terça-feira, 17 de junho de 2014

A 'turma dos anos 90' e a pigarra da história

Divulgação

O maior desafio de Aécio Neves reside naquilo que fez a convenção do PSDB parecer uma daquelas tertúlias de aposentados gabolas.

por: Saul Leblon – Carta Maior

A convenção do PSDB que oficializou Aécio Neves como candidato tucano, no último sábado, foi tão marcante que o  principal destaque ficou por conta do que não houve.

O partido adiou, mais uma vez, o anúncio do vice em sua chapa.

A 19 dias de esgotar o prazo para o registro das candidaturas, o problema de Aécio é saber quem desagrega menos.

Não é uma escolha fácil.

O repertório vai de um impoluto Paulinho ‘Boca’, da Força Sindical, ao demo Agripino Maia, ou talvez o híbrido de pavão e tucano, Tasso Jereissati, ambos, como se sabe, referências de enorme apelo popular. Correndo por fora, a opção puro sangue, Aécio – Serra, reúne afinidades equivalentes à convergência entre o fósforo e a pólvora.

O dilema não é novo no PSDB. O ex-governador José Serra viveu problema semelhante em 2010.

A indecisão quanto ao nome que o acompanharia na derrota para Dilma começou justamente quando Aécio tirou o corpo fora, recusando a vaga que hoje oferece ao rival.

Sem opções que agregassem voto, tempo de TV ou base no Congresso (caso, pelo menos, do marmóreo vice de Dilma, o pemedebista Michel Temer), Serra postergou a decisão até o limite final, para então protagonizar o abraço de afogado com um jovem demo.

Tal qual emergiu, Índio da Costa (DEM-RJ) submergiria para a eternidade do anonimato após a derrota.

A dificuldade com o vice é sintomática da representatividade dos aliados.

Mas não é o principal obstáculo para ampliar o teto da candidatura conservadora.

Passada a fase alegre da postulação interna contra rivais destroçados, Aécio terá que dizer ao país a que veio.

Seu maior desafio reside naquilo que fez a convenção de sábado parecer uma daquelas tertúlias típicas de aposentados   gabolas.

O celofane da mocidade mineira talvez seja insuficiente para conter o cheiro de naftalina que irradia das imagens sempre que a ‘turma dos anos 90’, integrada por Serra, FHC, Pimenta da Veiga, Agripino e assemelhados se junta para renovar o formol do velho projeto.

Por mais que a palavra mudança seja evocada por entre cenhos franzidos, comissuras enérgicas e punhos erguidos, não cola.

Não há pastilha Valda que conserte a pigarra da história.

A esperança em um futuro crível  para a economia e a sociedade  é incompatível com a regressão  apregoada pelos defensores de um modelo  que, a rigor,  não dispõe mais de força nem de consentimento para se repetir.

Para entender o porquê é preciso enxergar os ingredientes que fizeram o fastígio da hegemonia neoliberal no final do século XX.

A saber.

Três décadas de arrocho sobre o rendimento do trabalho nas principais economias ricas, facilitado pela ascensão industrial chinesa; um contrapeso de crédito farto ao consumo  –e em muitos casos, irresponsável, como se viu na gota d’água das subprimes e, finalmente, por sobre o conjunto, uma untuosa camada de mimos tributários que rechearam os cofres dos endinheirados , contribuindo para a superliquidez  que caracterizou a praça mundial  durante décadas.

Foi sobre essa base de Estado mínimo com desonerações para os ricos, renda e trabalho esfacelados, que se deu o auge e o colapso do modelo. Um movimento inscrito dentro do outro, como em uma sinfonia.

O arranjo só não desafinou antes, repita-se, graças à válvula de escape de endividamento maciço de Estados e famílias, propiciado pela desregulação  que liberou a banca de controles e permitiu a lambança do crédito lastreado em derivativos tóxicos.

Era tanto dinheiro que permitia viver hoje como se não houvesse amanhã.

Em vez de salários e direitos, créditos sobre créditos para famílias quebradas.

Em vez de arrecadar mais dos ricos, tomar emprestado deles na forma de endividamento público, para suprir a anemia fiscal de Estados obrigados a dar conta de serviços não lucrativos, por isso não privatizados.

O endividamento público lubrificado, no caso brasileiro, por um juro real superior a 10% ao ano durante o ciclo do PSDB (hoje é de 5%), supria os cofres dos governos e alegrava o rentismo.

 A tentativa atual de 'limpar’ a implosão do modelo removendo apenas seus ‘excessos  na ponta do crédito  resulta no filme de terror  em cartaz na Europa.

Preservar  para cima, com arrocho para baixo, associando à seca do crédito cortes sobre direitos e salários, ademais da retração do emprego, significa  uma carnificina econômica e social.

No caso brasileiro há o inconveniente adicional de que – nos marcos do regime democrático -   essa operação  talvez não seja mais viável depois de 12 anos de governos do PT.

A ‘mensagem mudancista ‘ de Aécio está visivelmente emparedada nessa encruzilhada.

De um lado, ele precisa atender o camarote vip que encarna e que o patrocina.

Engajados em uma cruzada de preconceito belicoso contra Dilma e o PT, os endinheirados exigem compromissos com medidas heroicas.

Aquelas que Aécio prometeu tomar - ‘se der, no primeiro dia’, como afirmou  às papilas empresariais famintas, reunidas  num regabofe na casa do animador de eventos, João Dória Jr, (conforme a Folha 02/04).

A esperança conservadora é a de que a baixa atividade decorrente de uma paulada imediata no juro, com consequente recuo do crédito e compressão  do salários real,  devolva  a  senzala ao seu lugar.

E o país aos bons tempos.

O trânsito ficaria menos carregado; os aeroportos recuperariam o velho charme .

Não só.

Um desemprego ‘funcional’ de 12,5%, como no ciclo do PSDB (hoje é da ordem de 5%), estalaria a chibata da redução do custo Brasil nas costas de quem tem 500 anos de familiaridade com o assunto.

Mais quatro anos, que diferença faz?

Novidades no front sugerem talvez não seja tão simples assim rodar  o modelo original  no azeite do arrocho.

Um Brasil formado por dezenas de milhões de famílias antes apartadas na soleira da porta, do lado de fora do país, agora cobra a sua vaga no mercado e na cidadania.

No seleto clube do juro alto essa gente figura como estorvo.

No ciclo de governos do PT o estorvo tomou gosto da mobilidade social.

No cálculo político do candidato tucano a precaução recomenda que não se diga em público aquilo que se afirma na casa do animador do ‘Cansei’, Dória Jr.

Instala-se assim um malabarismo de alto risco no picadeiro do circo conservador.

Aécio, ora assume o estereótipo de mineirinho afável, ora  tenta distrair  a plateia acusando  pecadores com o fogo dos savonarolas  de passado inflamável.

Enquanto isso, operadores de mercado que o representam  costuram  o peru recheado de arrocho servido nos regabofes  da plutocracia insaciável.

O principal personagem dessas tertúlias é Armínio Fraga, espécie de ‘é com esse que eu vou lucrar até cair no chão’ da nação rentista.

O  prestígio não é obra do acaso.

Armínio carrega no currículo o feito de ter elevado a taxa de juro brasileira de 25% para  45%, em março de 1999.

O colosso se deu  quando esse quadro reconhecido como ‘nosso homem no Brasil’  pela alta finança  internacional  –Timothy Gartner, ex-secretário do Tesouro americano, sugeriu o seu nome a Obama para presidir  o Fed -- assumiu a presidência do BC brasileiro, no governo Fernando Henrique Cardoso.

Em declarações para o público mais amplo,  Armínio, que também possui cidadania americana, procura demonstrar serenidade e comedimento. Veste o figurino do Aécio afável e apregoa um caminho gradual, ‘sem choque’, para  recolocar as coisas nos eixos.

Nas entrelinhas do comedimento, porém,  ressoa o  ‘matador dos mercados’, que parece falar diretamente ao camarote vip do ‘Itaquerão’.

Na hipótese de uma extrema eficiência na lavagem cerebral  promovida pela mídia, a ‘turma dos 90’ pode até vencer em outubro.

Mas conseguiria governar emparedada nesse duplo torniquete,  entre o compromisso com a alta finança, de um lado, e a pressão ascendente de um Brasil que tomou gosto pela cidadania, de outro?

Confira, abaixo, trechos das dubitativas respostas de  Armínio , em entrevista ao Valor, nesta 2ª feira:

Sobre baixar  a meta da inflação (leia-se, sobre o  tamanho da paulada nos juros num eventual governo tucano):

‘Tem que ter uma sequência. Primeiro, chegar a uma situação de preços normais, não tabelados, não reprimidos, levar essa inflação para a meta e, depois, decidir o que fazer. Acho que a meta deveria cair um pouco e lentamente...Vamos ter que tirar o remédio do paciente, que está dopado.

Sobre a conveniência de Aécio dizer que está pronto para tomar  ‘medidas impopulares’

'Sincericídio', acho que não. É um pouco de 'honesticídio', isso sim. Temos que cair na real: as coisas não estão dando certo.

Sobre o futuro dos salários num governo tucano.

 Acho os salários no Brasil ridiculamente baixos porque o Brasil é um povo pouco educado e pouco produtivo. Por isso é que os salários aqui correspondem a 20% dos salários dos países ricos. Há algumas áreas que ganham salários parecidos, mas o salário médio aqui é muito baixo porque somos um país pobre. E por que somos pobres? Porque o país não está crescendo. O salário tem que guardar alguma relação com a produtividade. Isso está nas atas do Copom e nas melhores cabeças que estão no governo. O país não está crescendo, caia na real! Qualquer coisa que eu diga vão interpretar como arrocho enquanto o arrocho já está aí, está sendo feito pela inflação.

Sobre a fuga de capitais que estaria em curso no país enquanto o investimento privado vive uma greve branca.


 O brasileiro gosta do seu país, gosta de morar aqui, de investir aqui. Mas o grau de incerteza hoje é tal que as pessoas estão pensando em investir fora do Brasil, estão pensando até em sair do Brasil. Há um medo que vai além da economia, é medo político também. Há uma sensação de medo que as pessoas não têm coragem de manifestar abertamente. Medo de uma atitude contra a liberdade de imprensa, contra a democracia.

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