfis que surgiram na época, tais
como o modelo estético, que valorizou um corpo de aspecto adolescente, sem
muitas curvas. Com a consolidação do movimento hippie, nos anos 70, os cabelos
eram longos, crespos e armados, maquiagem forte nos olhos e muito blush no
rosto. Enquanto os anos 80 pregaram o exagero, um estilo de extravagâncias e
excessos, os anos 90 trouxeram a naturalidade, a simplicidade.
Durante a década de 90 e inicio dos anos 2000, a ditadura da
magreza parece se tornar mais hegemônica, talvez como consequência da expansão da
comunicação e da imagem como símbolo. Ser magra torna-se uma verdadeira
obsessão, mulheres altas e magras consagram o novo modelo estético. Alcançar
esse padrão torna-se um esforço com a utilização de dietas malucas e a busca
cada vez mais árdua pelo corpo “ideal”, a bulimia e a anorexia passam a ser
frequentes.
Atualmente, o padrão de beleza feminino estampado nas
imagens midiáticas é: corpo magro, malhado, seios grandes, bumbum perfeito,
pernas torneadas e barriga chapada. Em nome desse corpo ideal, as academias
estão lotadas e as cirurgias plásticas para colocar silicone e lipoaspirações
são cada vez mais comuns.
Baixa, gorda e linda?
Desde sempre existe essa pressão social em cima das mulheres
e seus corpos. Em todos os lugares é possível captar essa imposição e
padronização inexplicável que se faz do corpo feminino, nas revistas, nos
outdoors, nas propagandas, nos filmes, nas novelas, nas passarelas. Sempre
encontramos mulheres com corpos “perfeitos” ou o famoso ‘corpo violão’, corpo
esse que é símbolo de saúde, de sensualidade, de beleza, tido como único que
atrai e que é aceito. Esses paradigmas ditam muito mais do que como deve ser o
corpo feminino como também a roupa que combina com qual tipo de corpo, o
sapato, o corte de cabelo adequado para as altas, para as baixas… A questão é:
por que ser baixa, gorda ou não ter um corpo violão faz você não ser
considerada uma mulher linda?
Você não vai encontrar uma mulher de estatura mediana, com
alguns quilinhos a mais em um desfile de moda ou estampada em outdoors usando
um biquíni, mas por que isso? A maioria das mulheres não são como os padrões
ditam, muito pelo contrário, mas ainda assim um modelo estético adotado pela
minoria é considerado padrão, por quê? Por que não fazem desfiles com mulheres
reais? As mulheres vêm em todas as formas e tamanhos, são diferentes, lindas de
formas diversas, não há motivo nenhum para mudarem seus corpos ou seus estilos
para se adaptarem a um padrão que nem ao menos faz sentido.
“Há uma corrente de teóricos que acreditam que, com tantos
avanços femininos, a ditadura do corpo ideal é uma forma de ainda deter a
mulher. E faz sentido, já que a maior parte acaba cedendo à pressão”, afirma a
psicóloga Marjorie Vicente em matéria do portal UOL. O cinema, a TV e a
publicidade não enxergam a mulher gorda como qualquer outra, não exploram sua
personalidade sem levar em consideração o físico ou apelar para o humor. A
mídia age como se ser gorda não fosse o natural (não somente gorda, como ser
baixinha, ter um corpo sem curvas ou uma deficiência física). O mercado é cruel
com quem está fora dos padrões e a sociedade também.
Em uma matéria feita na revista Marie Claire, chamada: “Por
que o mundo odeia as gordas”; uma pesquisa realizada com as leitoras da revista
revela dados estatísticos que evidenciam o preconceito. Das respostas, 66%
admitiram já ter feito um comentário maldoso ao ver uma mulher gorda usando
biquíni; 58% já se sentiram secretamente felizes porque a ‘ex’ do namorado
engordou muito; 52% acham que é pior engordar 15 quilos do que reduzir o
salário em 30%; 37% ficam incomodadas vendo uma mulher gorda comer hambúrguer
com batatas fritas; 36% não iriam a um médico de regime que fosse gordo; 21%
acreditam que as gordas são preguiçosas; 21% imaginam que, se um bonitão está
com uma mulher gorda, é porque existem outros interesses; 18% dizem que uma
pessoa muito gorda deveria pagar por dois assentos nos aviões.
As mulheres gordas sofrem discriminação diariamente, nos
mais simples eventos cotidianos. Quantas vezes já não ouvimos alguém dizer:
“ela é linda de rosto” ou “ela é bonita, mas é gorda” ou ainda: “se emagrecesse
ficaria linda”. Por que uma mulher não pode ser linda sendo gorda? Por que ser
gorda não é natural? Por que estar fora dos padrões não é bonito? A sociedade
está alienada, não consegue abrir a mente e ver que a mulher não precisa seguir
padrões para ser considerada bonita. Ser gorda não impede uma mulher de ser
linda e atraente, mas a mulher gorda sofre extremamente com tal realidade,
desde a dificuldade que enfrenta para encontrar roupas no seu tamanho até a
competição com uma magra por um emprego. É vergonhoso e infeliz o quão cruel a
sociedade pode ser com quem foge aos padrões de beleza. Todos os dias,
diferentes mulheres que não se encaixam nos padrões, sofrem preconceitos, são
vitimas de insultos e levam desvantagem somente por não estarem na “medida
certa”.
Em 2011, o artista Bakalia criou uma Barbie plus size.
Muitas marcas de roupas e revistas aderiram ao polêmico modelo plus size,
lançando campanhas com modelos gordinhas e criando roupas especiais para a
maioria das mulheres. Essa inovação gerou controvérsias e muitas pessoas
rejeitaram a criação de Bakalia, a Barbie gordinha não agradou todo mundo e
recebeu duras criticas, tais quais: “ninguém é gordo naturalmente, isso
mandaria uma mensagem para as meninas de que é OK não ser saudável”;“Barbie não
precisa de queixo duplo. Você pode ser plus size sem ter esse queixo”; “nem
gorda, nem muito magra, por uma Barbie saudável”. É um grande equivoco achar
que “só é gorda quem quer”, emagrecer é um processo que depende de cada
organismo e de outros fatores externos que influenciam. Ser magra não significa
ter um ótimo atestado de saúde.
As mulheres são diferentes, podem ser altas, baixas, gordas,
magras, de todas as formas e tamanhos e não há nada de errado em fugir do
padrão, assim como segui-lo. Toda mulher deveria simplesmente amar seu corpo. A
beleza é tão somente uma contemplação subjetiva e relativa, não deveria ser
enquadrada em padrões que excluem e discriminam. Pode ser clichê, mas é
legítimo: bonita é ser você.
Referência
¹ KUHN, Rolf. Em: HUISMAN, Denis (dir.). Dicionário dos
filósofos. 2 v. São Paulo: Martins Fontes, 2001.p. 123
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