O maior desafio de Aécio Neves reside naquilo que fez a
convenção do PSDB parecer uma daquelas tertúlias de aposentados gabolas.
por: Saul Leblon – Carta Maior
A convenção do PSDB que oficializou Aécio Neves como
candidato tucano, no último sábado, foi tão marcante que o principal destaque ficou por conta do que não
houve.
O partido adiou, mais uma vez, o anúncio do vice em sua
chapa.
A 19 dias de esgotar o prazo para o registro das
candidaturas, o problema de Aécio é saber quem desagrega menos.
Não é uma escolha fácil.
O repertório vai de um impoluto Paulinho ‘Boca’, da Força
Sindical, ao demo Agripino Maia, ou talvez o híbrido de pavão e tucano, Tasso
Jereissati, ambos, como se sabe, referências de enorme apelo popular. Correndo por
fora, a opção puro sangue, Aécio – Serra, reúne afinidades equivalentes à
convergência entre o fósforo e a pólvora.
O dilema não é novo no PSDB. O ex-governador José Serra
viveu problema semelhante em 2010.
A indecisão quanto ao nome que o acompanharia na derrota
para Dilma começou justamente quando Aécio tirou o corpo fora, recusando a vaga
que hoje oferece ao rival.
Sem opções que agregassem voto, tempo de TV ou base no
Congresso (caso, pelo menos, do marmóreo vice de Dilma, o pemedebista Michel
Temer), Serra postergou a decisão até o limite final, para então protagonizar o
abraço de afogado com um jovem demo.
Tal qual emergiu, Índio da Costa (DEM-RJ) submergiria para a
eternidade do anonimato após a derrota.
A dificuldade com o vice é sintomática da representatividade
dos aliados.
Mas não é o principal obstáculo para ampliar o teto da
candidatura conservadora.
Passada a fase alegre da postulação interna contra rivais
destroçados, Aécio terá que dizer ao país a que veio.
Seu maior desafio reside naquilo que fez a convenção de
sábado parecer uma daquelas tertúlias típicas de aposentados gabolas.
O celofane da mocidade mineira talvez seja insuficiente para
conter o cheiro de naftalina que irradia das imagens sempre que a ‘turma dos
anos 90’, integrada por Serra, FHC, Pimenta da Veiga, Agripino e assemelhados se
junta para renovar o formol do velho projeto.
Por mais que a palavra mudança seja evocada por entre cenhos
franzidos, comissuras enérgicas e punhos erguidos, não cola.
Não há pastilha Valda que conserte a pigarra da história.
A esperança em um futuro crível para a economia e a sociedade é incompatível com a regressão apregoada pelos defensores de um modelo que, a rigor,
não dispõe mais de força nem de consentimento para se repetir.
Para entender o porquê é preciso enxergar os ingredientes
que fizeram o fastígio da hegemonia neoliberal no final do século XX.
A saber.
Três décadas de arrocho sobre o rendimento do trabalho nas
principais economias ricas, facilitado pela ascensão industrial chinesa; um
contrapeso de crédito farto ao consumo
–e em muitos casos, irresponsável, como se viu na gota d’água das
subprimes e, finalmente, por sobre o conjunto, uma untuosa camada de mimos
tributários que rechearam os cofres dos endinheirados , contribuindo para a
superliquidez que caracterizou a praça
mundial durante décadas.
Foi sobre essa base de Estado mínimo com desonerações para
os ricos, renda e trabalho esfacelados, que se deu o auge e o colapso do
modelo. Um movimento inscrito dentro do outro, como em uma sinfonia.
O arranjo só não desafinou antes, repita-se, graças à
válvula de escape de endividamento maciço de Estados e famílias, propiciado
pela desregulação que liberou a banca de
controles e permitiu a lambança do crédito lastreado em derivativos tóxicos.
Era tanto dinheiro que permitia viver hoje como se não
houvesse amanhã.
Em vez de salários e direitos, créditos sobre créditos para
famílias quebradas.
Em vez de arrecadar mais dos ricos, tomar emprestado deles
na forma de endividamento público, para suprir a anemia fiscal de Estados
obrigados a dar conta de serviços não lucrativos, por isso não privatizados.
O endividamento público lubrificado, no caso brasileiro, por
um juro real superior a 10% ao ano durante o ciclo do PSDB (hoje é de 5%),
supria os cofres dos governos e alegrava o rentismo.
A tentativa atual de
'limpar’ a implosão do modelo removendo apenas seus ‘excessos na ponta do crédito resulta no filme de terror em cartaz na Europa.
Preservar para cima,
com arrocho para baixo, associando à seca do crédito cortes sobre direitos e
salários, ademais da retração do emprego, significa uma carnificina econômica e social.
No caso brasileiro há o inconveniente adicional de que – nos
marcos do regime democrático - essa
operação talvez não seja mais viável
depois de 12 anos de governos do PT.
A ‘mensagem mudancista ‘ de Aécio está visivelmente
emparedada nessa encruzilhada.
De um lado, ele precisa atender o camarote vip que encarna e
que o patrocina.
Engajados em uma cruzada de preconceito belicoso contra
Dilma e o PT, os endinheirados exigem compromissos com medidas heroicas.
Aquelas que Aécio prometeu tomar - ‘se der, no primeiro
dia’, como afirmou às papilas
empresariais famintas, reunidas num
regabofe na casa do animador de eventos, João Dória Jr, (conforme a Folha
02/04).
A esperança conservadora é a de que a baixa atividade
decorrente de uma paulada imediata no juro, com consequente recuo do crédito e
compressão do salários real, devolva
a senzala ao seu lugar.
E o país aos bons tempos.
O trânsito ficaria menos carregado; os aeroportos
recuperariam o velho charme .
Não só.
Um desemprego ‘funcional’ de 12,5%, como no ciclo do PSDB
(hoje é da ordem de 5%), estalaria a chibata da redução do custo Brasil nas
costas de quem tem 500 anos de familiaridade com o assunto.
Mais quatro anos, que diferença faz?
Novidades no front sugerem talvez não seja tão simples assim
rodar o modelo original no azeite do arrocho.
Um Brasil formado por dezenas de milhões de famílias antes
apartadas na soleira da porta, do lado de fora do país, agora cobra a sua vaga
no mercado e na cidadania.
No seleto clube do juro alto essa gente figura como estorvo.
No ciclo de governos do PT o estorvo tomou gosto da
mobilidade social.
No cálculo político do candidato tucano a precaução
recomenda que não se diga em público aquilo que se afirma na casa do animador
do ‘Cansei’, Dória Jr.
Instala-se assim um malabarismo de alto risco no picadeiro
do circo conservador.
Aécio, ora assume o estereótipo de mineirinho afável,
ora tenta distrair a plateia acusando pecadores com o fogo dos savonarolas de passado inflamável.
Enquanto isso, operadores de mercado que o representam costuram
o peru recheado de arrocho servido nos regabofes da plutocracia insaciável.
O principal personagem dessas tertúlias é Armínio Fraga,
espécie de ‘é com esse que eu vou lucrar até cair no chão’ da nação rentista.
O prestígio não é
obra do acaso.
Armínio carrega no currículo o feito de ter elevado a taxa
de juro brasileira de 25% para 45%, em
março de 1999.
O colosso se deu
quando esse quadro reconhecido como ‘nosso homem no Brasil’ pela alta finança internacional
–Timothy Gartner, ex-secretário do Tesouro americano, sugeriu o seu nome
a Obama para presidir o Fed -- assumiu a
presidência do BC brasileiro, no governo Fernando Henrique Cardoso.
Em declarações para o público mais amplo, Armínio, que também possui cidadania
americana, procura demonstrar serenidade e comedimento. Veste o figurino do
Aécio afável e apregoa um caminho gradual, ‘sem choque’, para recolocar as coisas nos eixos.
Nas entrelinhas do comedimento, porém, ressoa o
‘matador dos mercados’, que parece falar diretamente ao camarote vip do
‘Itaquerão’.
Na hipótese de uma extrema eficiência na lavagem
cerebral promovida pela mídia, a ‘turma
dos 90’ pode até vencer em outubro.
Mas conseguiria governar emparedada nesse duplo
torniquete, entre o compromisso com a
alta finança, de um lado, e a pressão ascendente de um Brasil que tomou gosto
pela cidadania, de outro?
Confira, abaixo, trechos das dubitativas respostas de Armínio , em entrevista ao Valor, nesta 2ª
feira:
Sobre baixar a meta
da inflação (leia-se, sobre o tamanho da
paulada nos juros num eventual governo tucano):
‘Tem que ter uma sequência. Primeiro, chegar a uma situação
de preços normais, não tabelados, não reprimidos, levar essa inflação para a
meta e, depois, decidir o que fazer. Acho que a meta deveria cair um pouco e
lentamente...Vamos ter que tirar o remédio do paciente, que está dopado.
Sobre a conveniência de Aécio dizer que está pronto para
tomar ‘medidas impopulares’
'Sincericídio', acho que não. É um pouco de 'honesticídio',
isso sim. Temos que cair na real: as coisas não estão dando certo.
Sobre o futuro dos salários num governo tucano.
Acho os salários no
Brasil ridiculamente baixos porque o Brasil é um povo pouco educado e pouco
produtivo. Por isso é que os salários aqui correspondem a 20% dos salários dos
países ricos. Há algumas áreas que ganham salários parecidos, mas o salário
médio aqui é muito baixo porque somos um país pobre. E por que somos pobres?
Porque o país não está crescendo. O salário tem que guardar alguma relação com
a produtividade. Isso está nas atas do Copom e nas melhores cabeças que estão
no governo. O país não está crescendo, caia na real! Qualquer coisa que eu diga
vão interpretar como arrocho enquanto o arrocho já está aí, está sendo feito
pela inflação.
Sobre a fuga de capitais que estaria em curso no país
enquanto o investimento privado vive uma greve branca.
O brasileiro gosta do
seu país, gosta de morar aqui, de investir aqui. Mas o grau de incerteza hoje é
tal que as pessoas estão pensando em investir fora do Brasil, estão pensando
até em sair do Brasil. Há um medo que vai além da economia, é medo político
também. Há uma sensação de medo que as pessoas não têm coragem de manifestar
abertamente. Medo de uma atitude contra a liberdade de imprensa, contra a
democracia.
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